– PEDRO
LUSO DE CARVALHO
O livro de
Jorge Luis Borges, Esse ofício
do verso,
organizado por Calin-Andrei Mihailescu e traduzido por José Marcos
Macedo, foi lançado pela Companhia Das Letras, em 2007 (em 2ª
reimpressão). Esse ofício
do verso
está dividido em 6 partes, quais
sejam: 1) O enigma
da poesia,
2) A metáfora,
3) O narrar
uma história,
4) Música da palavra
e tradução,
5) Pensamento e poesia,
e 6) O credo
de um poeta.
No 1º capítulo dessa obra, O enigma
da poesia,
diz Borges [trecho]:
“A verdade é que não tenho revelações a
oferecer. Passei minha vida lendo, analisando, escrevendo (ou
treinando minha mão na escrita) e desfrutando. “Sorvendo” a
poesia, cheguei a uma derradeira conclusão sobre ela. De fato, toda
vez que me deparo com uma página em branco, sinto que tenho que
redescobrir a literatura para mim mesmo. Mas o passado não é de
valia alguma para mim. Assim, como disse, tenho apenas minhas
perplexidades a lhes oferecer. Estou perto dos setenta. Dediquei a
maior parte de minha vida à literatura, e só posso lhes oferecer
dúvidas”.
Sobre a Metáfora, 2º capítulo, escreve Borges
[trecho do segundo capítulo]:
“O poeta argentino Langones, lá pelos idos de
1909, escreveu pensar que os poetas estavam usando sempre as mesmas
metáforas e que tentaria treinar a mão descobrindo novas metáforas
para a lua. Disse também, no prefácio a um livro chamado 'Lunario
sentimental', que cada palavra é uma metáfora morta. Essa
declaração, claro, é uma metáfora. Mas acho que todos sentimos a
diferença entre metáforas mortas e vivas. Se pegarmos qualquer bom
dicionário etmológico (estou pensando em meu velho amigo ignorado,
Dr. Skeat) e se procurarmos uma palavra qualquer, na certa
encontraremos uma metáfora enfurnada em alguma parte”.
No capítulo 3º da obra, Esse
ofício
do verso,
qual seja, O
narrar
uma história,
escolhi os três trechos que seguem:
“Ao consideramos o romance e a épica somos
tentados a pensar que a diferença principal está na diferença
entre verso e prosa, entre cantar algo e enunciar algo. Mas acho que
há uma diferença maior. A diferença está no fato de que o
importante na épica é o herói – o homem que é um modelo para
todos os homens. Ao passo que a essência da maioria dos romances,
como salientou Mencken, reside na aniquilação de um homem, na
degeneração do caráter".
Prossegue Borges, em O
narrar
de uma
história:
“Isso nos leva a outra questão: O que pensamos
da vitória e da derrota? Quando se fala hoje em dia num final feliz,
as pessoas consideram-no um simples concessão ao público ou uma
estratégia comercial; consideram-no artificial. Mas por séculos os
homens puderam acreditar sinceramente na felicidade e na vitória,
embora percebessem a dignidade intrínseca da derrota. Por exemplo,
quando se escrevia sobre o Velocino de Ouro (uma das velhas histórias
da humanidade), leitores e ouvintes sabiam desde o início que o
tesouro seria encontrado no final”.
Ainda sobre o capítulo O
narrar
de uma
história:
“Bem, hoje em dia, se alguém empreende uma
aventura, sabemos que terminará em fracasso. Quando lemos – penso
num exemplo que admiro – The Aspern papers, sabemos que os papéis
jamais serão encontrados. Quando lemos O Castelo de Franz Kafka,
sabemos que o homem jamais ingressará no castelo. Ou seja, não
podemos realmente acreditar em felicidade e sucesso. E isso talvez
seja uma das pobrezas de nosso tempo. Suponho que Kafka tenha sentido
algo bem parecido quando quis que seus livros fossem destruídos:
queria na verdade escrever um livro feliz e triunfante, e sentiu que
não podia fazê-lo. Ele poderia tê-lo feito, é claro, mas as
pessoas teriam percebido que ele não estava dizendo a verdade. Não
a verdade dos fatos, mas a verdade dos seus sonhos”.
Segue um trecho do 4º capítulo, Música
da palavra
e tradução,
dessa obra de Borges:
“Portanto, acho que a idéia de uma tradução
literal proveio da tradução da Bíblia. Esse é apenas um palpite
(imagino que haja aqui muitos especialistas que podem me corrigir se
eu estiver errado), mas acho ser altamente provável. Quando as
traduções bastante idôneas da Bíblia foram empreendidas,
começou-se a sentir que havia uma beleza nos modos alheios de
expressão. Agora todos têm muito gosto por traduções literais,
porque uma tradução literal sempre nos dá aquelas pequenas
sacudidelas de surpresa pelas quais esperamos. De fato, pode-se dizer
que não se precisa de original algum. Dia virá, talvez, em que a
tradução será considerada como algo em si mesmo. Podemos pensar
nos Sonnets from the Portuguese de Elizabeth Barrett Browning”.
Vejamos um trecho do que Borges escreve no 5º
capítulo do livro
Esse ofício
do verso,
intitulado Pensamento e poesia:
“Há versos, é claro, que são belos e sem
sentido. Porém ainda assim têm um sentido – não para a razão,
mas para a imaginação. Permitam-me tomar um exemplo bem simples:
two red roses across the moon (Duas rosa vermelhas atravessadas na
lua). Aqui talvez se diga que o significado é a imagem conferida
pelas palavras; mas para mim, pelo menos, não há imagem definida.
Há um prazer nas palavras e, claro, na cadência das palavras, na
música das palavras. E tomemos outro exemplo de William Moris:
Therefore, said fair Yoland of the flowers (fair Yoland é um bruxa),
This in the tune of Seven Towers ['Portanto', disse a bela Yoland das
flores, 'esta é a música das Sete Torres']. Estes versos foram
destacados do contexto, e ainda assim acho que subsistem”.
.Em trecho do 6º capítulo do
livro Esse ofício
do verso,
qual seja, O credo
de um poeta,
assim se expressa Borges:
“Meu propósito era falar sobre o credo do
poeta, mas, olhando para mim, descobri que tenho apenas um tipo
claudicante de credo. Esse credo talvez possa ser útil para mim, mas
dificilmente é para os outros. Aliás, acho que todas as teorias
práticas são meras ferramentas para escrever um poema. Suponho que
haja tantos credos, tantas religiões, quantos são os poetas. Embora
no final eu diga algo sobre os meus gostos e desgostos no tocante à
escrita da poesia, acho que vou começar com algumas memórias
pessoais, não só de escritor, mas também de leitor. Tenho para mim
que sou essencialmente um leitor. Como sabem, eu me aventurei na
escrita; mas acho que o que li é muito mais importante que o que
escrevi. Pois a pessoa lê o que gosta – porém não escreve o que
gostaria de escrever, mas sim o que é capaz de escrever”.
* * *
Pedro Luso de Carvalho
ResponderExcluirgrande postagem leio hoje em seu espaço cultural, pois ler e conhecer mais um pouco do escritor Jorge Luis Borges, é viver a pura poesia que conhecemos dele,
Efigênia Coutinho
Muito bom você divulgar textos tão interessantes de Borges. São ideias que deveriam ser conhecidas por todos, porque são formadoras de uma poética.
ResponderExcluirAbraços.
Por mais que se leia e releia Borges, sempre se volta ao mesmo ponto, como se girássemos em torno de um círculo. "As ruínas circulares", aliás, é um dos títulos intrigantes de Borges. No centro está o homem, mas o homem é uma matáfora. No centro está a arte, mas a própria arte é uma metáfora. O próprio universo é uma metáfora. Existimos? Enquanto metáforas.
ResponderExcluirÉ bom ler Borges. Como exercício de admiração e de aniquilamento. Enquanto nos aniquilamos, saímos muito maiores.
Abraço grande, Pedro.
Jorge Luis Borges é intrigante. Instigante. Nos faz pensar.
ResponderExcluirUm abraço,
Nivia
Excelente texto cultural.
ResponderExcluirGostei de ler, pois fiquei
a saber algo mais sobre
Luis Borges.
Parabéns
Um grande abraço
Alvaro Oliveira
Pedrão Amigo
ResponderExcluirA vida é uma coisa simultaneamente simples e complicada. Leio esta tua excelente postagem sobre Jorge Luis Borges Borges, antecedida por uma outra a respeito do nosso Pessoa, igualmente magnífica, e não posso deixar de alinhavar este comentário.
Em Fevereiro de 1982 encontrei-me com Borges, na sua casa de Genebra. Kodoma, sua antiga secretária e já então mulher, abriu-me a porta e levou-me até ao escritório, onde o poeta argentino se encontrava ouvindo música. Uma selecção de tangos, cantados pelo Gardel, segundo me explicou depois.
Tinham-no informado de que eu um jornalista português e, poucos minutos depois, dizia-me que tinha ascendência lusa. O seu bisavô, Francisco, nascido em Torre de Moncorvo, Bragança, Trás-os-Montes, em 1770, emigrara para a Argentina e aí casara com Cármen Lanifur. Eu, um tanto embasbacado, registei.
Falámos mais de duas horas, em castelhano. A esposa já o tinha informado que eu dominava a língua de Cervantes. Desde as enciclopédias, de que era um amante, como acentuou, até às saudades da sua Buenos Aires.
Eu tentava acompanhá-lo, porem estava cada vez mais impressionado com aquele homem que cegara, mas que ainda vira o Citizen Kane, do qual, aliás, fizera crítica. Orson Welles era o maior da pantalla.
Não quis abordar o abraço a Pinochet – que o terá impedido de ganhar o Nobel – mas quando lhe perguntei se achava que era o maior poeta argentino, sorriu-me, deu uma gargalhadinha, e respondeu que a el no le debía poner la cuestión esa. Tinha eu que preguntarla a quienes lo habían dicho.
Pronto, aqui fica o testemunho que me suscitou este teu trabalho, pelo qual te felicito.
E, agora, uma pergunta: quando voltas à Minha Travessa? Quando deixas um outro cumentário, com o? Quando vais ver os dois textos que ali postei recentemente e que poderão fazer parte de uma «coisa», que muito bem poderá ser uma novela ou, mesmo, um romance? Tenho saudades tuas, melhor, vossas. Fico à espera.
Abs
Caro amigo Pedro
ResponderExcluirTenho andado em falta consigo, sim. Muito obrigado pela visita ao meu humilde blogue, o que considerei como um enorme privilégio. Passarei com mais assiduidade.
Hoje passo simplesmente para desejar:
PÁSCOA FELIZ.
Um grande abraço.
António
aqui chegeui pesquisando sobre o livro de Borges.
ResponderExcluire me deparo com este excelente esapaço criado por vc e enriquecido por comentários muito bons.
pretendo segui voltando;0
Abraços
Beatriz
Conheço muito pouco de Borges, Pedro, pouquíssimo, mas gostei muito de seus pensamentos sobre a poesia, o escritor, a literatura, pincelados aqui.
ResponderExcluirPorém, deixo-te um poema que considero um dos melhores que li até hoje e que certamente está em minha lista de preferidos:
As coisas
Jorge Luis Borges
A bengala, as moedas, o chaveiro,
A dócil fechadura, as tardias
Notas que não lerão os poucos dias
Que me restam, os naipes e o tabuleiro.
Um livro e em suas páginas a seca
Violeta, monumento de uma tarde
Sem dúvida inesquecível e já esquecida,
O rubro espelho ocidental em que arde
Uma ilusória aurora. Quantas coisas,
Limas, umbrais, atlas, taças, cravos,
Nos servem como tácitos escravos,
Cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão para além de nosso esquecimento;
Nunca saberão que nos fomos num momento.
("Elogio da Sombra", Editora Globo/MEC - Porto Alegre, 1971, pág. 24 (tradução de Carlos Nejar e Alfredo Jacques; revisão da tradução: Maria Carolina de Araújo e Jorge Schwartz).
Estou gostando muito de vir aqui, há muito para se aprender, meu amigo, como é bom encontrar um espaço assim dedicado à literatura.
Um abraço.