28 de jul. de 2009

CORTÁZAR FALA SOBRE NERUDA

por Pedro Luso de Carvalho

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A Editora Civilização Brasileira lançou, em 2001, Obra crítica/3, de Julio Cortázar, um livro de excelente qualidade, o que, aliás, não surpreende, já que estamos falando de um importante romancista, contista, ensaísta e crítico. Nessa obra, em três volumes, vê-se que quem o escreve é um escritor erudito, maduro e sensível, aí distante das suas obras de ficção, já que se volta para ensaios, crítica, artigos e cartas . O responsável pela organização da obra foi Saúl Sosnowski. Os tradutores foram Paulina Wacht e Ari Roitman.

Escolhemos de Obra crítica/3, o ensaio Neruda entre nós, escrito por Cortázar, em Genebra, no ano de 1973, no qual analisa a época em que Neruda conviveu com seus amigos, na Ilha Negra e fora dela; em que fala de sua poesia, de sua luta política - sempre sonhando com a igualdade social, não apenas no Chile, seu país, ou na América do Sul, mas em todo o mundo, sem quaisquer fronteiras, nesse sentido. Vejamos, pois, o que Cortázar fala sobre Neruda, nos trechos que seguem: “Tão próximo como está na vida e na morte, toda tentativa de ‘fixá-lo’ a partir da escrita corre o risco de qualquer fotografia, de qualquer testemunho unilateral: Neruda de perfil, Neruda poeta social, as abordagens usuais e quase sempre falíveis. A história, a arqueologia, a biografia, coincidem na mesma tarefa terrível: espetar a borboleta no cartão. E o único resgate que as justifica vem da região imaginária da inteligência, de sua capacidade para ver em pleno vôo aquelas asas que já não são cinza em cada pequeno ataúde de museu. Quando entrei pela última vez em seu quarto na Ilha Negra, em fevereiro deste ano, Pablo Neruda estava na cama, talvez já definitivamente imobilizado, e no entanto sei que naquela noite andamos juntos, por praias e sendas, que chegamos ainda mais longe do que dois anos antes, quando ele veio me receber na entrada da casa e quis me mostrar as terras que pensava doar para que depois de sua morte erguessem ali uma residência para escritores jovens. Assim, como se estivesse passeando ao seu lado e ouvindo as suas palavras, gostaria de dizer aqui a minha palavra de latino-americano já velho, porque muitas vezes no turbilhão da quase impensável aceleração histórica do século senti dolorosamente que para muitos a imagem universal de Pablo Neruda era uma imagem maniqueísta, uma estátua já erigida que os olhos das novas gerações olhavam com o respeito entremesclado de indiferença que parece ser o destino de todo bronze em toda praça. Gostaria de poder contar a estes jovens de qualquer país do mundo, com a simplicidade de quem encontra os amigos num bar, as razões de um amor que transcende a poesia por si mesma, um amor que tem outro sentido, diferente do meu amor pela poesia de John Keats ou de César Vallejo ou de Paul Eluard; falar do que ocorreu nas minhas terras latino-americanas nesta primeira metade de um século que já se confunde para eles na continuidade de um passado que tudo devora e confunde". Neste ponto deste ensaio de Cortázar, damos um salto para a página em que fala de seu relacionamento com Neruda. “Conheci muito pouco o homem Pablo Neruda, porque entre os meus defeitos está o de não me aproximar dos escritores, preferir egoisticamente a obra à pessoa. Tive dois testemunhos do seu afeto por mim: um par de livros com dedicatória que me remeteu a Paris, sem jamais ter recebido nada meu, e uma página que enviou para a revista cujo nome não me lembro, na qual generosamente tentava aplacar uma falsa, absurda polêmica entre José Maria Argüedas e mim a propósito de escritores residentes e escritores exilados”. Damos mais um salto desta página para o final do ensaio de Cortázar: “Na minha primeira visita, dois anos antes, tinha me abraçado dizendo um ‘até logo’ que se cumpriria na França; dessa vez nos fitou por um instante, suas mãos nas nossas, e disse: “Melhor a gente não se despedir, não é mesmo?”, os fatigados olhos já distantes. Era assim mesmo, não tínhamos que nos despedir; isto que escrevi é a minha presença junto a ele e junto ao Chile. Sei que um dia voltaremos à Ilha Negra, que o seu povo entrará por aquela porta e encontrará em cada pedra, em cada folha de árvore, em cada grito de pássaro marinho, a poesia sempre viva deste homem que tanto o amou”. PABLO NERUDA, como era conhecido Neftalí Ricardo Reyes, nasceu em Parral, em 1904, e morreu em Santiago, Chile, em 1973. Em 1971, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. JULIO CORTÁZAR, filho de pais argentinos, nasceu em Bruxelas, em 1914; foi educado na Argentina, onde estudou Letras e trabalhou como professor em áreas rurais do país; era naturalizado argentino. Em 1951, mudou-se para Paris, onde morreu no ano de 1984.

6 comentários:

  1. "Morre lentamente quem nao viaja, quem nao le, quem nao ouve musica, quem nao encontra graca em si mesmo.
    Morre lentamente quem destroi o seu amor-proprio, quem nao se deixa ajudar.
    Morre lentamente quem se transforma em escravo do habito, repetindo todos os dias os mesmos trajectos, quem nao muda de marca, nao se
    arrisca a vestir uma nova cor ou nao conversa com quem nao conhece.
    Morre lentamente quem faz da televisao o seu guru.
    Morre lentamente quem evita uma paixao, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho
    de emocoes, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, coracoes aos tropecos e sentimentos.
    Morre lentamente quem nao vira a mesa quando esta infeliz com o seu trabalho, quem nao arrisca o certo pelo incerto para ir atras de um
    sonho, quem nao se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos conselhos sensatos.
    Morre lentamente, quem abandona um projecto antes de inicia-lo, nao pergunta sobre um assunto que desconhece ou nao responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
    Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforco muito maior que o simples facto de respirar.
    Somente a perseveranca fara com que conquistemos um estagio esplendido de felicidade. "

    Este é para mim, um dos melhores poemas de Neruda. Com tão pouco, diz tanto...
    Adoro vir a este blog! Parabéns por este trabalho.

    Um abraço:)

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  2. Luis Soares16:47

    Prezado Pedro,

    Pode ser melhor: Julio Cortázar em prosa e Neruda em poesia? Estão entre os melhores sul-americanos.

    Att.

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  3. Cheguei até aqui através do blog de Ataíde Lemos, onde vi o seu perfil que desde logo despertou a minha curiosidade de vir "conhecê-lo".

    Acho este blog muito interessante e de elevado nível. Muito útil para quem se interessa por literatura e com a particularidade de também aqui se falar de autores portugueses.

    Ficarei sua seguidora e sua "fã". Seria uma honra receber a sua visita no meu "humilde blog" que partilho com dois amigos.

    Um abraço

    http://nuestramizade.blogspot.com

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  4. Como Cortázar, também gosto de ver a poesia e não o homem que a escreveu, mas, também como ele, sinto-me enlevada com o poeta, de tal modo ele se identifica com sua poesia.

    Um beijo.

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  5. CORTÁZAR FALA SOBRE NERUDA

    Um gigante falando de outro monstro sagrado, postado por você.

    BELÍSSIMA POSTAGEM, ALIAS AQUI SOMENTE SE LE O MELHOR, ADOREI,
    EFIGÊNIA COUTINHO

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  6. Precioso texto que me chega através
    da sua leitura.Cortazar tem imagens lindas,sua prosa é pontuada em lirismo .Neruda um fazedor de versos
    escritos na prosa dos dias.Que força!
    Emocionante.

    Agradeço,com admiração,

    Cris

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Obrigado a todos os amigos leitores.
Pedro