17 de abr. de 2011

DA CRÍTICA LITERÁRIA – PARTE II

Hippolyte Taine




                  por  Pedro Luso de Carvalho



        Nas outras partes deste estudo, em futuras postagens, entre outras coisas, será dado realce aos seguidores de Platão e de Aristóteles, à importância das escolas platônica e aristotélica, sobre o papel que os seus discípulos representam no que se relaciona à crítica literária. Também será colhida a opinião de estudiosos importantes tanto sobre a crítica literária como sobre a análise literária, esta, aparecendo como coadjuvante daquela, que aparece na sua preparação, já que ela, a análise, fornece à crítica os dados necessários e indispensáveis ao juízo crítico , que - repita-se o que foi dito na primeira parte -, no dizer de Michaud, se constitui na “preparação ou primeira etapa do processo crítico, que termina com o julgamento da obra literária”.

        Como o nosso propósito nesta edição é demonstrar o desdobramento das escolas platônicas e aristotélicas, nada melhor que mostrar a forma organizada pelo professor Afrânio Coutinho (in “Crítica e poética”), na sequência de sua abordagem ao pensamento de Platão e de Aristóteles. Houve três correntes – diz Coutinho – de sucessores de Platão:

         a)  A primeira corrente é a de Horácio, e para ela a literatura só se justifica em termos éticos, é um ensinamento, quando muito um ensinamento agradável. Essa é a concepção didática da literatura, já explorada na Idade Média pela Igreja, mas que iria ser instrumento utilíssimo nas mãos dos adversários do protestantismo, durante a Contra-Reforma, e na dos catequistas e missionários. Os padres da Companhia de Jesus dela fizeram largo uso, haja vista o exemplo da literatura jesuítica.

        b) A segunda corrente é a que segue o livro 'Do Sublime', atribuído a um escritor conhecido como Longino. Para os críticos nele inspirados, a literatura resulta de um estado de transe quase místico da alma do autor, um estado de espírito do poeta comunicado ao leitor por intermédio das palavras. E a crítica, segundo tal perspectiva, é de natureza psicológica, uma apreciação da alma do poeta tal como se revela no poema.

        c) A terceira corrente é a dos retóricos alexandrinos ou helenísticos, os quais focalizam a atenção crítica nos problemas técnicos e estilísticos da literatura. Sem embargo, eles se colocavam fora da literatura na adoção dos critérios de apreciação e análise, os quais, para eles, eram os critérios universais da linguagem.

        Ensina o mestre Afrânio Coutinho, que essas “correntes encontravam o valor literário fora do poema, em algo diferente e situado além da arte”. E diz ainda que a crítica literária, nos séculos que se seguiram ao Renascimento, oscilou da ética para a psicologia, para a estilística e a linguagem. “Uns viam o poema como reflexo da alma do poeta, diz Coutinho, e se interessavam primordialmente pela alma do poeta”. Ensina que foi do prolongamento e da exacerbação dessa linha que nasceu o biografismo contemporâneo em crítica, “para o qual a crítica não deve passar do levantamento da biografia completa dos autores. Não é a obra que lhe interessa. A obra passa a segundo plano, relativamente ao estudo da personalidade do autor”.

        Vê-se, já no século XIX, que à crítica importava descobrir o homem, mesmo que fosse através da obra do autor. E isso deveu-se às teorias deterministas que dominavam o clima científico, que passou a acreditar, como diz Coutinho, “numa verdadeira relação mecânica, necessária, determinante, entre o autor, os fatos de sua vida, suas doenças, as circunstâncias financeiras de sua existência, e a obra de arte que produziu”

        Sobre essa atividade de pessoas que se dedicaram à crítica literária, ainda dentro do espírito da época em que o autor é que lhe interessavam, e não a sua obra, como deveria ser, Afrânio Coutinho faz esta importante constatação: “E essa preocupação com o autor levou, repito, sobretudo depois dos exageros cientificistas do século XIX e das técnicas da filologia positivista germânica, a situações quase ridículas, como sejam a de certos eruditos que empenham o talento em tarefas inglórias de vasculhar a vida de homens de gênio, nos seus mais mínimos detalhes, convencidos de que a descoberta de um recibo assinado por ele ou da referência a uma de suas moradas até então desconhecida dos biógrafos, explicaria a natureza de sua poesia e ajudaria a compreensão de seu gênio”.

        A crítica literária também é vista por Coutinho como um instrumento ou guia de ação moral de outro grupo, didatas da literatura, que ainda no século XIX demonstrou “essa volta à ética através da crítica e de seus principais representantes, como um Shelley e um Mathew Arnold na Inglaterra”. 

        Coutinho fala também da crítica do seu tempo, dizendo: “Mesmo em nosso tempo, essa concepção da literatura reviveu nas teorias dos críticos marxistas, os quais vêem o valor poético não na obra em si mesma, porém em sua ação sobre o auditório ou público, e sua origem para eles reside na classe a que o escritor pertence, cujo espírito ele interpreta e exprime. Nesse sentido a crítica marxista é de fundo horaciano”.

        Da crítica literária de seu tempo, Afrânio Coutinho reporta-se ao século XVIII e o começo do século XIX para falar de outro grupo que se formou nesse período, na “atmosfera espiritual do romantismo e da influência de filósofos alemães, como Herder e os irmãos Schlegel. Madame de Stäel pode ser considerada a figura que divulgou a teoria chamada sociológica da literatura, coisa velha, aliás - realça Coutinho -, mas que só dessa época em diante encontrou sistematização doutrinária”. 

        Referindo-se à teoria sociológica da literatura, Coutinho lembra que depois de Stäel - que a divulgou -, aparece para representar essa corrente, acima de todos, o filósofo e crítico francês Taine. “Também aqui - diz Coutinho – a literatura é encarada de fora, são os fatores extraliterários os eleitos para explicar o fenômeno literário. As instituições sociais, o ambiente físico, o meio – e Taine procurou resumir sua teoria na famosa trindade raça, meio e momento - explicariam a cultura e as obras primas”.  

        E foi a partir da teoria de Taine, com suas repercussões e influências, e cuja dominação no estudo da literatura manteve-se até nossos dias, que os problemas literários foram colocados como fatos históricos e não fatos da crítica literária. Coutinho diz que nos últimos cem anos o tivemos menos homens de letras que historiadores literários, já que estes predominavam sobre aqueles.

        Daremos seguimento a este estudo sobre a Crítica Literária na nossa próxima postagem. Para ter acesso ao primeiro trabalho, clicar em DA CRÍTICA LITERÁRIA – PARTE I




REFERÊNCIA:
COUTINHO, Afrânio. Crítica e Poética. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1968, p. 9-14. 




4 comentários:

  1. Obrigado Pedro,
    seus textos nos enriquecem culturalmente!
    Um abraço

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  2. Olá Pedro
    Há quanto tempo...Tenho andado um pouco afastada dos blogs por razões pessoais. Mas volto e encontro este teu Estudo sobre a Crítica Literária(já na parte II...) e fui ler o início, para aprender mais um pouco! A crítica, nunca foi bem aceite pelos escritores...mesmo a positiva mas...em relação a outros parceiros!Acredito que ninguem goste de ver a sua obra censurada mas tambem depende como esta é elaborada. Há escritores que "cresceram mais" com censuras bem arquitectadas!
    Obrigada por tanto que dás a quem por aqui passa.
    beijo
    Graça

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  3. Pedro,
    Encontrei a continuaçāo da primeira aula, o tablet me atrapalhou e nāo vi a lateral esquerda do blog. Excelente resumo, necessito sempre de reler ou apontar,
    Grata,

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    1. Maria de Lourdes,

      Obrigado por sua visita e pelo interesse demonstrado por esse trabalho sobre crítica literária.
      Espero que você volte mais vezes.

      Abraços,
      Pedro.

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Obrigado a todos os amigos leitores.
Pedro