3 de abr. de 2020

[Poesia] EDGAR ALLAN POE / Ulalume



             por Pedro Luso de Carvalho
       
         Sobre o genial escritor Edgar Allan Poe (1809-1849) escrevi três textos, que se encontram postados neste espaço, quais sejam: Edgar Allan Poe e sua Antologia de Contos; O Corvo e Annabel Lee. Num desses textos, fiz menção ao seguinte fato: no ano de 1847, o escritor norte-americano tem algumas de suas histórias traduzidas para o francês, por Charles Baudelaire (1821-1867), dentre eles um dos famosos contos de Poe, qual seja, A Queda da Casa de Usher; Baudelaire também escreve o prefácio das obras de Poe. Eis um trecho do prefácio de Baudelaire:

        “Como poeta Edgar Poe é um homem à parte. Representa quase sozinho o movimento romântico do outro lado do oceano. É o primeiro americano que, propriamente falando, fez do seu estilo uma ferramenta. Sua poesia, profunda e gemente, é, não obstante, trabalhada, pura, correta e brilhante, como uma jóia de cristal. Edgar Poe amava os ritmos complicados que fossem, neles encerrava uma harmonia profunda”.

        Charles Baudelaire prossegue sua análise sobre os poemas de Poe, dizendo: “Há um pequeno poema seu intitulado Os Sinos”, que é uma verdadeira curiosidade literária; traduzível, porém, não o é; O Corvo logrou grande êxito. Segundo afirmam Longfellow e Emerson, é uma maravilha. O assunto é quase nada, e é uma pura obra de arte. O tom é grave e quase sobrenatural, como os pensamentos da insônia; os versos caem um a um, como lágrimas monótonas; No país dos sonhos tentou descrever a sucessão dos sonhos e das imagens fantásticas que assaltam a alma, quando o olho corpóreo está cerrado”.

        A consagração de Poe, dois anos antes de sua morte, deveu-se não apenas ao conto, mas também aos seus brilhantes ensaios e aos seus poemas magistrais. Efetivamente, a imaginação de Poe era extraordinária, qualidade que se somava a outra, qual seja, a de ter sido intransigente no tocante à excelência literária de sua obra. Mas, assim não entendiam os pseudos intelectuais da época, que não compreendiam a grandiosidade da obra de Poe. Para os críticos europeus, até o ano de 1847, quando Baudelaire traduziu Poe, os Estados Unidos tinham uma literatura de segunda categoria..

       
        Julio Cortázar menciona os motivos da tardia aceitação da obra de Poe pelos norte-americanos, qual seja, de estarem os Estados Unidos atrelados à literatura do século XVIII, com “péssimos romances e poemas, ensaios triviais ou extravagantes, contos insípidos”; e mais: que entre os anos de 1830 e 1850 os Estados Unidos estavam iniciando sua história literária, e que os poucos escritores de talento eram: James Russel Lowell, Hawthorne, Emerson e Longfellow.

        Exemplo desse cuidado com sua obra é o seu imortal poema O Corvo, que foi traduzido inúmeras vezes para vários idiomas; para o idioma português, a tradução foi feita por dois mestres da literatura: o brasileiro Machado de Assis e o português Fernando Pessoa. As primeiras traduções de O Corvo, foram feitas pelos franceses Baudelaire e Mallarmé. Outros poemas, como Ulalume, Annabel Lee, Tamerlão, Os Sinos e Al Aaraaf, entre outros, gozam de igual celebridade. Para quem não conhece ULALUNE, esta é a oportunidade para ler esse excelente poema de Edgar Allan Poe.

            


         ULALUME



Era o céu de um cinzento funerário
e a folhagem, fanada, morria,
a folhagem, crispada, morria;
era noite, no outubro solitário
de ano que já me não lembraria;
ficava ali bem perto o lago de Auber,
na região enevoada de Weir;
bem perto, o pantanal úmido de Auber,
na floresta assombrada de Weir.


Lá, uma vez, por um renque titânico

de ciprestes, vagueei, em desconsolo.
Era então o meu peito vulcânico
qual torrente de lava que no solo
salta, vinda dos cumes de Yaanek,
nas mais longínquas regiões do pólo,
que ululando se atira do Yaanek
nos panoramas árticos do pólo.


Tristonha e gravemente conversamos,

mas a idéia era lassa e vazia
e a memória traidora e vazia;
que o mês era de outubro não lembramos,
nem soubemos que noite fugia.
(Ai! A noite das noites fugia!)
Não recordamos a lagoa de Auber
(e já fôramos lá, certo dia);
não pensamos no charco úmido de Auber
nem no bosque assombrado de Weir.


Quando a noite ia já desmaiada

e as estrelas chamavam pela aurora,
pálidos astros apontando a aurora,
eis que surge, no extremo da estrada,
uma luz fluida, nebulosa; e fora
dela se ergue um crescente recurvo,
diadema de Astarté, que se alcandora.
“Menos fria que Diana é essa estrela”,
digo, “a girar num éter feito de ais.
Viu o pranto, que a mágoa revela,
nas faces em que há vermes imortais
e, por onde o Leão se constela,
vem mostrar o caminho aos céus, letais
caminhos para a paz dos céus letais;
a despeito do Leão, vem-nos ela
iluminar, com olhos triunfais;
das cavernas do Leão, vem-nos ela,
cheia de amor nos olhos triunfais.”


Mas diz Psique, tremendo de aflição:

“Dessa estrela, por Deus, desconfia!
Desse estranho palor desconfia!
É preciso fugir de luz tão fria!
Apressemo-nos! Voemos, então!”
E, perdidas de tanta agonia,
suas asas se inclinavam para o chão;
soluçava e, de tanta agonia,
as plumas rastejavam pelo chão,
tristemente roçando pelo chão.


“Isso”, falei, “é um sonho de criança!

Oh! sigamos a luz que facina,
mergulhemos na luz cristalina!
É um clarão de beleza e de esperança
o que vem dessa luz sibilina.
Olha-a: entre as sombras, como gira e dança!
Guie-nos, pois, essa estrela, que ilumina
nossa estrada, com toda a confiança;
que nos guie para onde se destina.
Nessa estrela tenhamos confiança,
pois nas sombras, assim, volteia e dança!”


Dou um beijo a Psique, que a conforta,

impedindo que o medo se avolume,
que a dúvida, a tristeza se avolume,
e da estrela seguimos o lume
a té que nos deteve uma porta
de tumba, e uma legenda nessa porta.
“Doce irmã”, perguntei, “dessa porta
que tragédia a legenda resume?”
“Ulalume!” - responde-me. “Ulalume!”
“Essa é a tumba perdida de Ulalume!”


E me vi de tristezas referto,

como a folhagem seca que morria,
a folhagem fanada que morria!
E exclamei: “Era outubro, decerto,
e era esta mesma, há um ano, a noite fria
em que vim, a chorar, aqui perto,
fardo horrível trazendo, aqui perto!
Nesta noite das noites, sombria,
que demônio me arrasta aqui tão perto?
Bem reconheço agora o lago de Auber,
na região enevoada de Weir;
bem vejo o pantanal úmido de Auber,
na floresta assombrada de Weir!”.



(Tradução de Osmar Mendes)




16 comentários:

  1. vou estuda-lo neste semestre do curso de Letras! Amei o post
    :)

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  2. Anônimo22:13

    Boa noite amigo e muito obrigado pela visita...
    Nossa!!!Seu blog está mergulhado em cultura ou estou enganada?
    Amei o seu poema,muito obrigado pelo carinho.
    Um beijo grande.

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  3. Anônimo22:16

    Eu já comentei, mas o fato é q ñ sei se registrou portanto para ñ correr o risco de passar em brando estou a repetir...
    Seu blog está mergulhado de cultura,fantástico...
    Amei o poema q vc me ofertou muito obrigado pelo seu carinho.
    Uma linda noite.

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  4. Muito Bom. Pretendo me atualizar lendo suas postagens aos poucos.
    Tem como seguir teu blog?
    Agradeço imensamente ter visitado minha Oca e fiquei super feliz de teres gostado.
    Grande abraço,
    Inge

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  5. Caro Pedro,

    Havia coisas sobre o Poe que, apesar de ser eu um fã, só fui a saber lendo este e os demais posts que escreveste. Obrigado!

    Sem comentários. Poe é o mestre do suspense e do horror. O pai de todos estes mais novatos que estão por aí, como Stephen King e demais. Entretanto, quem leu Poe já pôde perceber que é incomparável seu talento e sua sutileza literária com a de seus seguidores.

    abraços

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  6. Poe é um grande escritor. Seu poema O corvo assim como este mostra uma melancolia, um ar trágico, como se alguma coisa funesta estivesse por acontecer.
    Mas, é sempre bela e rica a forma como escreve.
    abraço
    angel

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  7. Pedro!
    Vim te visitar para me alimentar com pura cultura!
    Abraços!

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  8. Sempre que aqui venho minha alma se eleva. Parabéns pelo texto e um belo ano 2010 para você.

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  9. Gostei, virei mais vezes aqui. Aproveito para recomendar o blog: www.seteramos.blogspot.com
    Lá tem uma homenagem a Gabriela Mistral que vale a pena ler.

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  10. Olá caro amigo. Foi um prazer e também uma honra receber sua visita, bem-vindo. Sempre gostei de Allan Poe, seus escritos são sumo e seus poemas me lembram determinadas coisas, umas que desejo, outras que quero evitar. É um escritor que merece uma segunda leitura. Este poema me marcou noutros tempos. Tudo de bom, caro amigo.

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  11. Adorei este poema do Edgar, não o conhecia e lhe agradeço a oportunidade que tive, como tudo que conheço dele, é simplesmente único.

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  12. Não conhecia este poema do Poe, e lhe agradeço a oportunidade que tive. Como tudo que conheço de autoria dele, é peculiar e maravilhoso.

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  13. Meu primeiro contato com Allan Poe foi graças à uma professora do cursinho. Ela comentou sobre o conto O gato preto em sala. Fiquei curiosa e emprestei o livro na biblioteca.

    Devorei o conto, li duas vezes, fiquei espantada. Entreguei depois do prazo, rsrs... não queria me desfazer dele.

    Nunca tinha lido nada parecido. Gostava das histórias fantásticas de Stephen King. Mas Poe é diferente, tem um pouco de loucura que desiste da autoanálise antes de tentar.

    Ou você entra de cabeça naquele universo, ou fica alheio à ele.

    Bem, pelo menos comigo foi a primeira opção... hehe

    Comprei um livro de contos em um sebo. Ligeia, Berenice, A queda da Casa de Usher, O retrato Ovalado, O homem da multidão, entre outros.

    Só depois li o Corvo. Ainda mais tarde conheci alguns de seus poemas.

    Gostaria de pedir a você Pedro, para me indicar mais autores do gênero. Conheço poucos.

    Abraaaço

    Deva

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  14. Eu gostava de ler um time grande como alimento espiritual. Obrigado por esse amigo de um importante. Abracos

    He disfrutado de un gran momento de lectura como alimento espiritual. Gracias por tan importante pagina amigo. Abracos

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  15. Anônimo10:33

    Hello. And Bye.

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  16. Anônimo18:37

    simplismente maravilhoso!!

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Obrigado a todos os amigos leitores.
Pedro