– PEDRO LUSO DE CARVALHO
Vez por outra pretendo fazer abordagem sobre o tema tradução. Começo por
Paulo Rónai, cidadão húngaro que, em 1941, escolheu o Brasil para viver
(naturalizou-se em 1945). João Guimarães Rosa ao fazer o prefácio de Antologia do Conto Húngaro, escreveu:
"Seu autor – o brasileiro Paulo Ronai – é húngaro, de nascimento e de
primeira nação".
Escreveram sobre o Paulo Rónai brasileiro, na capa de Como Aprendi o Português e Outras Aventuras,
outros três escritores brasileiros: Magalhães Júnior, Joel Pontes e Wilson
Martins; este, disse sobre Rónai: "O senhor Paulo Rónai, intelectual
húngaro, escolheu, simultaneamente, a liberdade e o Brasil. Eu, de minha parte,
se me fosse dado escolher um compatriota, teria escolhi o Sr. Paulo
Rónai". Também o poeta Carlos Drummond de Andrade manifestou-se sobre esse
intelectual, responsável pela tradução de importantes obras, sobre as quais
discorreremos em outra oportunidade:
O filólogo Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira (autor do Dicionário Aurélio) escreveu a
apresentação da obra de Paulo Rónai, A
Tradução Vivida (além das citações supra), depois de ter-se referido a
tradução dos 17 volumes de A Comédia
Humana, de Balzac e de ter mencionado que cabe a ele a denominação de homem dos sete instrumentos, professor e
tradutor em mais de dez línguas: "Nas salas de aula ou de conferência,
pelos jornais e revistas, no trato íntimo, exerce Paulo Rónai um magistério
sereno, sem ênfase. Tem a arte de ser profundo parecendo apenas deslizar sobre
os assuntos. É sutil sem afetação; eu o diria distraidamente arguto. Um
clarificador, por excelência; um iluminador".
O português, como o aprendi,
Paulo Rónai conta, fagueiro,
Outra façanha dele eu vi:
Aprendeu a ser brasileiro.
Em A Tradução Vivida, obra
dedicada aos escritores Dinah Silveira de Queiroz e a Dário Castro Alves, no
título As Armadilhas da Tradução, escreve
Paulo Rónai:
O trabalho do tradutor
passa por um caminho ladeado de armadilhas. Até os melhores profissionais
guardam a lembrança de um tremendo contrassenso que cometeram. São diversas as
causas de tais erros. Apesar de sua diversidade, a maioria provém, em última
análise, da nossa fé na existência autônoma das palavras e na convicção
inconsciente de que a cada palavra de uma língua necessariamente corresponde
outra noutra língua qualquer. Confirma essa ilusão o recurso constante aos
dicionários, onde, por motivo de comodidade prática, os vocábulos se acham em
ordem alfabética, soltos de contexto e seguidos de definição.
Como dissemos, a palavra
existe apenas dentro da frase, e o seu sentido depende dos demais elementos que
entram na composição desta. Ainda que dois vocábulos de duas línguas sejam
definidos de maneira igual, os enunciados de que eles podem fazer parte não são
os mesmos, nem as conotações que invocam serão iguais. Isso é verdade mesmo no
caso de palavras da mesma origem e de forma suficientemente próxima para
revelar o parentesco à primeira vista. Assim o nosso vocábulo "cópia"
existe em francês, italiano e inglês sob forma quase igual, no sentido de
"imitação", "reprodução". Mas copie em francês designa,
além disto, trabalho escrito de aluno, assim como manuscrito entregue à
tipografia de um jornal, acepções que faltam a copia em italiano e a copy em inglês; em compensação estas
duas palavras possuem o sentido de exemplar, que falta em francês e português.
Ainda nesse título, As Armadilhas
da Tradução, Paulo Rónai segue enumerando outras tantas armadilhas e dando
a sua orientação de como evitá-las. No final desse capítulo faz uma precisa
abordagem das metáforas na tradução:
Conhecer os sentidos das
metáforas que se tornaram locuções figuradas nem sempre é suficiente, pois
podem surgir armadilhas, como num verso de Victor Hugo, Lê poème du Jardin des Plantes, onde aparece a expressão idiomática
avaler des couleuvres, que, em
português, equivale mais ou menos a "comer da banda podre". Só que
nos dois versos: I - l blesse le bom sens, il choque la raison/II l notre raille: il nous fait avaler la
couleuvre, o poeta só usa um dos elementos do clichê (avaler) em sentido figurado, enquanto o outro (couleuvre) aparece em sentido concreto. Assim, no trecho, a locução
terá de ser traduzida por "aceitar a cobra". Em todo o caso, o
problema das metáforas lembra-nos mais uma vez que não estamos traduzindo
palavras, mas sentenças. Noutros termos: o bom tradutor, depois de se inteirar
do conteúdo de um enunciado, tenta esquecer as palavras em que ele está
expresso, para depois procurar, em sua língua, as palavras exatas em que
semelhante ideia seria naturalmente vazada.
Encerro transcrevendo o que disse Paulo Rónai em outra obra sua, Escola de Tradutores: Assim, nosso ofício de tradutores é um
comércio íntimo e constante com a vida, como diz Valery Larbaud; não é, de
forma alguma, um jogo de paciência com palavras mortas e fichadas para sempre.
REFERÊNCIAS:
RÓNAI, Paulo. A Tradução Vivida. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981, p.
34-35, 57-58.
RÓNAI, Paulo. Escola de Tradutores. 6 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987,
p. 19.
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Pedro, adorei receber sua visita. Pena que vc não deixou um recadinho lá. Infelizmente vc me pegou num momento de mudanças do blogs, estou buscando uma nova fórmula. Antes postava diariamente, mas depois dos 1500 postes saturei.
ResponderExcluirAdorei o seu blog. Assuntos interessantíssimos, sem ser didático.
Vou de linkar ao Verdes. E, já te favoritei no blogblogs.
Só a título de informação, conheci a esposa do Aurélio quando morei no Rio. E, por coincidência quando o pai de uma amiga minha morreu, ele foi enterrado no túmulo do Aurélio, no mausoléu da ABL. Não sei se vc já ouviu falar no escritor Herbert Sales? Ele era da Academia e amicíssimo do Aurélio.
Abs.