[ PEDRO LUSO DE CARVALHO ]
Não
tenho dúvida de que a releitura de uma obra de boa qualidade é sempre melhor
que a sua primeira leitura; tive essa comprovação, mais uma vez, após a segunda
leitura que fiz das Novelas Completas,
de Prosper Mérimée, com tradução do poeta Mário Quintana. Essa obra é composta
de 18 histórias (contos e novelas); destaco, dentre os contos: Mateus Falcone e Tamango; e, dentre as novelas: Colomba
e Carmen; tais obras, no meu
entender, podem ser comparadas aos melhores textos de Anton Tchekhov e de Guy
de Maupassant.
O livro Novelas Completas contém, além dos
contos e novelas do escritor francês, um ensaio intitulado “Prosper Mérimée”,
escrito por Émile Faguet. No que diz respeito ao ensaio de Faguet sobre Mérimée
e sua obra, escolhi alguns trechos, que considerei importantes (o texto é de
quinze páginas), que podem interessar aos que são afeitos à a literatura, em
especial, ao conto e à novela.
Uma
breve nota sobre ÉMILE FAGUET, escritor e crítico literário francês: nasceu em
17 de dezembro de 1847, em Paris. Lecionou literatura francesa na Sorbonne,
desde 1897 até a sua morte, no dia 7 de junho de 1916. Crítico literário com
estilo próprio e de independência na abordagem de seus temas, destacou-se com
as obras que escreveu sobre Corneille, La Fontaine, Flaubert, Nietzsche, Honoré
de Balzac, Histoire de la littérature
française (2 vols.) e Jean-Jacques
Rousseau (5 vols.), entre outras obras com enfoque político e moral sobre o
liberalismo, anticlericalismo, socialismo, pacifismo e feminismo, a partir de
uma visão tradicionalista.
O ensaio
de Émile Faguet sobre Prosper Mérimée, está dividido em quatro partes; a
primeira é intitulada de SUA ÍNDOLE E A FORMA DO SEU ESPÍRITO; nesta parte,
Émile Faguet diz que Mérimée “Possuía a qualidade essencial do homem de sociedade,
a compostura. Isso quer dizer que ele se privava de tudo que era espontâneo,
desconfiava sempre do primeiro impulso. O primeiro impulso do homem é o do
sentimento, e o segundo é o da desconfiança. Não tendo a desconfiança
sorrateira e medrosa dos néscios, Mérimée, cortês e tranquilamente, suspeitava
de tudo, ou, antes, não se fiava em nada. Lembra-te de desconfiar, era sua
divisa. É preciso ser honnête homme e
duvidar, dizia ainda”.
Na
segunda parte, do ensaio, cujo título é SUA ARTE, Faguet fala da curiosidade de
Mérimée pela literatura russa, e diz que o escritor prestou-lhe grande serviço,
por ter sido o primeiro a torná-la conhecida. Mérimée apreciava na literatura
russa o seu estilo sucinto; admirava Puchkin, dizendo ser ele o Byron russo.
Sobre a arte de Puchkin, assim se manifestava Mérimée: Não conheço obra mais tensa, se for possível usar esta expressão como
um elogio... nenhum verso, nenhuma palavra a suprimir... entretanto, tudo é
simples, natural (...).
Ainda
sobre os escritores russos, diz Émile Faguet: “O que Mérimée aprecia em Gogol,
é o Inspetor, as Almas Mortas, isto é a sua singular acuidade de observação, e a
arte de fazer saltar aos olhos o gesto ou a palavra característica de uma
paixão, sem falar no humour e o gosto
amargo de sátira que, no fundo, existem em Mérimée como no romancista
ucraniano. Mas em presença de Taras Bulba
(de Gogol) já hesita. Encontra aí alguma coisa de sistemático, de “romanesco”,
um “enredo trivial”, quer dizer, uma imaginação de segunda mão: é o que,
justamente, não pode suportar”. Faguet transcreve o que Mérimée diz sobre o
motivo que o leva se empolgar por Turguenev; para ele, Turguenev “tem a
faculdade de condensar suas observações e de dar-lhes uma forma precisa”; mas,
não fica só no elogio; pergunta a si mesmo se Turguenev não se estenderá demais
“em descrições, muito fiéis provavelmente, mas que poderiam se abreviadas?”
Nessa
parte de seu ensaio, Faguet dá realce à importância da psicologia na obra de Mérimée,
e a forma correta com que a aplica nas suas histórias: “Sua psicologia é de
qualidade rara. Ela não visa a profundidade (o que precisamente reflete o seu
amor ao real: ele teria medo de que o seu esforço para penetrar demais acabasse
substituindo a observação pela imaginação, e que daí resultasse um romance
sentimental); ela é exata, fina, segura, e como que dosada a cada instante.
Compõe-se de fatos miúdos, muito precisos, pouco numerosos, bem escolhidos, e
que concordam”.
Ainda
sobre a psicologia de Mérimée, prossegue Faguet: “É o que permite a Mérimée,
que gosta de histórias maravilhosas, atingir o extraordinário sem deixar de
permanecer na realidade. Esse poeta, que é um materialista, descreve um
maravilhoso todo especial, um maravilhoso que não é simbólico. Compreendeu
perfeitamente que é muito difícil ao romance não ser romanesco, não admitir o
extraordinário, arrastar-se eternamente sobre a nudez trivial da realidade
(...) Isso que é conhecer bem as duas condições opostas e essenciais do romance,
que só pode interessar pela verdade, seduzir pelo extraordinário, satisfazer
plenamente pelo acordo dessas duas partes”.
Na
terceira parte de O ESCRITOR, expõe Faguet: “É no seu estilo que Mérimée se
mostra homem social mais do que qualquer outro domínio. A elegância do homem
correto consiste em não se distinguir de pessoa alguma, nem pelo traje, nem
pelo procedimento, nem pelo tom de voz, nem por um jeito especial na maneira de
falar. Sentir-se-ia desolado se alguém, um dia, introduzido no seu círculo,
observasse que ele fala bem. Assim,
quando publicava um livro, não era para que um folhetinista qualquer ficasse
embasbacado ante uma página e declarasse: Mas
como está bem escrito! Deve-se falar e escrever de tal maneira que ninguém
perceba, pelo menos a um primeiro contato, que se fala e se escreve de um modo
diferente”.
Na
quarta parte do ensaio, ainda sobre Mérimée, diz Émile Faquet que “Mérimée teve
a recompensa que o seu feitio preferiria. Tem sido apreciado discreta e
intimamente pelas pessoas de gosto apurado. Não tem sido agitado brutalmente no
tumulto das discussões de escolas literárias. Não tem sido atacado por ninguém,
nem louvado com grandes explosões e admirado com grande mobilização de
adjetivos, o que para ele teria sido um sofrimento inqualificável. Sua glória é
de bom quilate, como seu caráter, seu espírito e seu estilo: não foi
sobrelevada nem menosprezada; não teve impulso brusco, nem queda, nem eclipse.
Mérimée entrou na posteridade como se entra num salão, sem discussão nem
estrépito, sendo acolhido como o maior, sem efusões vãs, e aí se instalou
confortavelmente em bom lugar de onde jamais será banido”.
Prosper
Mérimée nasceu no dia 28 de setembro de 1803, em Paris, e morreu em 23 de
setembro de 1870, em Cannes, aos 67 anos de idade.
REFERÊNCIA
MÉRIMÉE, Prosper. Novelas completas. Tradução de Mário
Quintana. Estudo sobre Posper Mérimée, por Émile Faguet. Tradução de Elza Lima
Ribeiro. Porto Alegre: 2ª ed. Editora Globo, 1960.
LAROUSSE, Petit. Dictionnaire Encyclopédique Pour Tous.
24ª tirage. Paris: Librairie Larousse, 1960.
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ResponderExcluirAbraço.