por Pedro Luso de carvalho
Dando continuidade ao nosso trabalho sobre a obra de James Joyce, vamos colher as impressões de Harold Bloom, uma das figuras mais importantes da teoria literária e da crítica norte-americana, professor de humanidades Universidade de Yale e de inglês na Universidade de Nova York. Dele escolhemos trechos de seu ensaio intitulado O Agon de Joyce com Shakespeare (in O Cânone Universal, Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2001), em cujos trechos Bloom aborda o romance Finnegans Wake, de Joyce.
Harold Bloom nasceu a 1 de julho de 1930, em Nova York, USA. Ainda leciona na University Yale e na Universiry New York.
Bloom é autor de dezenas de livros, dentre eles, uma Teoria da Poesia, bem como trabalhos que abordam o surgimento da América pós-cristã, com as consequências advindas de tais experiências religiosas, onde o interesse e a fascinação sempre se fizeram presentes. O crítico também escreveu diversas teorias controversas sobre a literatura, por ser um defensor intransigente da arte pela arte, opondo-se às idéias marxistas, historicistas, pós-modernos, etc.
Sobre Harold Bloom, escreve o teórico da literatura Terry Eaglton: “A teoria literária de Bloom representa uma volta apaixonada e desafiadora à tradição romântica protestante. Para ele, a crítica de Bloom revela com clareza o dilema do liberal moderno, ou humanista romântico, o fato que não é possível uma reversão a uma fé humana otimista, serena, depois de Marx, Freud e do pós-estruturalismo, mas que por outro lado qualquer humanismo, como o de Bloom, tenha sofrido pressões agônicas dessas doutrinas”.

A maior diferença entre o Shakespeare de Ulisses - observa Bloom, “ - por mais espírito santo que eu descubra ser, e o de Finnegans Wake, é que Joyce pela primeira vez se dispõe a manifestar inveja de seu precursor e rival. Deseja não os talentos e a amplitude de Shakespeare – achava-se igual a ele nisso – mas tem acertadamente ciúme do público de Shakespeare. Esse ciúme torna Wake mais uma tragicomédia que a comédia pretendida por Joyce. A recepção do livro desencorajou o Joyce agonizante, mas como poderia ser diferente? Nenhuma outra obra literária da língua desde as Profecias de Wake apresenta tantos obstáculos iniciais mesmo para o leitor mais sério, generoso e informado.
Olhando para as páginas de Wake, mesmo o leitor generoso deve perguntar-se se Joyce sabia a que altura elevava o prêmio de estímulo freudiano para alguém que quisesse saltar em sua obra maior. Hesitante, mas após ruminar o assunto por alguns anos, acho que o desafio de Shakespeare a Joyce – diz Harold Bloom – foi parte do estímulo para a desesperada audácia de Wake. Ulisses tentou absorver Shakespeare no terreno dele próprio: Hamlet. Dublin é um grande contexto, mas não o bastante para engolir Shakespeare, como indica mais ou menos claramente um momento climático na parte de Circe, passada no inferno de Nightown (...).

Pode-se viver toda a história literária numa noite de sono? Finnegans Wake responde sim e afirma que toda a história pode passar por nós num longo sonho descontínuo – afirma Bloom. Antony, dedicado discípulo de Joyce – em contraste com Samuel Beckett, que rompeu – diz que “é a coisa mais natural do mundo ver Dr. Johnson e Falstaff, junto com a vizinha, esperando na estação ferroviária de Charing Cross”.
Harold Bloom não deixa de observar que “O fato de Joyce misturar Shakespeare e história é inteiramente natural, mas ou Wake é um livro mais sombrio do que pretendia ser, ou então Shakespeare se insinuou onde quis (...).”

Apesar disso a obra em si mesma parece-me ser um malogro artístico. [Goldberg faz alusão à existência de uma indispensável e sempre convincente gazua para a obra agigantada e erudita e amalgamado “monomito” da vida humana.] E apesar das asserções entusiásticas de seus admiradores, as perguntas que o leitor comum é levado a fazer ainda são, conforme creio, as mais importantes – questões que se relacionam menos com o seus “significado” verbal, ou com o seu mecanismo, do que com o seu valor: por que Joyce sempre a intentou, por que parece tão laboriosa e, mais particularmente, por que compensa tão pouco lê-la de ponta a ponta?” Por outro lado Goldberg reconhece a seriedade dos propósitos de Finnegans Wake, de Joyce.
No livro Joyce, de Jean Paris (in J. Olympio, Rio de Janeiro, 1992), vemos que: “Os habitantes de Ulisses nascem da aurora, Earwicker, sua mulher Anna Livia, seus filhos Shem e Shaun e sua filha Isabel nascem do crepúsculo e se esvanecem pela manhã. A vida deles não passa de um sonho, mas, como resume a do mundo inteiro, Finnegans Wake começa onde acaba e acaba onde começou. Um cabaré à entrada de Phoenix Park. A lua se ergueu, o rio murmura, reflete a igreja Adão e eva, carrega seu filho rumo ao oceano... Dublin dorme; e esboça-se o sonho cujo privilégio é abolir toda a consciência do lugar, do momento e da pessoa. Mal Earwicker abre os olhos, seu quarto se amplia, se povoa de seres fantásticos: Madama aparece, mergulha em seu leito: Anna Liffey; a família refaz o curso das eras, se vê expulsa do paraíso, erra de margem em margem; os irmãos, que se detestam, engendram as guerras, as devastações; de Isabel, a senhorita se transforma nessa Isolda a que o bairro deve seu nome: Chapelizod... E eis que, convocadas pela causualidade das assonâncias, formadas na lógica estranha do sonhador, ao longo de toda essa noite se estabelecerão, entre esses dublinenses e os grandes do passado, os símbolos, os mitos, as religiões, a própria terra, os mais profundos parentescos.

Assim como Ulisses, Finnegans Wake também não se liga ao eterno retorno. Sabemos que seu projeto inspira-se na filosofia cíclica de Vico – frisa Jean Paris – e segue vigorosamente as quatro fases que o italiano atribuía ao destino de toda sociedade: a teocracia, a aristocracia, a monarquia e a anarquia. [...] Em lugar algum, senão pelo jogo, Finnegans Wake afirma que o mundo permanece para sempre o mesmo, porque viver é modificar sua verdade a todo instante, e o fim consagrará muito mais um triunfo sobre o tempo que uma submissão às suas leis infernais. Eterno retorno? Eterna partida".
Para acessar a sétima parte deste trabalho, clique em: JAMES JOYCE - PARTE VII
Para acessar a sétima parte deste trabalho, clique em: JAMES JOYCE - PARTE VII
REFERÊNCIAS:
BLOOM, Harold. O Cânone Ocidental. Os Livros e a Escola do Tempo. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro, Objetiva, 1968.
GOLDBERG, S.L. Joyce. Autores e críticos. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968.
PARIS, Jean. Joyce. Trad. de Maria Ignez Duque Estrada. Rio de Janeiro, José Olympio, 1992.
PATRICK, Julian. Grandes escritores. Rio de Janeiro, Sextante, s/d.
Boa noite Dr Pedro Luso
ResponderExcluirObrigado por esta maravilhosa lição.
Será de todo impossível abarcarmos o conhecimento geral destes grandes vultos da nossa história ou melhor ainda da História Universal.
Pergunto
Quantas horas e semanas para entrar nesse mar de mistérios e conhecimentos...?
Gosto do teu blog, pois toda vez que passo por aki saio sempre com novos conhecimentos.
ResponderExcluir:)
Texto maravilhoso, não li tudo confesso, mas sua pesquisa foi show, e me veio esta curiosidade de voltar e terminar a leitura,adorei, obrigada pela partilha aqui levo sempre sabedoria infinita que vem deste ser Pedro Luso.
ResponderExcluircom carinho
Hana
Amigo
ResponderExcluirA tua pesquisa nesta área entusiasma-me... É interessante a opinião de um contemporâneo sobre a obra de James Joyce...
Admiro o teu trabalho , a tua dedicacão á Literatura Universal que, nós, teus seguidores, aproveitaremos para adquirir novos conhecimentos neste campo.
Beijo
Graça