– PEDRO LUSO DE CARVALHO
DALTON
TREVISAN é o mais importante contista moderno, e um dos melhores escritores brasileiros desse gênero de todos os tempos. Sua trajetória de contista iniciou-se nos anos
60, época em que o conto passou a colocar-se como o gênero de preferência do
leitor brasileiro. Trevisan ainda se dedica exclusivamente ao conto. Outros
contistas de língua portuguesa importantes: Rubem Fonseca, Clarice Lispector e
Lygia Fagundes Telles. Estes, no entanto, não se dedicaram apenas ao conto.
No
Estado do Rio Grande do Sul destaca-se, como o seu melhor contista, dedicado
apenas a esse gênero literário, Sergio Faraco, com uma extensa obra de contos
da melhor qualidade, com reconhecimento não apenas no Brasil, mas também no
exterior, em especial em países da América do Sul.
Para Na
introdução de Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século, o crítico literário
Italo Moriconi disse que foi há cerca de cinco décadas que o conto se formatou
em uma narrativa de no máximo 20 a 25 páginas, deixando para trás as histórias
mais longas e caudalosas, que são classificadas como novelas.
Segue o
conto Três tiros na tarde, de Dalton Trevisan (in Trevisan, Dalton. A faca
no coração, 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1979, p. 53-55):
TRÊS TIROS NA TARDE
(Dalton Trevisan)
Primeiro
ela deitou uma droga no licor de ovo – a garganta em fogo, João correu para a
cozinha e tomou bastante leite. Depois ela misturou soda cáustica na loção de
cabelo, que lhe queimou as mãos. O vidro moído no caldo de feijão rangia-lhe os
dentes – e rolava no chão do banheiro, as entranhas fervendo.
Chaveados
no guarda-roupa o creme de barba, o talco, o perfume, João decidiu só comer na
companhia dos filhos – e se, para matá-lo, envenenasse Maria também os filhos?
Ele
dormia, cansado da viagem de negócio. Maria abriu o gás do aquecedor. Salvo
pelo menino, que bateu na porta:
– Pai,
acorde. Que cheiro é esse pai?
–
Esqueci o cigarro aceso.
Já
dormia em quarto separado. Ela recebia flores de antigos noivos. Fim de semana
viajou sozinha para aborto de um filho que não era dele.
– Os
dias que passei longe – anunciou para uma amiga – foram os melhores de minha
vida.
O pai de
João foi procurá-lo no escritório:
– Meu
filho, o que está esperando? Você quer morrer – é isso?
Sem
coragem de abandonar os meninos com aquela doida. Ou quem sabe amava a doida?
Na
poltrona da sala, o copo de uísque na mão, lia os programas dos cinemas:
– Que
filme gostaria de ver, Maria?
Um dos
guris brincando a seus pés no tapete.
– Para
você, querido.
Voltou-se
e recebeu os três tiros no rosto.
– Mãe,
por que a senhora fez isso? – e o piá limpava no pulôver branco a mãozinha
grudenta.
– Agora
não adianta mais.
Olho
arregalado, a sogra surgiu na porta:
– O meu
filho essa desgraçada matou.
Deitado
o seu menino no sofá de palhinha. Vertia sangue das feridas e pingava numa
bacia no chão.
– Tão
bonito. Nem tinha pelo no braço. No carnaval saiu de mulher. Ninguém
desconfiou.
De
joelho, a velha enxugava a sangueira no bigode:
– Por
que não dá o tiro de misericórdia?
Maria
virou-lhe as costas:
– Tirem
daqui essa louca.
Sozinha
no quarto, vestiu-se de vermelho, pintou o olho, enfeitou-se de brinco. Toda em
sossego sorria para o espelho.
* * *
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Pedro