27 de abr. de 2008

MÁXIMO GORKI – Escritor Revolucionário

Máximo Gorki





              por Pedro Luso de Carvalho



        Máximo Gorki morreu no dia 18 de junho de 1936, aos 68 anos de idade. Os funerais tiveram honras de Estado feitas por Stalin, Molotov, entre outras personalidades da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A urna com as suas cinzas foi colocada no muro do Kremlin, do lado da Praça Vermelha. André Gide, profundo conhecedor da literatura Russa, compareceu às exéquias e discursou na Praça vermelha: “Camaradas, a morte de Máximo Gorki não toca somente à Rússia, mas o mundo todo. Ele emprestou sua voz àqueles que não podiam se fazer ouvir. Ele hoje pertence à História, ao lado dos maiores”.

       Terminava aí a vida de Alexei Maximovitch Pechkov, filho de Maxim Pechkov e Varvara Kachirin, nascido em 16 de março de 1868, em Nijni-Novgorod; aí terminavam sacrifícios e sofrimentos pelos quais passara, desde a sua infância pobre, esse escritor que passou a ser conhecido como Máximo Gorki, pseudônimo que adotara por ocasião da publicação, na revista ‘O Cáucaso’, de Makar Tchaudrá, o seu primeiro conto. Ao adotar o esse pseudônimo (Gorki, que na sua língua significa amargo), Alexei Pechkov revelava a sorte dos personagens que iria descrever.

        A vida de Máximo Gorki poderá ser estudada sob vários ângulos: o político (sua militância como revolucionário e amizade que o ligava ao líder Lenin), sociológico (a vida do povo russo antes de depois do regime socialista) e literário (um autodidata de condição pobre se fez escritor, depois de ter passado por privações na infância e adolescência, e sem ter freqüentado cursos regulares de ensino).

        Essas duas fases da vida de Gorki: infância e adolescência são contadas por ele próprio na sua trilogia autobiográfica Minha infância, Ganhando meu pão [traduzido também como Meu aprendizado] e Minhas Universidades, trilogia essa escrita na sua fase madura, quando já era escritor consagrado. Antes de ter escrito essa obra, que foi considera por muitos críticos a mais importante do escritor, Gorki já era admirado pelos seus livros escritos para o teatro, que se tornaram conhecidos não apenas na Rússia, mas também no ocidente.

        Passadas as fases da infância e da adolescência, a tragédia continuaria a fazer parte da vida de Gorki; aos dezenove anos, foi tomado de irremediável desilusão a ponto de levá-lo a tentar o suicídio com o disparo de um tiro de revólver no peito, que perfurou um de seus pulmões, deixando uma porta aberta para a tuberculose; Gorki, no entanto, não perdeu o ânimo para a luta que continuaria travando ao longo dos anos. Sua vida terminou nas mãos de médicos que o assassinaram, acredita-se, a mando de Stalin, embora pela versão oficial a causa da morte tenha sido a pneumonia.

        Mas, voltando no tempo, em razão da tuberculose Gorki conseguiria mudar-se para Criméia, e antes de sua partida obteve autorização para a encenação de sua primeira peça teatral, Os pequenos burgueses, um libelo contra a classe proprietária. Depois dessa peça teatral, Gorki escreveu A ralé, que, ao contrário de Pequenos burgueses, fez grande sucesso. Já na Criméia, Gorki procurou dois escritores que se encontravam no auge da fama: Tolstoi e Karolenko, para mostrar-lhes seus escritos e para ouvir suas opiniões.

        Na Criméia, Gorki aprofunda sua amizade com Tchekhov e com Tolstoi, com os quais passara a vizinhar. Era cordial o convívio entre os três escritores, embora Tchékhov fosse favorável a uma mudança da sociedade de forma lenta, e Tolstoi um aristocrata que ouvia os arroubos revolucionários de Gorki, este, um marxista convicto, que ansiava por uma transformação completa e radical na estrutura política e social de seu país.

        Mais tarde, com a matança de centenas de pessoas pelos cossacos, que cumpriam ordens do tzar Nicolau II, Gorki foi tomado de terrível fúria e escreveu um manifesto incentivando o povo a lutar contra a autocracia. A partir daí radicalizou essa posição, e aos poucos foi denunciando tendências burguesas nas obras de Tolstoi e de Dostoievski.

        Foi nesse meio caótico pelo qual passava a Rússia, que Gorki exploraria a sua condição de jornalista e de escritor para defender os humildes e os proletários, que viviam em extrema pobreza e em semi-escravidão, espoliada por uma minoria, no regime dos tzares. O escritor sabia que os seus livros ficariam restritos nos temas que envolviam as desigualdades sociais. Daí sua produção ter como resultado uma literatura engajada ao socialismo.

        Mas, diga-se, Gorki não ficaria restrito a temas políticos, como de fato não ficou: os temas que compõe sua obra demonstram tratar-se escritor universal, como, aliás, era reconhecido Anatole France, um dos mais importantes escritores franceses, que dizia ser ele detentor de uma obra universal, portanto muito acima de aspectos políticos.

       Gorki escreveu contos, novelas, romances e teatro. Para o teatro, escreveu, entre outras peças: Pequenos burgueses, Ralé e Inimigos. Nos anos finais de sua vida, dedicou-se à redação de sua obra épica A vida de Klim Senguini, saga de uma família socialista. Na medida de suas possibilidades, nunca deixou de interferir a favor dos perseguidos.

        O segundo conto de Gorki, Tchelkach, não demorou a ser publicado, e foi considerado excelente por Korolenko. Depois, escreveu Esboços e narrativas, e os poemas em prosa A canção do falcão e O anunciador de tempestades, que se transformaram em refrão dos revolucionários. Foi nessa época que Gorki passou a corresponder-se com Tchekhov, escritor a quem admirava.

               Os novos livros escritos por Gorki passaram a ter por tema o capitalismo, que no seu entender era um inimigo cruel dos trabalhadores. A partir daí passa a ser admirado por um público maior, e também a despertar suspeitas da polícia, levando-o a ser confinado na pequena vila de Arzemas, próxima de Nijni-Novgorod, e, mais tarde, ao exílio por sete anos em Capri, na França, quando contava com quarenta anos de idade, e, novamente, perto dos sessenta anos, na cidade Sorrento, Itália, por quatro anos.

        Diz Nina Gourfindel, em Gorki, por ele próprio: "Eis que nesse cinzento fastio cívico-democrático irrompem-se os relatos de Gorki, vivos, coloridos, de linguagem forte, de heróis insólitos. ‘É o romantismo!, exclama aflito, Korolenko, o primeiro ‘professor técnico’ de Gorki no ofício de escritor. “É o romantismo e o romantismo morreu há muito tempo... Parece que toma um caminho que não é o seu. É realista, realista, e não romântico!”.

        Nina Gourfindel acrescenta: “Gorki lançava pelo mundo um olhar novo. Vindo não da inteliguêntsia [na Rússia essa expressão significa o escol intelectual] nem sequer duma plebe mais ou menos abstrata, mas saído, como um dos seus heróis, dos ‘saguões da vida’, dum meio brutal e analfabeto, tinha em si uma sede de saber, uma veneração pela cultura que ignoravam, nesse grau, aqueles para quem o saber e a cultura tinham sido, desde a infância, o quinhão banal. Para o rapaz, neto de um sirgador do Volga, que à força de pulso se guindava à vida do espírito, as palavras beleza, ideal, alegria, luz tinham um significado vital. Chegava às letras como combatente, animado de aspirações que eram estranhas aos escritores do seu tempo”.

        No seu ensaio O Leitor (1898), Gorki dá explicações acerca deste estado de espírito, faz crítica da literatura contemporânea e convida o público segui-lo por seus novos caminhos, mais coloridos. ‘Sempre o quotidiano! – exclama. – Homens, pensamentos, acontecimentos quotidianos!...Onde está o apelo à vida criadora, onde estão as lições de coragem, as fortes palavras que dão asas à alma? E, voltando-se para o seu público, para aquele que o deseja: Parece-me que, de novo, temos apetite de sonho e de belas ficções, de ilusão e de coisas extraordinárias – conclui Gorki’.

        A partir daí Gorki passou a dedicar-se a angariar fundos para a revolução e explicar o seu significado para os revolucionários russos. Esteve na Alemanha e na França com esse objetivo, na companhia Maria Fioderovna Andreieva, atriz que deixou a profissão e o marido para viver com ele, depois que o escritor se separou de Catarina Pavlovna Volin, sua primeira mulher, com quem teve um casal de filhos.

        Na França, Gorki foi recebido por literatos tendo à frente destes o conceituado escritor Anatole France. Daí partiu para os Estados Unidos, com o mesmo objetivo de reunir fundos para os revolucionários, onde foi recebido por Mark Twain, talvez o mais importante escritor estadunidense. A Embaixada Russa visando prejudicar sua tarefa revelou que Gorki não era casado com Maria Fioderovna Andreieva, fato esse que levou o país anfitrião a tratá-lo com frieza, colocando por terra o seu objetivo.
       
        Foi nos Estados Unidos que Gorki teve a idéia de escrever o seu romance proletário A mãe e a peça teatral Inimigos. Desse país, retornou à Europa para ficar alguns dias na Itália, onde permaneceu, em Capri, por sete anos. Nesse período teve vários encontros com Lenin, que serviram para fortificar a amizade entre ambos, amizade essa que perduraria até a morte do líder russo.
       
        Em 1913, o governo tzarista concedeu uma ampla anistia política e Gorki resolveu voltar à Rússia, onde passou a ser constantemente vigiado pela polícia. Em 1914, alinhou-se aos que desejavam ver a Rússia fora da guerra, acompanhou o declínio da monarquia e o papel de Rasputin na corte tzarista. Em 1917, Lenin retornou à Rússia, e seguiu-se a tomada do poder pelos bolchevistas e a retirada da guerra pelo tratado Brest-Litivski.

        A escritora Nina Gourfindel afirma: “Com os bolchevistas no poder, começaram seus atos violentos, e Gorki, através de seu jornal, tomou diversas vezes atitudes discordantes em relação aos métodos revolucionários. No início, nada lhe aconteceu em razão de seu passado de militante e em razão de seu enorme renome literário. A certa altura, Lenin viu-se obrigado a determinar a suspensão de seu jornal. Após a morte de Lenin, continuou sendo o escritor socialista cortejado pelo governo, e aceitando constrangido as benesses propiciadas pelo partido. Não tinha por Stalin a admiração afetuosa que nutria por Lenin”.

        Prossegue Nina Gourfindel: “Gorki surge na última década do século XIX, na época em que ruem os cânones sociais ao mesmo tempo que os literários. Embora os seus primeiros escritos só tragam inovações superficiais nesses dois domínios, a sede de renovo é tal que, em pouco tempo, conseguem impor-se a atenção do público russo, e, em breve, mundial.

        Ao dobrar do século, a literatura russa estava atravancada pelos epígonos de um realismo que Tolstoi, Dostoievski, Turgueniev, Goutcharov tinha levado à perfeição. As suas obras, porém, ainda tão próximas no tempo, já não satisfaziam os leitores. A sua sociedade, a da nobreza em declínio, era uma sociedade ultrapassada. Os seus problemas já não comoviam. É para o futuro que o público tende, para um futuro revolucionário.

        Nascido no coração da Rússia tendo desempenhado as mais diversas profissões como descarregador de porto, jardineiro, padeiro e outros trabalhos, normalmente em condições que exigiam algum grau de sacrifício, Gorki conhecia também todas as maneiras de falar populares, todas as gírias, até a linguagem compósita, mesclada de palavras sapientes, estropiadas das baixas camadas urbanas. 

        O conhecimento dos recursos da linguagem era em Gorki praticamente ilimitado: ditados, sentenças, bons ditos, aranzéis, pragas, rimas e alterações de que o adagiário russo é rico, um vocabulário maleável, sempre alerta de onde brotam sem cessar novas formações. Este manancial lingüístico (do qual Gorki abusará mais tarde) acentuar-lhe-á a originalidade das obras. Junto ao seu fogoso romantismo, ao seu tipo de herói pré-revolucionário, isso foi uma atraente novidade.

        Em janeiro de 1922, morreu Lenin; e Gorki cheio de desconfiança perante os seus sucessores, não se decidia a voltar à Rússia. Gostaria de voltar a Capri, mas o governo fascista hesitava em deixá-lo entrar na Itália. Finalmente, na Primavera, autorizou-o a residir, não em Capri, onde, declaravam as autoridades mussulianas, a sua presença poderia despertar certas paixões políticas, mas... em Sorrento, na sua aparência politicamente mais seguro!

       Gorki manter-se-ia ali quatro anos, levando a mesma existência simples e laboriosa, que foi sempre a sua. O velho drama, porém, renascia; o escritor era atazanado pela nostalgia. O exílio de Capri fora duro para o homem de quarenta anos, o de Sorrento tornava-se-lhe insuportável ao aproximarem-se os sessenta. Esse exílio era, aliás, insensato. Resta-nos dessa época um retrato seu, expressivo, do olhar triste” .

        Carlos Heitor Cony, no prefácio de O degenerados, diz: “Acredito, porém, que o Gorki mais autêntico, o mais universal, situe-se exatamente em sua primeira fase. A fase de Kononalov, de Malva, de Os Pequenos Burgueses, de Os Ex-Homens, dos vagabundos e dos degenerados. Nesta coletânea podem ser consideradas obras-primas da literatura russa, situadas que estão no mesmo plano das obras de Tchekhov ou turgueniev”.

        Diz Cony, no prefácio, mais adiante: “Gorki, mais tarde, encontraria esse truque para a humanidade: o comunismo. Mas na época de Os Ex-Homens, na certa ele teria repulsa que alguma coisa pudesse salvar os seus vagabundos e degenerados do albergue noturno. E nisso, superou a Dostoievski, onde o desespero salva do próprio desespero. Para Gorki de Os Ex-Homens, nem o desespero adianta para coisa alguma. O homem é um exilado. Ocupa a sua noite no albergue e espera. O que acontecer não tem importância. Nem mesmo a morte”.




REFERÊNCIAS:
MASON, Jayme. Mestres da Literatura Russa: Aspectos de sua vida e obras. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
GOURFINKEL, Nina. ‘Gorki, por ele próprio. Tradução de Jayme Brasil. Lisboa: Portugália Editora, 1964.
GORKI, Máximo. Os degenerados. Trad. de Jayme Jobinski. Prefácio de Carlos Heitor Cony. Rio de Janeiro: Edições Ouro, 1973.





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