18 de jul. de 2011

JOÃO CABRAL DE MELO NETO – A Mulher do Hotel





                     por  Pedro Luso de Carvalho


         
       Entrevistado por uma revista brasileira, há muito tempo, João Cabral de Melo Neto disse, entre outras coisas, que não acreditava em inspiração para escrever poemas; para ele, essa é uma tarefa que exige método e dedicação. Foi nessa entrevista que o poeta pernambucano disse – não sei se pela primeira vez – que escrevia poesia com cinco por cento de inspiração e noventa e cinco por cento de transpiração. 

        Não é por outro motivo que os críticos e os escritores de 1945 combateram a sua poesia, quer pelo rigor de sua construção, quer pela secura de sua linguagem, que ficava muito distante dos poemas inspirados da época. João Cabral era para eles um poeta racional e sem coração. Não é por outro motivo que é tido por poeta engenheiro.

        Em entrevista concedida ao Jornal do Brasil, Caderno B, Rio de Janeiro, em 16 de agosto de 1968, João Cabral respondeu a uma pergunta feita justamente sobre inspiração; eis a resposta do poeta:

        Inspiração não tenho nunca. Aliás, como diz Auden, a poesia procura a gente até os 25 anos. Depois, é a gente que tem de procurá-la, inspirá-la. Confesso que desde o início construí minha poesia. Rendimento é uma questão de trabalho e método. De sentar todos os dias à mesma hora. O rendimento dos primeiros dias pode ser menor, mas depois se torna regular.

        Em 1958 a José Olympio Editora publicou o livro de João Cabral de Melo Neto intitulado Duas Águas (Poemas Reunidos). Esse volume encerrou as obras publicadas em Poemas Reunidos, Rio de Janeiro, 1954, e estes outros livros: Morte e Severina, Paisagens com Figuras, Uma Faca só Lâmina.

         Os Poemas Reunidos citados compreendiam: Pedra do Sono, Recife, 1942; Os três Mal-Amados, 1943; O Engenheiro, Rio, 1945; Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode, Barcelona, 1947, e O Cão sem Plumas, Barcelona, 1950. Esses livros - editados no volume intitulado Duas Águas (Poemas Reunidos) - sofreram algumas modificações, que o poeta considerou-os definitivos. 
       
        Para a edição neste espaço, escolhemos o poema de João Cabral, A Mulher do Hotel, que integra o livro Duas Águas  (Poemas Reunidos):

                    


                      A MULHER DO HOTEL




        A mulher que eu não sabia
        (rosas nas mãos que eu não via,
        olhos, braços, boca, seios)
        deita comigo nas nuvens.
        Nos seus ombros correm ventos,
        crescem ervas no seu leito,
        vejo gente no deserto
        onde eu sonhara morrer.
        Terei de engolir a poeira
        que seus cabelos levantam
        e pousa na minha alma
        me dando um gosto de inferno?
        Terei de esmagar as crianças?
        Pisar nas flores crescendo?
        Terei de arrasar as cidades
        sob seu corpo bulindo?
        Hei de achar um cemitério
        onde em seu pé plantarei.
        Vou cuspir nos olhos brancos
        desta mulher que não sei.



                                                                    (João Cabral de Melo Neto)



REFERÊNCIAS:
ATHAYDE, Félix de. Idéias fixas de João Cabral de Melo Neto. 4ª impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: FBN; Mogi das Cruzes, SP: Universidade de Mogi das Cruzes, 1998, p. 48.
DE MELO NETO, João Cabral. Duas águas. Poemas reunidos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956, p. 161.



8 comentários:

  1. Olá Pedro! Passando para te cumprimentar e apreciar este lindo poema do grande João Cabral. Muito profundo, com ênfase para o trecho abaixo:

    Terei de esmagar as crianças?
    Pisar nas flores crescendo?
    Terei de arrasar as cidades
    sob seu corpo bulindo?

    Abraços e uma ótima semana pra ti e para os teus.

    Furtado.

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  2. Acho que o poeta tem que ter inspiração - que só aparece quando se está trabalhando.
    Ainda admito que o poeta escreva sem inspiração.
    Só não aceito é que o poeta naõ desperte a inspiração nos seus leitores.
    João Cabral distribui inspiração a mãos cheias!
    Obrigado Pedro por mais essa preciosa contribuição cultural

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  3. Pedro, é sempre muito bom ver um poema do grande João Cabral, poeta que admiro muito.

    Abraços.

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  4. Palavras soltas no do deserto
    Caminhar lento no vento do amor
    Poeiras que esmagam crianças
    Olhares brancos do inferno
    Onde se cospem as Paixões

    Agradeço a sua visita.

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  5. Pedro,

    O João Cabral para mim é o melhor junto com Manuel Bandeira.

    Surpreendente a forma como ele produzia, com essa secura que tanto reclamam, e que tanto me agrada; secura e laconismo que se reflete nesses depoimentos que concedia. Sinceros e quase politicamente incorretos. Ele não queria agradar a ninguém. Era o que era.

    Um repórter o entrevistou pouco anos antes de sua morte, ele já cego, negava-se a dar entrevistas, mas com muita insistência se deixou fotografar para o delicioso livro "O Lugar do Escritor" e, mais uma vez JCMN deu um inesperada e surpreendente resposta a uma pergunta sobre ser escritor:

    "Meu filho, não sou mais escritor, estou cego. Sou um ex-escritor. Pode me fotografar, e diga aí o que você quiser na sua matéria"

    Abço
    Cesar

    Em tempo: Pedro, o livro o Lugar do Escritor é do Eder Chiodetto. Compre que você vai adorar. Cheio de fotos lindas dos lugares em que esses seres estranhos se escondem para escrever em suas casas, além dos seus depoimentos e impressões sobre o ofício do verso, como dizia Borges.

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  6. Nelson Rodrigues dizia que a unanimidade é burra...Então,
    é bom ser burro, quando somos unânimes ao dizer da grandeza desse
    poeta pernambucano.
    Bastava que tivesse escrito, apenas,"Morte e Vida Severina"...para João Cabral ser um poeta gigante...

    Um abraço, Pedro

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  7. Vim beber dessa cultura de altíssimo nível, Pedro!
    Beijos!

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  8. Belissimo poema de João Cabral!
    A Poesia para além da inspiraçãp requer, a meu ver, muito amor e dedicação.
    Aqui, está tudo reunido.
    Bjs
    Graça

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Obrigado a todos os amigos leitores.
Pedro