– PEDRO LUSO DE CARVALHO
MOACYR
SCLIAR (Moacyr Jaime Scliar) , médico e escritor, nasceu a 23 de março de 1937,
em Porto Alegre (RS), no Bom Fim, bairro no qual predomina a comunidade
judaica. Faleceu no dia 27 de fevereiro de 2001.
Em 31 de
julho de 2003, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira nº
31. Na sua posse na ABL, em 22 de outubro de 2003, foi recebido pelo poeta
gaúcho Carlos Nejar.
Moacyr
Scliar foi médico especialista em saúde pública, professor universitário e
escritor. Escreveu romances, contos, crônicas e crítica. Além de ter ficado
conhecido em boa parte do país como ficcionista, também teve notoriedade por
suas crônicas, que foram publicadas por importantes jornais brasileiros.
Segue o
conto O amante da Madonna, de Moacyr Scliar (in Scliar, Moacyr. O amante
da Madonna. E outras histórias. 2ª ed. Porto Alegre, Mercado Aberto,
1997, p. 27-29):
O AMANTE DA MADONNA
(Moacyr Scliar)
– Vamos
supor – ele disse – que a Madonna venha à nossa cidade. Você de certo acha
impossível.
– Não
acho – disse a mulher, colocando na mesa a velha cafeteira. A cidade era
pequena e sem importância, mas ela não estava a fim de discutir.
– Pois é
– continuou o marido – Então a Madonna vem à nossa cidade... A propósito, você
sabe quem é a Madonna?
– Sei,
disse ela, trazendo a leiteira.
– Me
surpreende – ele, irônico. - Porque em geral você não sabe nada. Você é burra,
mulher. Você não lê jornal, não ouve rádio, nem tevê assiste. Bom, mas como eu
ia dizendo: a Madonna vem à nossa cidade. E faz um show. E aí eu vou assistir.
Você vai dizer que é impossível, que eu sou um pelado, que nunca poderia
comprar um ingresso para o show da Madonna. Você acha impossível eu ir a um
show da Madonna?
– Não
acho – a mulher colocou na mesa o pão e a manteiga.
– Bom,
então eu estou lá no show da Madonna, ela cantando e dançando, um tesão de
mulher. De repente, acontece uma coisa inesperada: o cenário começa a desabar.
Você acha impossível isto? O cenário desabar?
– Não
acho. - Ela colocou na xícara dele café e depois leite, bastante café e pouco
leite, como ele gostava.
– Aí
aquele pânico, e coisa e tal, e o empresário da Madonna aparece no palco e
grita: um carpinteiro, pelo amor de Deus! Um carpinteiro para arrumar o
cenário! E aí eu vou lá e arrumo o
cenário em cinco minutos. Você, claro, acha isto impossível.
– Não
acho – disse a mulher, colocando pão com manteiga no prato dele. Na verdade, o marido era um bom carpinteiro.
– E aí
Madonna me olha, e num instante ela está apaixonada por aquele cara musculoso,
simpático. E me convida para ir ao camarim dela depois do show. E aí eu vou, e
ela se atira nos meus braços, e nos tornamos amantes... Mas é claro que você
acha isto impossível. - A voz dele agora começava a se alterar. - Para você eu
nunca poderia ser amante da Madonna. Para você eu não passo de um pobretão, de
um fracassado. Com uma mulher como você, eu nunca poderia subir na vida. Nunca
poderei ser amante da Madonna. Porque,
claro, você acha isto impossível.
– Não
acho – disse ela. - Mas agora tome o café. Já é tarde, eu tenho mais o que
fazer.
Ele continuava
imóvel. Estava pensando numa coisa. Estava pensando em botar no quarto um retrato da Madonna. Bem grande. E com uma
linda moldura que, carpinteiro habilidoso, ele mesmo faria.
* * *
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Pedro