15 de set. de 2010

JAMES JOYCE – PARTE IV

               
        

                   por Pedro Luso de Carvalho
       
   
       Na postagem anterior, vimos o que escreveu Edmundo Wilson acerca da obra de James Joyce. Nesta, o enfoque será de Ezra Pound sobre o romance Ulisses. O norte-americano Erza Pound, um dos mais importantes poetas da língua inglesa e crítico literário, e que foi contemporâneo Joyce, foi o primeiro a reconhecer o talento desse dublinense que tinha suas obras recusadas reiteradamente pelos editores, mas que, mais tarde, se tornaria um dos romancistas mais importantes de todos os tempos. Mas, antes de apresentarmos o ensaio sobre Ulisses, por Ezra Pound, vamos conhecer alguns aspectos interessantes do caráter do poeta, descritos por um compatriota seu, o também célebre escritor Ernest Hemingway, no seu livro Paris é uma festa.       
       
        Sobre Ezra Pound, diz Hemingway: “Mas a verdade era que ele gostava de tudo o que seus amigos fizessem; a lealdade, porém, sendo um belo sentimento humano, pode levar a julgamentos críticos desastrosos. Ezra e eu jamais discutíamos a respeito dessas coisas porque eu me calava sobre aquilo de que não gostasse. Se um homem gosta da literatura ou da pintura que seus amigos fazem, pensava eu, é como certas pessoas gostam de suas famílias”. Em outro trecho de Paris é uma festa, diz Hemingway: “Ezra era muito melhor e demonstrava ter mais caridade cristã com as pessoas do que eu. Seus próprios escritos, quando ele acertava a mão, eram tão perfeitos e ele se mostrava tão sincero em seus equívocos, tão enamorado de seus erros e tão gentil com seus semelhantes que sempre o considerei uma espécie de santo. Às vezes chegava a ser dominado pela cólera, mas qual o santo, que jamais a conheceu?”

        O ensaio sobre Ulisses - romance de James Joyce -, constituiu na “Carta de Paris” de Ezra Pound a The Dial, Nova Iorque, de 6 de junho de 1922. Está datado de “maio de 1922”: “Todos os homens deveriam “Unir-se para exaltar Ulisses”; os que não o fizerem, contentem-se com um lugar nas fileiras inferiores da intelectualidade; não quero dizer que todos deveriam enaltecê-lo a partir de um mesmo ponto de vista, mas todos os homens de letras sérios, escrevam críticas ou não, indiscutivelmente terão de fazer uma para seu próprio uso. Para começar com assuntos acima de discussão, eu diria que Joyce tomou a arte de escrever onde Flaubert a havia deixado.

        Em Dubliners (Dublinenses) e The Portrait (Retrato do Artista Quando Jovem), diz Pound, ele não fora além dos Trois Contes ou de L'Education; em Ulisses, levou adiante um processo iniciado em Bouvard et Pécuchet; levou-o a maior grau de eficiência, de densidade; engoliu toda a Tentation de St. Antoine, que serve de paralelo para um único episódio do Ulisses. Ulisses possui mais forma que qualquer romance de Flaubert. Cervantes parodiava os seus predecessores e poderia ser tomado como base de comparação para outro dos modos de concisão de Joyce, mas enquanto Cervantes satirizava uma maneira de loucura e um tipo de expressão bombástica, Joyce satiriza pelo menos setenta e inclui, por implicação, uma história completa da prosa inglesa.
        
        Os Srs. Bouvard e Pécuchet – prossegue Pound  –  são a base da democracia; Bloom também é a base da democracia; é o homem das ruas, o homem ali ao lado, o público, não o nosso público, mas o público do Sr. Wells; para o Sr Wells, ele é o público de Hocking, é o homme moyen sensuel; é também Shakespeare, Ulisses, O Judeu Errante, o leitor de Daily Mail, o homem que acredita no que vê nos jornais, o Homem Comum, e “o trouxa”...

        [...] Após registrar os costumes em Bovary – diz Pound – e os hábitos da cidade em L'Education, Flaubert se dispôs a completar seu registro da vida no século XIX apresentando todos os tipos de coisas que o homem mediano da época poderia ter na cabeça; Joyce descobriu um método mais expedito de condensação e análise. Depois que Bouvard e seu amigo se retiraram para o campo, a narrativa inacabada de Flaubert se arrasta; em Ulisses, tudo pode acontecer, a qualquer momento; Bloom sofre kata thumon; “cada sujeito roendo seu próprio fígado e suas luzes”; e polumetis e receptor de todas as coisas.

        Os personagens de Joyce – pondera Pound – não somente falam uma linguagem própria como também pensam sua própria linguagem. Assim Master Digman ficou a olhar para o cartaz: “two puckers stripped to their pelts and putting up their props”.

        Na seqüência do ensaio de Pound vemos que quatro parágrafos não foram traduzidos por Antônio Houaiss, para a edição da Civilização Brasileira; certamente tal decisão deveu-se a determinado critério do tradutor para não descaracterizar o texto original, em razão da linguagem empregada por Joyce, com diversidade de dialetos, que nem sempre encontra o significado correspondente na língua portuguesa. De qualquer forma, nas notas de rodapé Houaiss não se furtou de traduzir tais parágrafos, que deixamos de transcrever aqui.

        Ezra Pound fala sobre os dialetos empregados pelo autor: “Esta diversidade de dialetos permite que Joyce apresente sua matéria, seus estados de espírito, com grande rapidez; é tão pouco sucinto quanto, em Flaubert, o exame exaustivo das relações entre Emma e sua sogra, ou o do caráter de Père Rouault, condensado em sua última carta a Emma; é, porém, mais rápido que o registro das “idéias recebidas” em Boubard et Pécuchet.
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        Ulisses é, provavelmente, tão pouco reproduzível – afirma Pound – quanto Tristam Shandy; quero dizer não se pode repeti-lo; não se pode tomá-lo como modelo, tal como se poderia fazer com Bovary; mas ele completa algo começado em Bouvard; e é, definitivamente, um acréscimo ao acervo internacional de técnicas literárias.

        Os romances de grande circulação – prossegue Pound – até mesmo os melhores, parecem infinitamente compridos, e infinitamente sobre-carregados depois de se ter visto como Joyce extrai até a última gota de uma situação, ciência ou estado de espírito, em meia página, seguindo um sistema catecísmico de perguntas e respostas, numa tirada à Rabelais.

        O próprio Rabelais fica; ele permanece, sólido demais para se deixar diminuir por qualquer continuador; era um rochedo contra as loucuras de sua época; contra a teologia eclesiástica, e, o que é mais notável, contra a cega idolatria dos clássicos, que começavam a entrar em moda. Ele recusou tudo, tudo junto, com ânsia maior que a jamais exibida por Joyce; mas não consigo lembrar-me de nenhum outro prosador cuja situação relativa na panliteratura tenha permanecida inalterada pelo advento de Ulisses”.

        Fica para a próxima postagem, a conclusão deste ensaio sobre Ulisses, de James Joyce, escrito em 1922, por Ezra Pound.

       
        Para acessar a quinta parte deste trabalho, clique em: JAMES JOYCE - PARTE V




REFERÊNCIAS:
HEMINGWAY. Ernest. Paris é uma festa. Tradução de Ênio Silveira. 12ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2010.
POUND. Ezra. A arte da poesia. Trad.de Heloysa de Lima Dantas e José Paulo Paes. São Paulo: Editora Cultrix, 1976.



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3 comentários:

  1. Boa noite grande Amigo
    Li e não consegui perceber quase nada. Penso que para entender este seu trabalho é preciso ler as obras desse grande escritor.
    Agradeço esta lição de literatura clássica e este enriquecimento cultural.
    Fiquei com mais umas pistas para fazer boas leituras.

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  2. Sensacional, Pedro. Estou aqui, acompanhando cada parte de James Joyce. E hoje, lendo está parte IV, me ocorreu que é interessante percebermos nestas tuas séries que, em todas as épocas da história da literatura, parece haver amizade e troca intensa de cartas, impressões, amizades e reconhecimentos, e muitas vezes críticas e desconstruções mútuas (além da clássica relação mestre x aprendiz) entre os escritores contemporâneos de uma mesma época.

    Como a coisa já fervilhava, ebulia por aqui, antes mesmo de nascermos! Nós, que nos achamos tanto...

    Abraço
    Cesar

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  3. Olha que belo blog que agora mesmo descobri....este já não me escapa (todos os dias).

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Obrigado a todos os amigos leitores.
Pedro