– PEDRO LUSO DE CARVALHO
Em Na
força da idade, traduzida por Sérgio Milliet, Simone de Beauvoir, dá
continuidade à narração de suas memórias como fez em Memórias de uma moça bem
comportada. Dessa obra, La force de l’âge,
transcrevo um interessante trecho no qual a escritora enfatiza a avidez de
Sartre pelo conhecimento, avidez da qual também compartilhava com ele. Aí,
Beauvoir faz referência à sua conceituada obra, O Segundo Sexo, e dá ênfase à concepção das teorias de Sartre, bem
como a sua relutância em aceitá-las, algumas vezes, na forma em que as
transmitia a ela, não deixando de reconhecer, no entanto, “que havia algo mais
fecundo nos seus exageros”, como diz no referido trecho (In BEAUVOIR, Simone. Na Força
da Idade. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Difusão Europeia do Livro,
1961, págs. 36-37):
Menos
entregue à literatura do que Sartre era, como ele, ávida de saber; mas ele
punha muito mais obstinação do que eu, em correr atrás da verdade. Tentei
mostrar em Le Deuxième Sexe por que a
situação da mulher a impede ainda hoje de atacar o mundo pela raiz; desejava
conhecê-lo, exprimi-lo, mas nunca pensara em arrancar-lhe os segredos últimos
pela força de meu cérebro. Demais, naquele ano eu estava demasiado absorvida
pela novidade de minhas experiências para sacrificar muito à filosofia.
Limitava-me
a discutir as idéias de Sartre. Mal nos encontrávamos na estação de Tours ou de
Austerlitz e já ele me agarrava: “Tenho uma nova teoria”. Escutava-o
atentamente, mas não sem certa desconfiança. Pagniez pretendia que as belas
construções de seu camarada assentavam amiúde em um sofisma escondido; quando
uma idéia de Sartre me desagradava eu procurava “o sofisma de base”; mais de
uma vez achei-o; assim foi que desmantelei certa “teoria do cômico” a que, de
resto, Sartre pouco ligava. Noutros casos ele me encarniçava; a ponto de não
hesitar em desprezar o bom senso quando eu o acuava.
Ele
fazia questão, já o disse, de salvar a realidade deste mundo; afirmava que ela
coincide exatamente com o conhecimento que o homem tem dela; se houvesse
integrado no mundo os próprios instrumentos desse conhecimento, sua posição
fora mais sólida, mas ele recusava-se a acreditar na ciência, a tal ponto que
de uma feita eu o impeli a sustentar que os ácaros e outros animaizinhos
invisíveis a olho nu simplesmente não existiam.
Era absurdo,
ele o sabia, mas não deu o braço a torcer porque sabia também que, quando se
tem nas mãos uma evidência, cumpre apegar-se a ela contra tudo e contra todos,
contra a própria razão, ainda que seja incapaz de justificá-la. Compreendi mais
tarde que para fazer descobertas o essencial é não perceber, aqui e acolá,
luzes que os outros não suspeitam, e sim se atirar a elas não dando importância
a mais coisa nenhuma; eu acusava então Sartre de leviandade, mas dava-me conta
assim mesmo de que havia algo de fecundo em seus exageros do que em meus
escrúpulos.
* * *
Um casal de tantas idéias e de tanta realidade.
ResponderExcluirÉ verdade, Clara.
ExcluirAbraços.
Pedro, nunca perdemos a viagem visitando o seu blog. Beleza de citação.
ResponderExcluirObrigado, caro Kovacs.
ExcluirQuero aproveitar o ensejo desta resposta para indicar o blog "O Mundo de K", de Alexandre Kovacs, por ser de ótima qualidade.
Um abraço.
Top o seu blog; e salvo em favoritos. Obrigado.
ResponderExcluirCaro Robson, agradeço pela distinção dada ao meu blog.
ExcluirAbraço.