- PEDRO LUSO DE CARVALHO
Na
primeira parte deste trabalho discorri sobre Gli indifferenti (Os
indiferentes), o primeiro romance de Alberto Moravia, escrito quando
o escritor ainda estava de cama, doente, e que foi concluido em 1925,
cuja publicação deu-se somente em 1929, quando contava vinte e um
anos de idade. Disse também que “Gli indifferenti” foi um dos
maiores êxitos de toda a moderna literatura italiana; e que o New
York Times disse que Moravia era “um dos escritores
contemporâneos verdadeiramente importantes, tão imparcial,
observador, nada sentimental, e humano como Stendhal.”
Também
fiz referência à peça La Mascherata, escrita por Moravia em
Capri, no ano de 1940, obra que foi censurada pelo Ministério da
Cultura de Mussolini; e que em seguida o líder fascista – Duce,
como era conhecido - autorizou a sua publicação, e que, decorrido
apenas um mês, o livro foi retirado de circulação, e só voltou às
livrarias depois da Libertação, em 1945. Agora, saindo dessas duas
obras - o primeiro romance e a primeira peça para o teatro -, o
enfoque será o cinema.
Para
o cinema, o pouco que escreveu não lhe agradou. Maravia pergunta-se:
“até que ponto permitirá o cinema a expressão plena?” Diz que
“a câmara é um instrumento menos completo que a pena, mesmo que
nas mãos de Eisenstein. Jamais poderá exprimir tudo aquilo,
digamos, que Proust era capaz de fazê-lo”. Mas admite ser o cinema
espetacular, transbordando de vida.
Para
Moravia, o trabalho para o cinema não é inteiramente penoso, mas é
exaustivo. Para ele, quem escreve para o cinema não passa de um
homem-ideia, ou um cenarista; não passa de um subalterno. Não sente
satisfação em escrever para o cinema – o nome do escritor não
aparece sequer nos cartazes, depois de executar uma tarefa amarga.
Depois,
Moravia fala do cinema como arte impura: “todo o processo não
passa de cortar e deixar secar. A inspiração da gente torna-se
rançosa, quando se trabalha no cinema – e, o que é pior ainda, a
mente da gente se acostuma para sempre a procurar truques e, ao
fazê-lo, acaba por arruinar-se, por destruir-se.” Para Moravia,
escrever para o cinema sequer vale o que é pago ao escritor, a menos
que necessite do dinheiro.
Esse
tratamento que o cinema dispensa ao escritor, cujo trabalho é
recebido com certo descaso, como se queixa Moravia, não se trata de
um caso isolado, ao contrário, ao longo do tempo foi uma constante,
como se vê por alguns exemplos dignos de registro. Um desses
registros é feito pela escritora norte-americana Dorothy Parker, que
também escreveu para o cinema, em entevista que concedeu à The
Paris Review, em Nova York:
“O
dinheiro de Hollywood não é dinheiro – diz Parker. É neve
congelada, derrete em sua mão, e você fica na mesma. Não posso
falar de Hollywood. Foi um horror para mim, e é um horror olhar para
trás. Não consigo compreender como pude aguentar. Quando saí de
lá, não conseguia nem me referir ao lugar pelo nome. “Lá”, eu
falava”.
Dorothy
Parker diz mais sobre sua relação com o cinema, quando a
entrevistadora pergunta se Hollywood destrói o talento do artista:
“Não, não. Acho que ninguém no mundo baixa o nível do que
escreve. Mesmo que produzam lixo – diz Parker -, os escritores de
Hollywood não baixam o nível. Aquilo é o máximo que podem dar. Se
você vai escrever, não finja que baixou o nível. Vai ser o melhor
que você pode fazer, e é isso que mata.”
Na
sua fala sobre a precária situação do escritor que escreve para o
cinema, Dorothy Parker, além de falar de seu caso pessoal, cita o
que se passou nesse tipo de relacionamento com o célebre Scott
Fitzgerald, e diz que o mal de Hollywood são as pessoas – e
acrescenta: “Como o diretor que põe o dedo na cara de Fitzgerald e
reclama: 'Eu paguei. Então, você precisa nos pagar'”. Parker diz
que foi terrível com Scott; “se você o visse, ficaria doente”.
Diz que quando o autor de The Great Gatsby (O grande Gatsby) morreu
“ninguém foi ao seu enterro, nenhuma alma, sequer mandaram uma
flor. (...) Foi nojento o que fizeram com Scott”.
Depois
desses exemplos de desconsideração para com o escritor, pela Sétima
Arte, o tema sobre Alberto Moravia, é retomado, deixando o cinema e
retornando à Literatura. Outro livro famoso de Moravia, o romance La
Romana, que se destinava ao gênero conto, que não passaria de
quatro páginas, quando Moravia começou a escrevê-lo, em 1º de
novembro de 1945. Passado alguns meses sentiu que se tratava de um
romance, e quando o personagem da história fugiu de seu controle,
sentiu que a inspiração não era autêntica.
E
essa mudança ocorreu porque Moravia não se valeu de notas para
escrever La Romana. Aliás, o escritor nunca se valeu de anotações
para escrever suas obras, o fazia de antemão. “Confio na
inspiração, que, às vezes, vem e, às vezes, não. Mas não fico
sentado à espera dela. Trabalho todos os dias”.
A
história de La Romana deveu-se a uma mulher chamada Adriana, que o
escritor conheceu, e que lhe inspirou; nada mais além da inspiração,
pois, como disse o escritor, a viu apenas uma vez; então, imaginou
tudo, inventou tudo. Moravia escreveu esse livro duas vezes, depois,
numa terceira vez, trabalhou o livro de forma minuciosa, com muito
cuidado, até o momento em que ficou satisfeito com a obra. A
personagem Adriana tornou-se uma das melhores, dentre as personagens
que criou.
Segue
um trecho do romance de Moravia, La Romana:
[...]
Já outras vezes tinha reparado que a cama ficava encostada numa
porta de comunicação com o quarto ao lado. Assim que apaguei a luz,
vi que os dois batentes da porta estavam separados e deixavam filtrar
uma fresta vertical de luz. Levantei-me nos cotovelos sobre o
travesseiro, meti a cabeça entre os arabescos de ferro batido da
cabeceira da cama e colei o olho na fresta. Não era curiosidade,
pois já sabia o que poderia ver e ouvir, mas sim o medo dos meus
pensamentos e da solidão que me levavam a procurar, embora
espionando, companhia do quarto ao lado. Mas por um bom pedaço, não
vi ninguém. Diante da fresta havia uma mesa redonda; a luz do lustre
caia do alto sobre a mesa. Atrás da qual, numa sombra fechada
entrevia o reflexo de um espelho de armário. Porém, ouvia vozes:
eram as conversas de sempre, que já conhecia de cor, as perguntas
costumeiras sobre a cidade natal, a idade, o nome. A voz da mulher
era tranquila e reticente, a do homem, apressada e ansiosa. Falavam
num canto do quarto, talvez já estivessem na cama [...]”
Para
acessar a primeira parte deste trabalho, basta clicar em ALBERTO
MORAVIA & Sua Obra – Parte I.
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REFERÊNCIAS:
COWLEY,
Malcolm. Escritores em ação. Tradução de Brenno Silveira. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982 p. 84-90.
PLIMPTON.
George. Escritoras e a arte da escrita. The, Paris Review. Tradução
de Maria Ignez Duque Estrada. Rio de Janeiro: Gryphus, 2001, p.
87-88.
MORAVIA.
Alfredo. A Romana. Tradução de Maria Colasanti. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1972, p. 361.
* * *
Novamente tenho a grata ocasião de ser apresentada a um escritor do qual só tinha ouvido falar ao longe. Nunca havia me despertado a curiosidade,como agora, depois de tua descrição.
ResponderExcluirCuriosamente tbém foi aqui que li sobre Parker e as alusões coincidentes sobre a meca do cinema e seus bastidores.
Cada vez que que verdadeiras celebridades são trazidas à cena, mais se tributa o real valor que essa palavra tem.
Uma ótima semana.
Calu
Caro Pedro,
ResponderExcluiro escrever "para o cinema" tão penoso para esses gênios da literatura têm um paralelo com as nossas vidas. Afinal quem não trabalha só por dinheiro? Ninguém faz só o que gosta.
Mas voltando ao tema, o Morávia escrevia bem demais nao é?
Parabéns por mais essa valiosa contribuição para a cultura!
Um grande abraço
Seja bem-vindo Antônio.
ExcluirÉ uma honra para mim receber a visita e o comentário do talentoso Artista Plástico, que, com sua arte, cria marinas fantásticas.
Um grande abraço amigo Antônio.
Há muitos muitos anos, li este grande autor.
ResponderExcluirSó sei que o nome me ficou, como tal.
Saudações poéticas!