– PEDRO LUSO DE CARVALHO
RUBEM BRAGA nasceu em
Cachoeiro do Itapemirim, Espírito Santo, a 12 de janeiro de 1913, e faleceu no
dia 12 de janeiro de 1990. É considerado por muito críticos o maior cronista
brasileiro, depois de Machado de Assis.
Como a biografia de Rubem
Braga não cabe neste pequeno espaço, limitamo-nos a estas linhas: Formou-se em
Direito, mas decidiu-se pelo jornalismo, paixão que vinha de sua adolescência,
quando escrevia para um jornal de sua cidade. Mais tarde, escreveu para jornais
onde residiu: São Paulo, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro.
Fora de nosso país, Rubem
Braga fez importantes reportagens, como a cobertura da primeira eleição de Perón,
na Argentina, em 1946, e da segunda eleição de Eisenhower, nos Estados Unidos,
em 1956.
Nos anos de 1944-1945
acompanhou a Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial,
escrevendo suas reportagens para o Diário
Carioca.
Rubem Braga também
trabalhou para jornais brasileiros com suas reportagens feitas nestes países:
México, Portugal, Itália, Inglaterra, França, Grécia, Angola, Moçambique e África
do Sul.
Exerceu o cargo de
Embaixador do Brasil em Marrocos, na África, no período de 1961 a 1963. Depois
de demitir-se do cargo, fundou com alguns sócios a Editora do Autor, e de 1967 a 1971 foi sócio da Editora Sabiá.
Quando residiu no Rio de
Janeiro o cronista escreveu para jornais e revistas e trabalhou no jornalismo
da TV-Globo.
Segue a crônica de Rubem Braga, intitulada Madrugada (In Braga. Rubem. O verão e as
mulheres. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1986, p. 25-27:
MADRUGADA
– Rubem Braga
Todos tinham-se ido, e eu
dormi. Mesmo no sonho, me picava, como um inseto venenoso, a presença daquela
mulher. Via os seus joelhos dobrados; sentada sobre as pernas, na poltrona,
descalça, ela ria e falava alguma coisa que não podia perceber, mas era a meu
respeito. Eu queria me aproximar; ela e a poltrona recuavam, passavam sob
outras luzes que brilhavam em seus cabelos e em seus olhos.
E havia muitas vozes, de
homens e de outras mulheres, ruídos de copos, música. Mas isso tudo era vago:
eu fixava a jovem mulher na poltrona, atento ao jogo de sombra e luz em sua
testa, em sua garganta, nos braços: seus lábios moviam-se, eu via os dentes
brancos, ela falava alegremente. Talvez fosse alguma coisa dolorosa para mim,
eu ouvia trechos de frases, mas ela estava tão linda assim, sentada sobre as
pernas, os joelhos dobrados parecendo maiores sob o vestido leve, que o prazer
de sua visão me bastava; uma luz vermelha corou seu ombro esquerdo, desceu pelo
braço como uma carícia, depois chegou até o joelho. Eu tinha a ideia que ela
zombava de mim, mas ao mesmo tempo isso não me doía; sua imagem tão viva era
toda minha, de meus dois olhos, e isso ela não me negava, antes parecia ter
prazer em ser vista, como se meu olhar lhe desse mais vida e beleza, uma
secreta palpitação.
Mas agora todos tinham
sumido. Ergui-me, fui até a varanda, já era madrugadinha. Sobre o nascente,
onde a barra do dia ainda era uma vaga esperança de luz, havia nuvens leves,
espalhadas em várias direções, como se durante a noite o vento tivesse dançado
no ar. Depois, aos poucos, foi se acendendo um carmesim, e sob ele o mar se fez
quase verde. Eu ouvia a pulsação de um motor; um pequeno barco preto passava
para oeste, como se quisesse procurar as sombras e precisasse pescar na
penumbra. Imaginei a faina dos homens lá dentro, tomando café quente na caneca,
arrumando suas redes, as mãos calosas puxando cabos grossos, molhados, frios,
as caras recebendo o vento da madrugada no mar, aquele motor pulsando como fiel
coração. Duas aves de asas finas vieram de longe, das ilhas, passaram sobre meu
telhado, em direção às montanhas. De longe vinha um chilrear de pássaros
despertando.
Dentro de casa, no
silêncio, parecia ainda haver um vago eco de vozes que tinha falado na noite:
os móveis e as coisas ainda respiravam a presença de corpos e mãos. E a
poltrona abria os braços, esperando recolher outra vez o corpo da mulher jovem.
Apaguei as luzes, fiquei olhando o mar que a luz nascente fazia túmido. Uma
brisa fresca me beijou. E havia um sossego, uma tristeza, um perdão, uma
paciência e uma tímida esperança.
Fevereiro, 1953
*
* *
Temos muito por onde nos perder, neste mundo da magia das palavras que aqui partilha, aquelas que nascem da alma. Excelente seleção.
ResponderExcluircvb
Cecília,
ExcluirRubem Braga, o nosso maior cronista. deixou-nos uma obra de grande valor, que além do prazer da leitura, podemos aprender muito com ele.
Abraços.