[PEDRO LUSO DE CARVALHO]
No ano
de 1987 a editora Record publicou Tempo,
vida, poesia, com o subtítulo de Confissões
no rádio, 2ª edição, de Carlos
Drummond de Andrade.
Na
apresentação do livro Drummond esclarece que os temas aí abordados foram
levados ao ar pela PRA-2, Rádio Ministério da Educação e Cultura, com
apresentação de sua amiga Lya Cavalcanti, numa série de programas dominicais.
Drummond
diz ainda que a matéria, objeto dessas entrevistas com Lya Cavalcanti, foi
publicada no Jornal do Brasil, com algumas modificações.
Mais
tarde deu-se a divulgação desse “papo radiofônico”, como era chamado pelo poeta,
com a sua publicação em livro pela Record. Com o êxito do livro, a editora fez
uma segunda edição.
Segue um
desses “papos entre Lya e Drummondd”, intitulado Entre Bandeira e Oswald de Andrade, (In Andrade, Carlos Drummond de. Tempo,
vida, poesia. 2ª ed. Rio de Janeiro, 1987, p. 99-103):
ENTRE BANDEIRA E OSWALD DE ANDRADE
(Drummond)
– Vocês,
modernistas mineiros, não deviam gozar de muita consideração no meio
conservador da província, mas tinham o bafejo, o apoio intelectual dos
modernistas do Rio e São Paulo, não é mesmo?
– De
fato, eles não davam muita confiança, e o aspecto saudável dessa relação é que
não havia paternalismo de um lado e lisonja ou servilismo de outro. Contávamos
especialmente com a simpatia de Manoel Bandeira, Mario de Andrade e Ribeiro
Couto, mais velhos e mais bem informados do que nós, o que não impedia que os
tratássemos sem cerimônia e até com certa petulância de galinhos de briga.
Certa vez Bandeira fez na Revista do
Brasil, da fase carioca, restrições ao livro de um poeta nosso amigo,
Austen Amaro. Tanto bastou para que João Alphonsus, no Diário de Minas, desancasse rijamente o já então nosso mestre
pernambucano: “Se Manoel Bandeira gosta de criticar exibindo ruindades, por que
deixou passar as de Mário de Andrade, quando falou do Losango Cáqui?” A resposta de Bandeira, em carta aberta na mesma
revista, é de uma humildade de santo e uma doçura de anjo: “Vamos fazer um
acordo, João Alphonsus: me dê a sua simpatia, tire a sua admiração. Me queira
bem, João Alphonsus.” João entregou os pontos: “Mais cedo do que eu esperava” –
confessou ele, de público – “me arrependi
de ter escrito aquele medonho artigo. Infelizmente, é assim que a gente
aprende a viver e a gostar daqueles que merecem ser amados além de admirados.
Disponha do meu coração.”
– Até
parece coisa de namorados.
– De
fato, nós envolvíamos o fato literário num halo afetivo, embora isso não nos
privasse de ser rigorosos com o objeto da nossa afeição. A aproximação
intelectual gerava amizade. A amizade acabava prevalecendo sobre a vida
literária. Movida por essa concepção, topei uma briga com Oswald de Andrade.
Briga, aliás, que o tempo foi diluindo. Oswald não era homem de brigar para
sempre. Gostava de variar de inimigos.
– Conte
como foi isto.
– Foi
durante a efervescência do movimento antropofágico, em 1929. O órgão dessa
corrente era a Revista de Antropofagia,
de São Paulo, dirigida pelo Antônio de Alcântara Machado, que lhe imprimia o
seu próprio feitio inclinado ao humorismo, sem entretanto dar-lhe caráter
polêmico. Oswald, tendente à radicalização, escreveu-me pedindo comunicar à turma de Minas o novo rumo da revista,
decidido por ele. E explicou: “Não houve transformação e sim ortodoxia. O
Alcântara não entendeu o sentido do movimento, pensou que era troça e durante
meses publicou inutilidades amenas. Evidentemente errei em tê-lo convidado para
dirigir a revista. Agora a coisa é outra. Estão à frente Raul Bopp e Oswaldo
Costa, cunhambebes autênticos e leais. Mandem coisas. Diga aos Cataguases* que
contamos com eles.”
– Não havia nisso muita política literária?
– A
carta era macia, mas o tom da revista, em sua nova fase, era antes de
intimidação. Num de seus números havia mesmo esta pergunta: “Os rapazes de
Minas precisam se decidir. Será que a literatura é questão de amizade?”
Respondi em meu nome que, para mim, efetivamente, toda a literatura não valia
uma boa amizade. Com isso queria dizer (e Oswald percebeu muito bem) que não
concordava com os ataques ferozes ao Alcântara e ao Mário de Andrade, os quais
de uma hora para outra haviam passado de pessoas ótimas a indesejáveis. Acrescentei,
com certa má-criação, que a antropofagia não era um movimento decente, e que eu
não aderia.
– Aí
pegou fogo?
– A
reação de Oswald foi divertida. Publicou minha resposta com este título:
“Cartas na mesa – Os Andradas se dividem.” Já em número seguinte, respondendo a
Ascenso Ferreira, que se dizia antropofagista, mas ressalvava sua admiração por
Mário de Andrade, Oswaldo Costa dizia ao pernambucano: “A sua carta não tem
razão de ser, Ascenso; é uma carta de sentimento, coisa para além da
antropofagia e que eu desconheço graças a Freud, a Jesus de Pirapora e a Exu.
Nesse ponto você se põe de acordo com esse cretino do Drummond...” Mais tarde,
Oswaldo Costa deixaria a literatura pelo jornalismo. Oswald continuou o mesmo
menino-grande, muito mais piadista que o Alcântara, e anos depois caímos nos
braços um do outro. No fundo, ele era necessitado de carinho, como toda gente,
mas disfarçava essa necessidade sob a capa de trocista e provocador. Sua
antropofagia era uma atitude intelectual. Com a idade e a doença, tirou a
máscara, apareceu o homem sensível e desarmado.
– Em
que consistiam afinal os princípios da antropofagia? Esta é uma conversa de
rádio, convém informar.
–
Partindo de costumes alimentares de nossos índios, Oswald elaborou uma espécie de
interpretação histórica, a que pretendia ser também doutrina sociológica de
base filosófica. Segundo ele, o homem é apenas um elo na cadeia universal de
devoração. Os males do mundo vieram do dia em que o guerreiro vitorioso deixou
de comer o adversário para fazê-lo escravo, instituindo assim o trabalho e a
moral dos escravos.
– E
como se manifestava isso em literatura?
– Comendo-se
uns aos outros, como você viu.
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* Aos rapazes do grupo e da revista Verde, da cidade mineira de Cataguases.
* * *
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ResponderExcluirJá estive visitando o seu blog, do qual me tornei seu seguidor.
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Abraços,
Pedro.
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ResponderExcluirbeijo
Graça
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Logo darei um pulo ao seu blog para ler suas postagens mais recentes.
Abraços,
Pedro.