20 de abr. de 2013

INGMAR BERGMAN – Mestre do Cinema




PEDRO LUSO DE CARVALHO ]


Os universitários brasileiros dos anos 60 e 70, que se opunham à Ditadura Militar - não os reacionários, como se dizia na época - não se contentavam com as matérias curriculares a que estavam submetidos e voltavam-se para as ideologias contrárias a esse regime político, que lhes fora imposto, bem como para todas as manifestações artísticas que denunciavam a ruptura com a Democracia: o Cinema, o Teatro, a Música e as Artes Plásticas.

Nos dias atuais, os universitários daquela época trabalham nas áreas por eles escolhidas, e, acredito, a maioria deles têm apenas uma vaga lembrança do que se passou naqueles anos de chumbo – mesmo os que se diziam de vanguarda. Por minha vez, tenho bem nítida na memória todos os atos de protestos, não apenas das passeatas e dos discursos proferidos em palanques improvisados, mas também dos protestos feitos por cineastas, teatrólogos, músicos, pintores, etc.

Mas, como essa história é longa, fico apenas com a lembrança do que representava para esses estudantes os importantes diretores de cinema, como o sueco Ingmar Bergman, o mexicano Luís Buñuel (1900-1983), os italianos Vittorio de Sica (1902-1974), Luchino Visconti (1906-1976), Michelangelo Antonioni (1912-2007), Federico Fellini (1920-1993) e Pier Paolo Pasolini (1922-1975).

  Para esses ex-universitários, dentre os quais me incluo e para inúmeros apreciadores do cinema de todo o mundo, o ano de 2007 ficou marcado indelevelmente pela morte de dois gênios do Cinema: Ingmar Bergman e Luchino Visconti. Esses dois cineastas eram os últimos dos que se encontravam no mais alto patamar da Sétima Arte. O legado deixado por eles à Humanidade é de valor incalculável, como, aliás, ocorreu com as obras dos cineastas referidos acima, dentre outros. Possivelmente, o cinema nunca mais terá cineastas como esses. Não sei mesmo se surgirá pelo menos um único gênio, capaz de igualar-se a eles.

Em homenagem modesta a Ingmar Bergman, falecido em 2007, direi alguma coisa sobre sua obra, começando pelo seu livro Face a face, que resultaria no filme com esse mesmo título, que viria a dirigir, tendo como interprete Liv Ullmann – que, sob sua direção, participou ao longo de sua vida de 10 filmes seus. No final de um parágrafo da obra, no qual dizia que, pelo tamanho do manuscrito, o filme seria longo, assim se manifestou Bergman: “Tentei em vão comprimi-lo, mas cada coisa tem a sua medida e aprendi também a só interferir e dirigir com muito cuidado, a ação e os diálogos das minhas personagens. No momento de ensaiar, costumávamos encontrar sempre certos pontos que se mostram redundantes ou desnecessários”.

A excelência de seus filmes deveu-se em muito a essa sensibilidade que se somava a uma exigência de busca da perfeição a que se impunha, além da larga experiência obtida ao longo dos anos, desde a sua passagem pelo teatro quando era estudante, como na sua atividade de roteirista no período de 1941 a 1945, quando reescrevia roteiros. O mesmo ocorreu com todos os seus filmes, a partir do primeiro deles, Kris, em 1945. Essa exigência também era dirigida na escolha de seus atores. Os seus preferidos foram Liv Ullmann e Max von Sydow.

Alguns filmes de Bergman, dentre os 52 que dirigiu: O Sétimo Selo (de 1956, ganhador de alguns prêmios em Cannes e responsável pela notoriedade do diretor no final dos anos 50), Morangos silvestres (1957), Através do espelho (1961) Quando duas mulheres pecam – Persona (1966), A hora do lobo (1968), Gritos e sussurros (1972), Cenas de um casamento (1972), A flauta mágica (1974), Face a face (1976), O ovo da serpente (1977), Sonata de outono (1978), Fanny e Alexander (de 1982 – ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro de 1983 – para muitos o melhor de seus filmes).

Mais alguns dos importantes filmes de Bergman: Crise (1945), Música na noite (1948), Porto (1948), Sede de paixões (1949), Monika e o desejo (1952), Sorriso de uma noite de amor (1955), O rosto (1958), A fonte da donzela (1960), Luz de inverno (1962), O silêncio (1963), A paixão de Ana (1969), A hora do amor (1971), Da vida das Marionetas (1980), Depois do ensaio (1984).

O patrimônio cultural legado por Ingmar Bergman é de valor inestimável, como de resto é inestimável o legado cultural dos cineastas contemporâneos seus, já referidos. Sobre eles há muito ainda para ser dito. É o que aguardamos, nós os ex-universitários e seus admiradores daquela época e de hoje, sem querer com isso limitar essa expectativa. E não faltam estudiosos de escol para fazê-lo.

      A propósito, sobre Ingmar Bergman a sua atriz predileta e companheira Liv Ullmann conta em sua obra Mutações algumas passagens de sua vida com esse mestre do cinema, no período que abrange o início do relacionamento amoroso até o seu rompimento. O livro foi dedicado a Linn, filha de Ullmann e Bergman.

Em parte do livro, com o subtítulo Ilhéus, Liv Ulmann narra fatos interessantes relacionados com o diretor e a atriz: “Tenho uma fotografia de Ingmar na escola. Ele está no meio de uma fileira de meninos de treze anos. Vejo que sua pele é espinhenta, reconheço a solidão e a timidez, acredito poder captar seu sentimento de estranheza”.

Prossegue Ulmann: “Uma vez fomos convidados para jantar com um rico produtor de Roma. Devíamos ser os únicos convidados, mas, dentro de meia hora, o grande apartamento do anfitrião estava cheio de gente que tinha sido chamada para conhecer Ingmar de perto. Então, ele teve a mesma expressão daquela foto. Estava pálido, quando disse ao produtor que tinha de sair imediatamente. Os outros se sentaram para jantar sem o convidado de honra”.

Mais adiante, lembra Liv Ullmann: “Filmagem em Farö. Ele estava zangado comigo desde o café da manhã. Eu me encontrava diante de uma casa em chamas. “Mais perto”, ele gritou olhando para dentro da câmara. Fagulhas passavam voando pelas minhas orelhas. “Mais perto!” O calor em meu rosto era tão forte que tive de fechar os olhos. Estava cheia de ódio. “Mais perto!” Mas na tela ficou ótimo”.

Liv Ullmann segue falando de seu relacionamento com Ingmar Bergman: “Ninguém poderia ficar com mais raiva do que Ingmar. Talvez só eu. Uma vez fiquei com tanto medo dele que me tranquei no banheiro. Ele ficou do lado de fora, batendo e dando chutes na porta, na tentativa de entrar. De repente, com horror, vi seu pé atravessar inteiro a porta, como uma bala de canhão, fazendo um grande buraco – e com tanta força que seu chinelo saiu e voou para dentro do vaso”.

          A escritora (sua atriz preferida) fala mais sobre seu relacionamento com Bergman: “Raramente nos entediávamos, juntos. Mas me lembro de uma vez no Jardim Zoológico. Olhávamos para os animais e caminhávamos, caminhávamos e olhávamos para os animais, sem nada para dizer. Embora estivesse fazendo sol e calor. Em seguida, tomamos um chocolate, num restaurante. Ficamos ambos satisfeitos quando o passeio terminou e nos sentamos, cada um lendo um jornal”.

      Liv Ulmann lembra da primeira viagem com Bergman: “Quando fizemos nossa primeira viagem juntos, ele me mandou na frente, com toda a bagagem, para eu poder desfazer as malas e arrumar o quarto de hotel, como se fosse uma casa, para quando ele chegasse. O violento protesto dentro de mim explodiu, depois de vários dias, e, no meio da noite, anunciei que chegáramos ao fim de nosso relacionamento e seria bom ele se levantar e pedir outro quarto para ele. Muito devagar, ele se vestiu. Durante minutos, ficou diante do espelho, penteando o cabelo já um tanto ralo. Parecia o menino na fotografia da escola”.

Mais adiante, Liv Ullmann fala do encontro de Bergman com Fellini: “Quando ele e Fellini se encontraram, tornaram-se irmãos num instante. Abraçaram-se, riram juntos, como se tivessem vivido a mesma vida. Caminhavam pelas ruas, à noite, com os braços passados pelas costas um do outro, Fellini usando uma impressionante capa negra, Ingmar com seu pequeno boné e um casaco velho. O jantar em casa de Fellini, quando Ingmar se sentou num canto com Giulietta Masina, a mulher de Fellini, e ela perdeu sua timidez e começou a cantar. Uma voz alta, clara, como a de uma criança.”

Liv Ullmann termina esse capítulo de Mutações falando sobre o rompimento de seu relacionamento com Bergman: “Um ano depois de nosso rompimento, eu estava sentada nos degraus da igreja São Pedro. O sol brilhava e eu me sentia um tanto apaixonada. Imediatamente percebi que, dali em diante, Roma guardaria outras lembranças além de Ingmar. E lhe escrevi uma carta dizendo que tudo terminara”.

Ingmar Bergman nasceu em 14 de julho de 1918, na cidade universitária de Uppsala, próxima a Estocolmo, e faleceu com 89 anos de idade, em sua casa, na cidade de Farö, Suécia, no dia 30 de julho de 2007.




REFERÊNCIAS:
ULLMANN, Liv. Mutações. Trad.de Sonia Coutinho. São Paulo: Círculo do Livro, 198?, p.134-137.
BERGMAN, Ingmar. Face a Face. 2ª ed. Trad. Jaime Bernardes. Rio de Janeiro: Nórdica, 1976, p. 7.
COMPACTA, Enciclopédia. 100 Anos de Cinema. São Paulo: Editora 3, 1993.



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12 comentários:

  1. Anônimo19:11

    Olá, ótimo sítio! Gostaria, portanto, de convidá-lo a conhecer o nosso (Literatura, Fotografia & desenho), para que possamos trocar algumas idéias.

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  2. Olá, Pedro. Posto com o meu blog pessoal para, mais uma vez, apreciar esta bela e merecida homenagem ao Bergman. Quem entra por sua obra, com certeza não sai o mesmo. Sem dúvida alguma, um dos meus cineastas preferidos.
    Sobre livros, lembrei do "O Fio Perigoso das Coisas", do saudoso Antonioni que também nos deixou - e tão junto com o nosso querido sueco. Tive a sorte de encontrar, por uma bagatela de "10 reau" esse apanhado de possíveis filmes transformados em contos. Que sorte, não? Por essas e outras, mais um suspiro para esses grandes homens e suas grandes obras.

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  3. Anônimo18:24

    Pedro,

    O diretor que mais tenho simpatia é o Luchino Visconti. Bergman tambem dá show, gosto muito.

    Aos poucos a grande arte vai desaparecendo...

    Abraços, Guilherme.

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  4. Muito bom seu blog. abs Laura

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  5. Pedro, Bergman e Visconti são referência não apenas para os universitários inconformados de outrora, mas também para os jovens que, como eu, não se contentam com uma existência pasteurizada como a contemporânea. Deixam ambos um grande vazio no mundo. Belíssimo post!

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  6. Pedro, boa noite...
    "Sonata de Outono", para mim o melhor entre todas as pérolas de Bergman, pois retrata as contingências de comportamento, mãe & filha, em uma deslumbrante atriz Ingrid Bergmam com seus olhares inesquecíveis, de uma mãe que não deveria ter tido filhos... Mas agora não me recordo o título do filme de Bergmam que ele conta a estória de sua infância e o pai Pastor,(acho que é Família...) onde o ator-mirim (Ingmar Bergman- criança) é de uma representação ímpar, também um filme que toca nos mentirosos conceitos de uma família feliz.
    Sou dos anos 70, mas um dos diretores que amo é Costa Gravas, com "Cria Cuervos"....Parabéns e desculpe a demora.Voltarei, coloquei como favorito pela magnífica abrangência

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  7. Olá Pedro! Descobri seu blog agora e estava lendo suas reflexões sobre o grande cineasta, aliás é o meu preferido, de longe! Só gostaria de fazer uma correção: a imagem da postagem não é de Bergman e sim de Sven Nikvist, o diretor de fotografia predileto de Bergman! Espero ter ajudado, abraços. José Luiz.

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  8. Pedro, apenas uma correção: a imagem da postagem não é de Bergman e sim de Sven Nikvist, seu diretor de fotografia predileto!
    Abraços. J. Luiz

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  9. Pedro

    Estou na frente do computador desde cedo.
    Antes de sair daqui para me preparar para o jantar, dei uma espiadela no seu Blog.

    Fiquei.
    Esqueci da vida...
    Relatos que nos prendem.
    Para mim, o que mais interessa ao homem, é o próprio homem.

    Histórias de relacionamentos, do fim deles, do amor à profissão, tudo que realmente vivemos.

    Somos tão iguais e tão singulares.
    Isso é que torna nossas vidas tão interessantes para serem contadas.

    Parabéns. Gostei tanto de parar por aqui que você nem imagina.

    Beijo
    Aidinha

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Pedro