28 de mar. de 2018

Jorge Luis Borges visto por André Maurois





-- PEDRO LUSO DE CARVALHO

O último livro de André Maurois foi De Aragon a Montherlant. Estava escrito quando ele morreu, em outubro de 1967. Foi editado em Paris, após sua morte. A obra, que teve grande êxito nas livrarias, completa a trilogia dos dois primeiros volumes De Proust a Camus e De Gide a Sartre. A trilogia foi publicada no Brasil pela editora Nova Fronteira. De Aragon a Montherlant foi traduzido por Paulo Hecker Filho. Nesse terceiro volume, André Maurois estruturou o livro com ensaios curtos abrangendo temas variados, não mais se limitando a escrever sobre vida e obra dos maiores escritores franceses do século XX, como fizera nos dois primeiros tomos.
Nesse terceiro volume, André Maurois publicou ensaios da melhor qualidade sobre importantes escritores – não apenas franceses - , dentre eles, Borges, com o título Jorge Luis Borges - Labirintos. Aí, Maurois diz que Borges é um grande escritor, que se restringiu a pequenos ensaios. E acrescenta: "esses ensaios bastam para afirmá-lo “grande”; justificando o por quê dessa qualidade: “pelo brilho duma inteligência impressionante, a riqueza de invenção e o estilo cerrado, quase matemático”.
Prossegue Maurois:
Argentino de nascença e temperamento, mas nutrido de literatura universal. Borges não tem pátria espiritual. Cria, fora do espaço e do tempo, mundos imaginários e simbólicos. É um sinal da sua importância que só possa evocar a seu propósito obras estranhas e belas. Aparenta-se com Kafka, Poe, às vezes Wells, sempre Valéry pela brusca projeção de seus paradoxos dentro do que chamaram 'sua metafísica privada.
Adiante, André Maurois diz que são inumeráveis e inesperadas as fontes de Borges. E mais:
Borges leu tudo, e especialmente o que ninguém lê mais: os cabalistas, os gregos alexandrinos, os filósofos da Idade Média. Sua erudição não é profunda; ele não lhe pede senão clarões e idéias; mas é vasta. Um exemplo: Pascal escreveu: A natureza é uma esfera infinita em que o centro está em toda parte, a circunferência em nenhuma. Borges parte à caça dessa metáfora através dos séculos. Acha em Giordano Bruno (1584): Podemos afirmar com certeza que o universo é todo centro, ou que o centro do universo está em toda parte e sua circunferência em nenhuma parte. Mas Giordano Bruno podia ter lido num teólogo francês do século XII, Alain de Lille, uma fórmula extraída do Corpus Hermeticum (século III): Deus é uma esfera inteligível cujo centro está em toda parte a circunferência em nenhuma parte. Tais pesquisas, levadas a efeito entre os chineses como entre os árabes ou os egípcios, encantam Borges e lhe oferecem seguidos assuntos de contos”.
Muitos dos mestres dos quais Borges sofreu alguma influência em são ingleses. Nutre profunda admiração por Wells, que escreveu um romance que representa simbolicamente traços inerentes a todos os destinos humanos. Diz, André Maurois:
. Cada obra grande e duradoura deve ser ambígua, diz Borges, pois é um espelho que faz conhecer os traços do leitor, embora o autor deva parecer ignorar o significado da sua obra – o que constitui uma descrição excelente da arte do próprio Borges. E é Borges quem diz: Deus não deve fazer teologia; o escritor não deve anular com raciocínios humanos a fé que a arte exige de nós.
Borges, como a Wells admira Poe e Chesterton, prossegue André Maurois:
Poe escreveu contos perfeitos de horror fantástico e inventou a narração policial, mas nunca combinou os dois gêneros. Se Chesterton soube se defender de Poe ou Kafka havia na matéria de que seu eu estava feito algo que tendia ao pesadelo. Kafka, a seu turno é um precursor direto de Borges. Castelo podia pertencer a Borges, embora esse dele tivesse feito um conto de dez páginas, tanto por altaneira preguiça quanto pelo cuidado da perfeição”. Quando aos precursores de Kafka, a erudição de Borges – ressalta Maurois - se compraz em achá-los em Zenão de Eléia, em Kierkegaard, em Robert Browning. “Em cada um desses autores há algo de Kafka, mas se esse não tivesse escrito, ninguém se aperceberia disso. De onde este paradoxo bem borgesiano? Cada escritor cria seus precursores.
André Maurois faz referência a ao inglês Dunne como sendo outro dos escritores que inspiraram Borges:
Donne escreveu um curioso livro sobre o Tempo, onde sustenta que o passado, o presente e o futuro existem simultaneamente, como o provam nossos sonhos, (Schopenhauer, nota Borges, já escreveu que a vida e os sonhos são páginas dum mesmo livro: lê-las em ordem é viver, folheá-las é sonhar. Na morte reencontraremos todos os instantes de nossa vida e os combinaremos livremente como num sonho. Deus, nossos amigos e Shakespeare colaborarão conosco. Nada mais agrada a Borges que jogar assim com o espírito, o sonho, o espaço e o tempo.
È mais extenso esse ensaio de André Maurois sobre a obra de Jorge Luis Borges. Do ensaio, recolhi as partes mais interessantes, acredito. Mas, antes do ponto final, acho importante abordar a forma de Borges, que segundo Maurois lembra a de Swift:
A mesma gravidade no absurdo, a mesma precisão no detalhe. Para expor uma descoberta impossível, empregará o tom do erudito minucioso e pedante, mesclará escritos imaginários com fontes autorizadas e reais. Antes do que escrever um livro inteiro, o que o entediaria, analisa um livro que nunca existiu. “Porque desenvolver em quinhentas - páginas, pergunta Borges -, uma ideia cuja perfeita exposição oral demoraria alguns minutos?”
André Maurois agora dá realce a outros contos de Jorge Luis Borges, dizendo:
São parábolas misteriosas e nunca explícitas; outros ainda, relatos policiais à maneira de Chesterton. A trama persiste toda intelectual. O criminoso emprega o seu conhecimento de detetive. É Dupin contra Dupin, ou Maigret contra Maigret . Uma das 'ficções' de Borges é a insaciável procura dum ser através dos reflexos, apenas perceptíveis, que deixou em outras pessoas. Ou então, por ter o condenado notado que as previsões nunca coincidem com as realidades, imagina as circunstâncias da sua morte. Transformadas assim em previsões, deixarão de ser realidades.
Maurois diz, no que respeita às invenções de Borges, que essas invenções de Borges são mais extraordinárias que as de Poe, escritas num estilo hábil e puro que aliás cumpre relacionar com o de Poe, “que gerou Budelaire, que gerou Mallarmé, que gerou Valéry, que gerou Borges".
Já no final do seu ensaio, Maurois lembra do parentesco do estilo de Borges com o de Valéry, pelo rigor; às vezes, com Flaubert, pelo acúmulo de passados imperfeitos; com Saint-John Perse, pela estranheza de adjetivos. Mas, não deixa de ressalvar que é altamente original o estilo de Borges, o mesmo ocorrendo com seu pensamento. Termina o ensaio com o que diz Borges sobre os metafísicos de Tlön: “Não buscam a verdade, nem mesmo a verossimilhança. Pensam que a metafísica é um ramo da literatura fantástica”. O que define bem a grandeza e a arte de Borges – conclui Maurois.



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3 comentários:

  1. Olá, Pedro! Tudo bem!
    Como eu cursei Letras, imagine o quanto eu tive que ler e entender os diferentes pensamentos, estilos etc.
    Que texto exemplar, hein? Ler os teus textos é se alimentar de muita cultura.
    Abraços!
    Em tempo: bjkas na Taís que é um amor de amiga virtual.

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  2. Bom dia,

    Avho muito joia compartilharmos cultura com todos.

    Sei que aqui enfovamos mais na literatura, mas gostaria de dividir com vc sobre um atyista plastico que eu adoro. Fukuda.

    http://nossomundo2008.blogspot.com/search?q=Fukuda

    Abraço

    Mariza :-)

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  3. Anônimo18:33

    Today is virtuous weather, isn't it?

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Obrigado a todos os amigos leitores.
Pedro