– PEDRO LUSO DE CARVALHO
O. HENRY
foi o pseudônimo pelo qual William Sidney Porter, nascido em Greensboro,
Carolina do Norte, EUA, ficou conhecido como escritor. Nasceu a 11 de setembro
de 1862 e morreu a 5 de julho de 1910, em Nova York. Como perdeu seus pais
muito cedo, ainda criança, uma tia, professora num colégio particular,
encarregou-se de sua criação. Foi ela quem o encaminhou para a ficção. O seu
progresso nessa área foi notado em pouco tempo, com as histórias que escrevia;
histórias com finais inesperados e aprazíveis. Deixou a escola quanto contava
quinze anos de idade. A vida e os livros ensinaram-lhe o resto.
Acometido
pela tuberculose ao dezenove anos, abandonou seu emprego em uma farmácia e foi
viver no Texas, cujo clima quente ajudaria na recuperação da saúde. Nesse
rancho de criação de carneiros, converteu-se em competente domador de cavalos.
Cansado da vida rural, voltou à vida urbana, fixando residência em Austin,
Texas. Aí trabalhou num escritório de registro de terras. Em 1894, fundou o
Rolling Stones, um um jornal humorístico com tiragem semanal, que durou apenas
dois anos. Depois passou a assinar uma coluna com crônicas humorísticas no
Daily Post, de Houston.
Mais
tarde, jornalista e bancário, foi acusado de ter desviado mil dólares; tal
acusação, não ficou de todo confirmada, mas foi o suficiente para que se visse
compelido a deixar de escrever pra o Daily Post, por ser constantemente
molestado. Já casado e com uma filha, acabou deixando a família e fugindo para
Nova Orléans e depois para Trujjilo, Honduras. Passa então a viver como
foragido da justiça. Essa fuga transformou-se em verdadeira confissão do
ilícito penal, do qual era acusado, embora, para muitos, seu ato deveu-se
apenas ao temor que tinha da perseguição policial. Os biógrafos de O. Henry
divergem quanto a sua culpabilidade.
William
Sidney Porter (O. Henry) voltou aos Estados Unidos quando soube da grave doença
da esposa, que faleceu poucos dias depois de seu regresso. Depois de ter
deixado a filha aos cuidados da avó, entregou-se à polícia. A Justiça
condenou-o a cinco anos de prisão pelo crime de peculato. Após três anos e três
meses, teve a pena reduzida, e deixou a Penitenciária Federal de Ohio, em 1902.
Levou consigo, no entanto, a profunda marca de um sofrimento que duraria por
toda sua vida.
O
escritor escolheu para recomeçar sua vida a cidade de Nova York. As suas
histórias passaram a ter boa aceitação pelas revistas desse importante centro
cultural. Até o final de sua vida essa cidade passou a ser o centro de sua
inspiração. Viveu modestamente em quartos alugados, por algum tempo, perto
Madison Square e em Irving Place. Mais tarde, mudou-se para um apartamento, de
frente para a rua, com janelas que chegavam até o chão, permitindo-lhe observar
os transeuntes – inesgotável fonte de inspiração para muitas de suas histórias.
Como
vivia apenas com o que lhe pagavam por suas histórias, tinha uma produção muito
intensa para atender as exigências dos editores. Sua produção era de um conto
por semana, em média. No período que compreendeu os anos de 1902 a 910,
escreveu trezentos contos. Postumamente, foi publicado um livro de O. Henry que
reuniu toda a sua obra, que consistia em seiscentos contos completos.
Para os
que não conhecem o escritor, uma amostra de seu trabalho com o conto intitulado
Vinte anos depois, que integra o livro Histórias de O. Henry (In O. Henry.
Histórias de O. Henry. Tradução de Alzira Machado Kawal e José Paulo Paes. São
Paulo: Editora Cultrix, 1964, p. 83-86):
[ESPAÇO DO CONTO]
VINTE ANOS DEPOIS
(O. Henry)
VINTE ANOS DEPOIS
(O. Henry)
O
policial de serviço subiu a avenida, garbosamente. O garbo era-lhe habitual e
não ostensivo, já que havia por ali poucos transeuntes. Ainda não haviam soado
as dez horas da noite, mas lufadas de vento gélido e úmido tinham despovoado
prematuramente as ruas.
Experimentando
as portas à medida que caminhava; girando o bastão com movimentos complicados e
destros; voltando-se de vez em quando para inspecionar a avenida pacífica – o
policial, com sua figura imponente e afetada, dava bem a ideia de um guardião
da paz. O bairro era madrugador. Aqui e ali podiam-se ver as luzes de uma
tabacaria ou de um café, desses que permanecem abertos a noite toda; a maioria
das portas, porém, pertencia a lojas comerciais havia muito fechadas.
No meio
do caminho de certo quarteirão, o policial moderou subitamente o passo. Ao
portal sombrio de uma loja de ferragens, estava encostado um homem, com um
charuto apagado na boca. Ao aproximar-se o policial, disse-lhe subitamente:
– Está
tudo bem, seu guarda; espero um amigo. Um encontro marcado há vinte anos atrás.
Parece esquisito, não é? Pois bem, vou explicar o caso e verá que está tudo
legal. Naquele tempo, onde agora se encontra esta loja, havia um restaurante, o
restaurante de Big Joe.
–
Exatamente. Foi demolido há cinco anos – confirmou o guarda.
O homem
do portal riscou um fósforo e acendeu o charuto. A chama revelou um rosto
pálido, de queixo proeminente, olhos espertos e uma pequena cicatriz branca no
supercílio direito. O alfinete da gravata era um grande brilhante, curiosamente
engastado.
– Há
vinte anos, numa noite como esta – continuou o homem –, jantei com Big Joe e com
Jimmy Wells, meu maior amigo e o melhor camarada deste mundo. Ambos crescemos
em Nova Iorque, como irmãos; eu tinha dezoito anos, ele vinte. Na manhã
seguinte, eu devia embarcar para o Oeste, em busca de fortuna. Ninguém,
contudo, lograria arrancar Jimmy de Nova Iorque, pois ele considerava esta
cidade a melhor do mundo. Bem, combinamos, naquela ocasião, um encontro aqui,
exatamente vinte anos depois, independentemente das condições ou da distância
que tivéssemos de percorrer para cumprir o compromisso.. Imaginávamos que,
dentro de vinte anos, estaríamos com a vida feita e a fortuna consolidada,
quaisquer que fossem.
– Muito
interessante – retrucou o policial. – Todavia, parece-me que vinte anos é um
prazo um tanto longo, não acha? Teve notícias de seu amigo durante esse tempo?
– Bem,
de início nos correspondemos – respondeu o outro – mas, depois de um ano ou
dois, perdemos a pista um do outro. Como sabe, o Oeste é muito vasto e andei
sempre muito ocupado, pulando de cá para lá. Tenho a certeza, porém, de que
Jimmy, se estiver vivo, virá esta noite, pois sempre foi o sujeito mais correto
e leal do mundo. Jamais se esqueceria. Viajei mais de mil milhas para estar
hoje neste local e me darei por bem pago se ele aparecer.
O homem
consultou o relógio, cuja tampa era ornada de pequenos diamantes.
– Dez
para as dez – anunciou. – Separamo-nos exatamente às dez horas, na porta do
restaurante.
– O
Oeste foi-lhe propício, não? – indagou o policial.
– Nem me
diga! Espero que Jimmy tenha tido pelo menos a metade o êxito que tive. Era um
tanto bisonho, apesar de bom sujeito. Tive de competir com os malandros mais
finórios para cavar o meu quinhão. Em Nova Iorque, a gente fica entocado. Só o
Oeste consegue deixar a gente afiada.
O guarda
girou o bastão e deu alguns passos.
– Vou
anda – disse. – Espero que seu amigo venha. Vai esperá-lo muito tempo ainda?
– Acho
que sim – respondeu o outro. Vou dar-lhe um desconto de meia hora, pelo menos.
Se Jimmy estiver vivo, aparecerá logo mais. Até breve, guarda.
– Boa
noite – disse o policial, continuando com sua ronda e experimentando as portas
conforme se afastava.
Caía,
agora, um chuvisco gelado e as ocasionais rajadas haviam-se convertido numa
ventania constante. Os poucos transeuntes retardatários apertavam o passo,
silenciosos e friorentos, com a gola do casaco erguida e as mãos nos bolsos. À
porta da loja de ferragens, o homem que viajara mil milhas para comparecer a um
encontro, incerto e quiçá absurdo, com o amigo de mocidade, fumava seu charuto
e esperava.
Aguardou
vinte minutos e, então, um homem alto, enfiado até as orelhas num comprido,
sobretudo, atravessou apressadamente a rua. Dirigiu-se ao homem à espera.
– É
você, Bob? – indagou, em tom de dúvida.
– É você
Jimmy Wells? – exclamou o homem do portal.
– Por
Deus! – suspirou o recém-chegado, tomando entre as suas as mãos do outro. – É
Bob mesmo, no duro! Esperava encontrá-lo aqui se você ainda estivesse vivo.
Ora, ora, ora! Vinte anos é muito tempo. O velho restaurante se foi, Bob;
gostaria de que ainda existisse, para que pudéssemos jantar. Como foi de Oeste,
meu velho?
– Às mil
maravilhas! Lá encontrei tudo quanto esperava. Você mudou muito Jimmy. Nunca
pensei que você pudesse crescer tanto.
– Pois
olhe! Depois dos vinte, ainda cresci mais um pouco.
–
Dando-se bem em Nova Iorque, Jimmy?
– Assim,
assim. Tenho um bom emprego numa repartição municipal. Vamos, Bob; sei de um
lugar onde poderemos conversar longamente sobre os velhos tempos.
Os dois
se puseram a caminho, de braços dados. O homem do Oeste, seu egotismo
espicaçado pelo sucesso, começou a esboçar a história de seus êxitos. O outro,
enfiado no sobretudo, escutava com interesse.
Na
esquina, brilhavam as luzes de um café. Ao chegar à zona iluminada, os dois se
voltaram simultaneamente para se examinarem um ao outro.
O homem
o Oeste parou de súbito e retirou o braço.
– Você
não é Jimmy Wells – explodiu. Vinte anos é muito tempo, mas não é o bastante
para mudar um nariz romano em batatinha.
– Às
vezes, transforma um bom cidadão num mau – retorquiu o homem alto. – Você está
preso há já dez minutos, 'Silky Bob'. Chicago deseja conversar om você e nos
telefonou avisando de que talvez estivesse aqui. Vai ficar bonzinho, não vai?
Faz muito bem. Agora, antes de irmos até a delegacia, eis um bilhete que me
pediram que lhe entregasse. Pode lê-lo diante da janela. É do guarda Wells.
O homem
do Oeste desdobrou o papelzinho que lhe fora entregue. Sua mão, firme ao
começar a leitura, estava trêmula quando a terminou. O recado era curto:
“Bob:
compareci ao encontro na hora marcada. Quando você riscou o fósforo para
acender o charuto, reconheci a fisionomia do homem que Chicago procurava. De
qualquer maneira, não podia prendê-lo pessoalmente. Por isso, fui arranjar um
secreta para executar o serviço.
JIMM."
* * *
Pistas do Oeste! Grandes contos.
ResponderExcluirAbraço
É isso mesmo, Manuel Luis.
ExcluirUm abraço.
cotidiano americano cirurgico, melhor que ele, so J. Steimbeck
ResponderExcluirÉ verdade, Telma,dois grandes escritores americanos, O. Henry e John Steinbeck. Eu também acho o último melhor.
ExcluirObrigado pela visita.
Abraços.
Retrato fiel do cotidiano americano!
ResponderExcluirComo você diz, Telma, O. Henry soube explorar com maestria, em seus contos, o cotidiano estadunidense.
ExcluirAbraços.