por Pedro Luso de
Carvalho
No dia
21 de fevereiro de 1934, o escritor Humberto de Campos, membro da Academia
Brasileira de Letras, escreve uma crônica com o título: “O aniversário de
Coelho Neto”, que, nessa data, completava setenta anos, na qual diz que
Henrique Coelho Neto é o maior escritor do Brasil, e que “Pelo bico de sua pena
saiu um mundo para o mundo”.
Humberto de Campos faz, em sua crônica, um
apanhado da produção de Coelho Neto: mais de cem volumes de crônicas, de
romances, de conferências, de contos, de dramas, de comédias, de ensinamentos
cívicos, de discursos políticos e literários.; tudo isso realizado em menos de
meio século. Diz Campos, que, nessa altura da vida, “o assombroso trabalhador
se detém e estende os olhos cansados pela vastidão do caminho percorrido”. Coelho
Neto morreu justamente em 1934, ano em que Humberto de Campos comemora, com sua
crônica, os setenta anos de vida do escritor. Coelho Neto falece no dia 21 de
fevereiro.
Humberto de Campos não deixaria de passar em
branco o dia da morte de Coelho Neto, e escreve outra crônica, esta com este
título: “Coelho Neto”. Diz Campos, nessa crônica: “Dorme, desde ontem ao meio-
dia, no seio da terra, o meu querido Coelho Neto. E eu escrevo isto de olhos
enxutos. Há muitas semanas esperava a notícia terrível, do desenlace fatal. E,
ao recebê-la, chorei. Os soluços vieram-me à garganta, e explodiram. Sobreveio,
porém, a reflexão. A morte, comparada àquele resto de vida, era um bem, uma
esmola de Deus. E recolhi-me a pensar nele, a recordar a nossa estima de vinte
e dois anos, e que, durante esse período, não foi toldada jamais por uma
suspeita, não sofreu, nunca, um esmorecimento”.
Coelho Neto foi um dos membros fundadores da
Academia Brasileira de Letras. Em 1926, passou a presidir a A.B.L. Foi eleito
por seus contemporâneos “Principe dos prosadores brasileiros”.
Diz
Sergius Gonzaga, professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, em sua importante obra, Curso de Literatura Brasileira,
2004, que: “COELHO NETO (1864-1934) é o representante das correntes mais
acadêmicas e tradicionais da época, tendo recebido o título de príncipe dos
prosadores brasileiros em função do estilo pomposo e solene. Deixou uma obra
vastíssima, sendo O turbilhão (1906) e Rei negro ( 1914) seus romances mais
apreciados. A prolixidade e o gosto pelo exagero verbal terminaram por
obscurecer eventuais méritos de sua ficção”.
Vejamos, agora, mais alguns julgamentos, tanto
de críticos literários como de importantes escritores, sobre a obra deixada
pelo Príncipe dos prosadores brasileiros:
Machado de Assis: “É dos nossos primeiros romancistas, e, geralmente
falando, dos nossos primeiros escritores”. (A Semana, ed. Jackson, vol. II,
pág. 415.)
João Ribeiro: “Tenho para mim que Machado de Assis e Coelho Neto são os dois
novelistas mais perfeito da nossa literatura”. (O Imparcial, 25/2/1913.)
Humberto de Campos: “O Sr. Coelho Neto não é, em verdade, apenas um
escritor: é uma literatura”. (Crítica, 1ª série, pg. 85.)
Rui Barbosa: “Um dos mais consagrados representantes da nossa cultura”. (Carta a
Coelho Neto, em 18/11918.)
Martins Fontes: “O maior dos romancistas do Brasil em todos os
tempos, o autor de cento e dezoito livros vazados no ouro camoniano”. (Terras
da fantasia.)
Luís Murat: “Eu admiro esse trabalhador indefesso e, pondo de parte a íntima
amizade que nos une, tenho-o como o nosso primeiro romancista”. (Diário de
Notícias, 11/8/1899.)
Júlio Dantas: “Foi um dos mais assombrosos gênios verbais de que se orgulhou, em
todos os tempos, a língua portuguesa”. (Discurso na Academia Brasileira de
Letras, em 9/8/1941.)
João do Rio: “Coelho Neto é no Brasil o que Rudyard Kipling é na Inglaterra: o
homem que joga com maior número de palavras”. (O Momento Literário.)
Péricles de Morais: “O maior escritor brasileiro de todos os tempos”
(Carta a Paulo Coelho Neto, em 27/11/1941.)
Nestor Vítor: “Não conheço na literatura brasileira outro que lhe seja superior na
faculdade de expressão”. (A Crítica de Ontem.)
João Neves da Fontoura: “Discutido, louvado e agredido, ele se fez o mestre
da primeira leva de homens de letra da República, que lhe deferiu, como um
paradoxo do regime, o principado dos prosadores nacionais”. (Elogio de Coelho
Neto.)
Augusto de Lima: “Nenhum outro escritor nacional, poeta ou prosador,
romancista, teatrólogo ou ensaísta de qualquer gênero logrou a irradiação
literária do seu nome no estrangeiro”. (Discurso no Instituto Nacional de
Música, 21/6/1928.)
Phileas Lebesgue: “Possui ele a graça na fantasia, a exatidão na
abundância e as suas descrições só pode comparar-se às de Ramayana, pela
riqueza luxuriante da cor e da vida que as banha”. (Mercure de France.)
Sílvio Romero: “Mont'Alverne, Sales Tôrres Homem, Justiniano da
Rocha, Gonçalves Dias, João Francisco Lisboa, José de Alencar, Quintino
Bocaiúva, Machado de Assis, Tobias Barreto, Ferreira de Araújo, Joaquim Nabuco,
Carlos de Laet, José do Patrocínio, Raul Pompéia, e Coelho Neto. São os nomes
dos dezesseis laureados do estilo em nossa terra. Como se está a ver, estão aí
em ordem cronológica e enchem o século, a começar em Frei Francisco de
Mont'Alverne, o mais fraco em fulgores de forma, até Coelho Neto, o mais
imaginoso de todos”. (Evolução dos Gêneros na Literatura Brasileira.)
Josué Montelo: “Coelho Neto continua, no silêncio do seu túmulo
muito mais vivo do que os vivos que se comprazem em passar-lhe atestado de
óbito literário”.
Brito Broca: “Quanto a mim, terei alcançado o meu objetivo neste estudo esquemático
e despretensioso, em que me esforcei por ser estritamente imparcial, se puder
concorrer para que leiam Coelho Neto os que pretenderem doutrinar sobre ele”.
(“Coelho Neto Romancista” em O Romance Brasileiro, pág. 243).)
Alceu Amoroso Lima: “Sua língua de opulência enorme, sua imaginação
realmente vivíssima, sua capacidade de narrativa extremamente expressiva,
fizeram de Coelho Neto um escritor que, combatido a fundo pelos modernistas, há
trinta anos passados, hoje ressurge do olvido e recomeça a interessar as novas
gerações”. (Quadro Sintético da Literatura Brasileira, pág. 61.)
Jorge Amado: “Como todos os escritores de obra numerosa, foi desigual. Tem coisas
excelentes – como A Conquista – e outras de importância secundária”. (Enq. De
'Última Hora, em 225/91956.)
Henrique COELHO NETO nasceu em
Caxias, Maranhão, em 21 de fevereiro, de 1864, e morreu no dia 28 de novembro e
1934, no Rio de Janeiro.
Suas
obras mais conhecidas: A capital federal (1893), Miragem (1895), Sertão (1896),
Inverno em flor (1897), A conquista (1899), A tormenta (1901), O turbilhão
(1906), Rei negro (1914), Mano (1929), Fogo fátuo, (1930).
Segue um trecho de Fogo fátuo, romance
de Coelho Neto:
[ESPAÇO DO ROMANCE]
FOGO FÁTUO [Fragmento]
(Coelho Neto)
Bivar
partira para Paris, como correspondente de A Cidade do Rio, e Anselmo, que
residia com ele na sala da frente de uma casa assobradada, na Rua do Riachuelo,
pensou em regressar à natureza para praticar a regra de Rousseau, refugiando-se
em um cantinho quieto, com árvores de sombra, som de água e vista sobre montes,
como gozara no chalé do Andaraí. Mas como os plantões o retinham até as tantas
à atulhada mesa da redação de O Diário, onde se empilhavam telegramas e notas
policiais da última hora, que tudo ele redigia, interpretando, traduzindo,
escoimando, força lhe foi optar por um casarão de cômodos na Rua do Lavradio.
Era um
velho prédio maciço, de aspecto senhorial, com um portão de carro imenso, de
ombreiras de granito e sólidos batentes de pérolas com almofadas.
No sombrio saguão, lajeado à maneira de
claustro e aprofundado em túnel, abrindo sobre um terreno que fora, em tempo
velho, jardim pomareiro de árvores raquíticas, uma escada em dois lances, de
largos degraus esgaçados, com balaustrada de bojudas colunas, levava ao andar
superior, cuja frente, primitivamente tomada por dois amplos salões de tetos
ricos, de estuque, com painéis floridos, fora esquartejada em divisões de
tabique, que eram sedes de sociedades políticas, literárias e beneficentes,
cujos escudos e emblemas empastelavam as sacadas, híspidas de mastros.
O andar
térreo, ao qual se chegava atravessando o negror e a frialdade do túnel era o
seco, esmarrido jardim, que ainda conservava vestígios de canteiros, beirados
de fundos de botijas, tufados de matos hirsuto e sujo.
As moradias em renque, de porta e janela e, no
interior, saleta e quarto, pareciam achaparrar-se ao peso do sobrado de janelas
largas, sempre colgadas de roupas, que trapejavam estabanadamente ao vento.
REFERÊNCIAS:
CAMPOS, Humberto de. Sepultando os meus mortos. Obra póstuma. Rio de
Janeiro: W.M. Jackson Inc., 1941, p. 21, 29.
GONZAGA, Sergius. Curso de Literatura Brasileira. 1ª ed. Porto Alegre:
Leitura XXI, 20004, p. 268.
FARIA, Octavio. Coelho Neto. Rio de Janeiro: Agir, 1958, p. 49-50,
126-129.
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