21 de abr. de 2006

AUGUSTO DOS ANJOS – Poeta Singular



 – PEDRO LUSO DE CARVALHO

AUGUSTO DOS ANJOS nasceu no Engenho de Pau D’Arco, junto à vila Espírito Santo, Estado da Paraíba, no dia 20 de abril de 1884. Aprendeu as primeiras letras com seu pai, advogado estudioso e dono de uma excelente biblioteca, na qual se encontravam obras de Darwin, Spencer e outros teóricos evolucionistas.
Cursou o secundário no Liceu Paraibano e Direito em Recife. Essa graduação, no entanto, não lhe serviu como profissão, já que nunca exerceu a advocacia, por não ser essa sua vocação, mas, sim, o magistério. Lecionou literatura no Liceu Pernambucano, e, depois, já no Rio de Janeiro, foi professor de Geografia na Escola Normal e no Colégio Pedro II. Daí mudou-se para Leopoldina, no Estado de Minas Gerais, onde foi diretor de um grupo escolar.
Diz-se que Augusto dos Anjos compôs os seus primeiros versos aos sete anos de idade. Mas o certo é que, mais tarde, a crítica chegaria a reconhecer ser ele o mais original dos poetas brasileiros, e de que poucos haverá, como ele, tão originais na língua portuguesa. É bem verdade que, em vida, o poeta não pode sentir esse valor atribuído à sua poesia; esse reconhecimento só viria ocorrer anos mais tarde.
Exemplo de que o reconhecimento da excepcional obra poética de Augusto dos Anjos parecia ter tido pouco significado na época em que fez, às suas expensas e com a ajuda de seu irmão, a publicação de seu livro “Eu”, é contada por Francisco de Assis Barbosa, um dos mais importantes biógrafos do poeta:
Dias depois de sua morte, ocorrida em Leopoldina, Órris Soares e Heitor Lima caminhavam pela Avenida Central e pararam na porta da Casa Lopes Fernandes para cumprimentar Olavo Bilac. O príncipe dos poetas notou a tristeza dos dois amigos, que acabaram de receber a notícia. – E quem é esse Augusto dos Anjos – perguntou. Diante do espanto de seus interlocutores, Bilac insistiu: Grande poeta? Não o conheço. Nunca ouvi falar nesse nome. Sabem alguma coisa dele? Heitor Lima recitou o soneto Versos a um coveiro. Bilac ouviu pacientemente, sem interrompê-lo. E, depois que o amigo terminou o último verso, sentenciou com um sorriso de superioridade: - Era esse o poeta? Ah!, então, fez bem em morrer. Não se perdeu grande coisa.
A afirmação feita por Ivan Cavalcanti Proença, sobre Augusto dos Anjos, contraria o que disse dele Olavo Bilac: “Hoje, é um dos três mais lidos, e conhecidos poetas de antes do Modernismo, em língua portuguesa no Brasil, ao lado do nosso Castro Alves e da lírica Marília de Dirceu de Tomás Antonio Gonzaga”.
Diz Alfredo Bosi, no seu livro A Literatura Brasileira. O Pré-Modernismo, publicado em em 1966: “Augusto dos Anjos foi homem de um só livro: ‘Eu’, publicado em 1912, e cuja fortuna, extraordinária para uma obra poética, atestam as trinta edições vindas à luz até o momento em que escrevemos (1966)”.
Ivan Cavalcanti Proença enumera outras edições de Eu, de Augustos dos Anjos: a 29ª em 1963, pela Livraria São José, a 30ª (1965) e a 31ª (1971). Esta contou com o estudo de Antonio Houaiss e nota biográfica de Francisco de Assis Barbosa, com “Poemas Esquecidos” (Agrupados por De Castro e Silva em estudos de 1914 e 1954).
Acrescenta Proença, que, pela Editora Paz e Terra, saem duas edições: a de 1978, Toda a Poesia, com estudo de Ferreira Gullar e apresentação de Otto Maria Carpeaux (edição que reproduz a 31ª da São José). Em 1987 a Editora Civilização Brasileira lançou o livro Eu e Outras Poesias, com texto e notas de Antonio Houaiss, o Elogio... de Órris Soares, o estudo biográfico de Francisco de Assis Barbosa. Além dessas edições, saíram as edições da Martins Fontes, em 1994,  da Paz e Terra e Nova Aguilar, ambas em 1995.
O professor Sergius Gonzaga assim se manifesta sobre o poeta, em sua obra Curso de Literatura Brasileira:
Augusto dos Anjos é um caso a parte na poesia brasileira. Autor de grande sucesso popular foi ignorado por certa parcela da crítica, que o julgava mórbido e vulgar. Alguns estudiosos que se debruçaram sobre essa obra única e absolutamente original perderam tempo discutindo se a mesma era parnasiana ou simbolista. O domínio técnico e o gosto pelo soneto comprovariam o primeiro rótulo. A fascinação pela morte, a angústia cósmica e o emprego de ousadas metáforas, indicariam a tendência simbolista.
Esse debate tornou-se obsoleto perante estudos mais apurados, como o de Ferreira Gullar, que acentua a modernidade dos versos de “Eu”. Diz Gullar: “Talvez nenhum outro autor do período merecesse tanto a denominação de pré-modernista como Augusto dos Anjos. Pré-modernista ele o é na mistura de estilos, na linguagem corrosiva, no coloquialismo e na incorporação à literatura de todas às sujeiras da vida”.
Durante muito tempo, discutiu-se se ele era ou não um grande poeta. Hoje, os estudiosos sublinham sua singularidade temática e linguística, mesmo reconhecendo eventuais deslizes. Alguns, contudo, lembram a morbidez e a vulgaridade desenfreada de várias composições. Pode-se gostar ou não de sua obra, mas sonetos como Versos Íntimos estão de tal forma entranhada na memória do leitor brasileiro que não mais podem ser ignorados. Tornaram-se clássicos.
O poema que Augusto dos Anjos dedica ao seu pai falecido revela o seu sentimento de angústia diante da morte, uma perspectiva sempre presente, desde que soube da doença que o acometia, a tuberculose, e que, mais tarde, viria tirar-lhe a vida:

Podre meu pai! A Morte o olhar lhe vidra.
Em seus lábios que os meus lábios osculam
Microorganismos fúnebres pululam
Numa fermentação gorda de cidra.

Duras leis as que os homens e a hórrida hidra
A uma só lei biológica vinculam
E a marcha das moléculas regulam,
Com a invariabilidade da clepsidra!

Podre meu pai! E a mão que enchi de beijos
Roída toda de bichos, como os queijos
Sobre a mesa de orgíacos festins!...

Amo meu pai na atômica desordem
Entre as bocas necrófagas que o mordem
E a terra infecta que lhe cobre os rins!

Augusto dos Anjos (Augusto Carvalho Rodrigues dos Anjos) era um dos quatro filhos de Alexandre Rodrigues dos Anjos e de Córdula Carvalho Rodrigues dos Anjos. Em 1910, antes de mudar-se para o Rio de Janeiro, casou-se, aos 23 anos, com Ester Fialho, com quem teve dois filhos: Glória (1912) e Guilherme (1913). Faleceu aos 12 de de novembro de 1914, em Leopoldina – para onde se mudara para tratar da tuberculose – vítima de congestão pulmonar.


REFERÊNCIAS:

GONZAGA, Sergius. Curso de Literatura Brasileira. Porto Alegre: editora Leitura XXI, 2004.
LINS, Álvaro. BUARQUE de Hollanda, Aurélio. Roteiro Literário de Portugal e do Brasil. Rio de Janeiro: Antologia da Língua Portuguesa, Ed. Civilização Brasileira, 1966.
BOSI, Alfredo. A Literatura Brasileira. O Pré-Modernismo. São Paulo: Editora Cultrix, 1966.
PROENÇA, Ivan Cavalcanti. Estudos e Notas. Antologia Poética de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 1997.

  

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8 comentários:

  1. Não conhecia o episódio do Olavo Bilac... e é mesmo irônico: hoje, Augusto dos Anjos ainda emociona e assusta seus leitores. Já Bilac virou pouco mais que um objeto de estudo!

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    1. É verdade, Osrevni, Augusto dos Anjos continua sendo lido e despertando curiosidade pela singularidade de sua poesia.Eu também acho que Bilac é importante para o estudo das Letras, sem a procura que tem aquele.
      Obrigado pela visita.
      Um abraço.

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    2. Bilac foi um gênio e ainda é! Emociona muitos! Tanto no Hino à Bandeira, tanto em outras poesias. Acho ele infinitamente melhor que Augusto dos Anjos. Não fale asneiras. Osrevni deve ser daqueles que só leram ''Ouvir Estrelas'' e sai profanando asneiras.

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    3. Vinisdii:
      Quando o Osrevni fez seu comentário não o fez para ofender nenhum leitor de Olavo Bilac, apenas disse a opinião dele. Todos sabemos que sobre literatura e poesia os grandes críticos literários divergem entre eles, o que é perfeitamente aceitável. Por isso, ninguém diz "asneiras" por gostar mais de um do que de outro.
      Obrigado pelo seu comentário.

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  2. anderson18:23

    É sabido que Olavo Bilac fez duras críticas a A.A.
    Quando chegou ao rio e tentou publicar seu livro, foi duramente atacado por Olavo, inclusive através de publicações em verspertinos da época. o que era comum.
    Mas. fiquei em dúvida.
    A passagem descrita me parece modificada, pois, quando da morte de A.A, ao tomar conhecimento, Olavo Bilac já estaria reconhecendo em A.A um grande poeta, embora ainda mantivesse uma certa resistencia ao poeta por ser um defensor radical do parnasianismo, e rígido defensor das normas estruturais da poesia então vigentes.A.A quebrou todas as regras vigentes e apontou para modificações tanto no modernismo, simbolismo, com sua linha apocalíptica,escatológica,e futurista.Olavo não admitia tais modificações.
    Gostaria que fosse esclarecido.

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  3. Meto minha colher (ou melhor: meu garfo) aqui, pra observar: tanto Bilac quanto Augusto dos Anjos ainda são lidos e admirados, e pouco interessa se Bilac percebeu ou não a grandeza de Augusto.
    Acho muito mais importante (apesar de ser só um pequeno detalhe) corrigir a transcrição do soneto aqui, pois ao que parece este blog é muito lido e consultado: então peço ao responsável que arrume lá: é "Podre meu pai" e não "Pobre meu pai"...
    Grato,
    Ivan

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  4. Anônimo00:56

    Não admiro Olavo Bilac e não esperaria menos de um poeta que não tinha o que fazer da vida e lutou pelo alistamento obrigatório... Criticar Augusto dos Anjos talvez tenha sido só mais uma heresia. A maior, é claro.

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  5. De fato, Augusto dos Anjos se comunica melhor comigo do que Olavo Bilac, cujos versos são para mim um tanto herméticos, mas isso de forma alguma depõe contra Bilac (também tenho dificuldade de ler Homero ou James Joyce). O fato de eu não me conciliar bem com seu estilo diz mais sobre mim do que sobre ele.

    Só gostaria de ressaltar que o argumento de que Augusto dos Anjos vende mais livros é estúpido, ainda mais num país onde 30% dos universitários são semianalfabetos. Por outro lado, a prova de que Olavo Bilac é grande é que nenhum outro escritor brasileiro foi tão atacado e, no entanto, permaneceu vivo, vejam só o que fizeram com Coelho Neto.

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Obrigado a todos os amigos leitores.
Pedro