– PEDRO
LUSO DE CARVALHO
ERIC NEPOMUCENO – jornalista, escritor e
tradutor – nasceu em 1948. Começou a trabalhar como jornalista em 1966. De 1969
a 1976, integrou a equipe do Jornal da Tarde, de São Paulo, onde foi
repórter, redator, enviado especial a vários países da América Latina. Viajou
por dezesseis países latino-americanos. Colaborou com diversas publicações da
Argentina, México e Venezuela. Entre elas, o jornal La Opinión, de
Buenos Aires (1973 a 1975), o jornal Excelsior, do México (1974), o
jornal El Nacional, de Caracas (1974 a 1975) e a agência de notícias Latin
(1974 a 1975). Foi colaborador permanente da revista Crisis, de Buenos
Aires (1973 a 1976).
Em 1976 foi correspondente pela revista semanal
Veja e a partir de setembro de 1976 foi enviado a Espanha. Durante esse
período, publicou artigos, reportagens e entrevistas na Holanda, Itália,
Espanha, Israel, França, Estados Unidos e Irlanda. Colaborou na revista Triunfo,
de Madrid, e escreveu artigos para revistas do México, Portugal, Brasil, e para
o jornal britânico The Guardian. Trabalhou na Rede Globo como
editor e foi cronista do "Caderno B", do Jornal do Brasil.
Nepomuceno traduziu ao português vários
autores contemporâneos, gigantes da literatura hispânica, como Gabriel García
Márquez, Juan Carlos Onetti, Eduardo Galeano, Juan Rulfo, Julio Cortázar, Jorge
Luis Borges e outros. Inclusive, seus três primeiros livros foram publicados em
espanhol.
Ganhou duas vezes o prêmio Jabuti pela
tradução de autores de língua espanhola, além de vários outros prêmios com seus
livros de contos e de não-ficção. Escreveu roteiros em coprodução com a TV
Espanhola e produtoras da Holanda e Inglaterra. Foi autor do texto final do
documentário: “Vinícius”, de Miguel Faria Jr. Atualmente, escreve artigos e
reportagens no Brasil, Espanha, México e Uruguai e em jornais como: El País,
de Madrid, e Página 12, de Buenos Aires. Lançado em 2007 o livro O
Massacre, sobre a tragédia de Eldorado dos Carajás, lhe rendeu o segundo
lugar na categoria livro reportagem no Jabuti 2008. [Verbete publicado
em 7 de abril de 2010 por: Gilles Jean Abes e Andréa Cesco]
Segue Quarta-feira, conto de Eric
Nepomuceno (in Nepomuceno, Eric. A mulher do professor. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1996, p. 61-64):
QUARTA-FEIRA
– Eric Nepomuceno
Naquele agosto, o dia 16 caiu numa
quarta-feira. E naquela quarta-feira chegou ao Paraguai uma senhora argentina
de idade não divulgada, que durante décadas foi professora de gramática em
escolas públicas: dona Zulema de Milkis.
Ela foi imediatamente levada à
cidadezinha de Ypacaraí, numa viagem de automóvel que consumiu pouco menos de
uma hora. Lá viu o lago de Ypacaraí, que – a exemplo do rio Danúbio – tornou-se
conhecido por uma inexistente cor azul. De bom mesmo, em Ypacaraí, só um ou
outro pôr-do-sol.
A professora Zulema de Milkis escreveu,
quarenta e tantos anos antes daquela quarta-feira, os versos de uma canção que
divulgou o tal lago pelo mundo afora: Uma noche tíbia nos conocimos/junto al
lago azul de Ypacaraí, e por aí seguiu. Os versos da canção, confidencia-se no
Paraguai, refletem um amor proibido entre a então jovem professora e um músico
paraguaio, casado e não tão jovem, chamado Demétrio Ortiz. É ele o autor da
melodia.
Versos e melodia, enfim, deixam
testemunho desse amor, que certamente foi recordado pela professora Zulema de
Milkis ao ver o lago. Ortiz morreu muitos anos antes daquela quarta-feira, mas
viveu o suficiente para ver a canção tornar-se conhecida em todo o mundo. Viu
também que qualquer visitante que chega ao Paraguai é recebido pela canção,
espécie de hino nacional inevitável: há centenas de gravações diferentes, e os
paraguaios tocam uma delas assim que enxergam um estrangeiro pela frente.
Ao chegar a Ypacaraí, a aposentada
professora Zulema de Milkis certamente mergulhou – não no lago, mas nos desvãos
da memória.
A cidadezinha continua, até hoje, meio
sem graça. Seus moradores já se acostumaram aos comentários dos visitantes:
pois é, o lago não é azul, pois é, a paisagem não é assim tão romântica; pois
é, as noites não são tão tíbias; pois é, estranho que um amor tenha aflorado
logo ali. Pois é.
O que pouca gente sabe, mesmo na cidade,
é dizer quem é esta senhora chamada Zulema de Milkis. E muito menos que antes
daquela quarta-feira, 16 de agosto de 1995, ela nunca havia estado no Paraguai
e que Ypacaraí foi descrita – com lago e tudo – numa dessas exemplares mentiras
de amor. Cada um vê o que vê, cada um vê o que quer – ensinou Molière há
séculos. A professora seguiu a lição, talvez sem saber do mestre involuntário.
Seus versos são resultado dos amores
imperfeitos de uma professora do interior que, até aquela quarta-feira, só
soube do lago pelas mentiras de amor. Desse enredo, porém, salta uma
constatação luminosa: além de mover o sol e as estrelas, o amor cria águas,
retoca cenários, inventa paisagens, compõe versos que mudam lagos na memória
coletiva de gerações.
E sempre virá alguém disposto a inventar,
sobre o já inventado, tudo de novo. Assim, lá vem chegando, com seu baú de
lembranças, uma certa professora argentina, de idade não divulgada e que aliás
não interessa a ninguém, chamada Zulema de Milkis.
Ela chega ao lago onde naufragaram seus
amores proibidos e impossíveis, chega às águas que inventou, e que por isso
mesmo existirão para sempre.
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REFERÊNCIA:
<http://www.dicionariodetradutores.ufsc.br/pt/EricNepomuceno.htm>
Acessado em: 02/07/2013.
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Pedro