1 de jun. de 2017

[Ensaio] PEDRO LUSO – Sobre Amizade


     – PEDRO LUSO DE CARVALHO
Desde minha infância ouço pessoas dizerem, aqui e ali, que mais vale um amigo que mil parentes. Por outro lado, tenho ouvido, de uma ou de outra pessoa, a afirmação da existência de amizade entre pais e filhos; pouco ouvi, no entanto, falarem sobre a amizade entre irmãos, como coisa comum. Por esse enunciado, fica-se sabendo que o tema do qual trataremos é sobre a amizade, entre: a) pessoas sem vínculo de parentesco; b) pais e filhos; c) irmãos.
Os nossos primeiros amigos são formados na infância, e, de muitos deles, só nos separamos com a distância ou com a morte. Nessa fase da vida formamos amigos para com eles compartilharmos as brincadeiras próprias da idade, as disputas saudáveis nos esportes etc. Também na adolescência sentimos a necessidade de amigos para contarmos nossas aventuras amorosas, para termos dos amigos a confirmação ou não, de estarmos agindo da maneira certa, como, por exemplo, nas tentativas de aproximação de quem pretendemos namorar, ou apenas ‘ficar’, como se diz modernamente. Também o adolescente – homem ou mulher – necessita de amigos para falar de suas aspirações e de seus projetos; de seus amores e de suas decepções amorosas. Passadas essas duas fases – infância e adolescência –, tornam-se pessoas adultas, com família constituída ou não, com profissão para dedicar-se, sobrecarregada de compromissos, os amigos parecem ser ainda imprescindíveis, tanto que ali estão eles, os amigos formados na idade adulta, ou aqueles vindos da infância ou da adolescência.
O escritor Carlos Fuentes diz em seu livro Este é meu credo, no ensaio que faz sobre amizade:
Aquilo que não temos, encontramos no amigo. Acredito nesse benefício e o cultivo desde a infância. Nisso, não sou diferente da maioria dos seres humanos. A amizade é o grande elo inicial entre o lar e o mundo. O lar feliz ou infeliz é a aula de nossa sabedoria original, mas a amizade é a sua prova. O que recebemos da família, confirmamos na amizade. As variações, discrepâncias ou semelhanças entre a família e os amigos determinam as rotas contraditórias de nossa vida. Embora amemos nosso lar, todos passamos pelo momento inquieto ou instável do abandono (embora o amemos, embora nele permaneçamos). O abandono do lar só tem a recompensa da amizade. Mais ainda: sem a amizade externa, a morada interna desmoronaria. A amizade não disputa com a família os inícios da vida: ela os confirma, garante e prolonga. A amizade abre caminho aos sentimentos que só podem crescer fora do lar. Encerrados na casa da família, murchariam como flores sem água. Aberta as portas da casa, descobrimos formas de amor que irmanam o lar e o mundo. Essa formas se chamam amizades.
Carlos Fuentes diz que “a amizade não disputa com a família os inícios da vida: ela os confirma, garante e prolonga”. O escritor acrescenta que a “amizade abre caminho aos sentimentos que só podem crescer fora do lar”. Daí não se poder dizer que possa existir amizade entre pais e filhos, como ocorre com pessoas sem esse vínculo de sangue, que conhecemos fora do lar. Michel de Montaigne, filósofo francês, da predileção de Jean-Paul Sartre, num dos capítulos dos seus Ensaios, fala sobre o tema, com o título: Da amizade. Diz Montaigne:
Nas relações entre pais e filhos é mais o respeito que domina. A amizade nutre-se de comunicação, a qual não pode estabelecer-se nesse domínio em virtude da grande diferença que entre eles existe, de todos os pontos de vista; a esse intercâmbio de ideias e emoções poderia por vezes chocar os deveres recíprocos que a natureza lhes impôs, pois se todos os pensamentos íntimos dos pais se comunicassem aos filhos, ocorreria entre eles familiaridades inconvenientes. Mais ainda: não podem os filhos dar conselhos ou formular censuras a seus pais, o que é, entretanto, uma das primeiras obrigações da amizade.
No tocante à amizade entre irmãos a situação é semelhante à dos pais, com algumas variantes; não pelo respeito que domina nesse caso a relação entre pai e filho, ou por sentimentos nobres; ao contrário, sentimentos vis, muitas vezes, como é o caso da inveja, que, sendo desmedida, logo se têm como coadjuvante o ódio e, como consequência, a traição com as suas formas mais sórdidas; e, como o ódio do qual essas pessoas ficam impregnadas, logo se vê a prática de injustiças contra o irmão; atos que demonstram não só a discórdia, mas também um sentimento de destruição do outro, embora nem sempre consciente; sente-se isso quando se vê irmãos invejosos colocarem barreiras no relacionamento entre o irmão e seus pais, quando querem alijá-lo da família, cuja explicação seria óbvia e fácil para a psicologia.
Trazemos novamente o ensinamento de Michel de Montaigne, agora a respeito da relação entre irmãos:
É, em verdade, um belo nome e digno da maior afeição o nome de irmão; e por isso La Boétie e eu o empregamos quando nos tornamos amigos; mas na realidade, a comunidade de interesses, a partilha de bens, a pobreza de um como consequência da riqueza de outro, destemperam consideravelmente a união formal. Em devendo os irmãos, para vencer neste mundo, seguir o mesmo caminho, andar com passo igual, inevitável se torna que se choquem amiúde. Mais ainda: é a correspondência dos gostos que engendra essas verdadeiras e perfeitas amizades e não há razão para que ela se verifique entre pai e filho, ou entre irmãos, os quais podem ter gostos totalmente diferentes.
Voltemos ao tema, qual seja, a amizade – tema que não inclui pais, filhos e tampouco irmãos – com este trecho de Carlos Fuentes, in Este é meu credo, como segue:
Que sempre falta descobrir mais do que já existe. Que a amizade se colhe porque se cultiva. Que ninguém faz amigos sem fazer inimigos, mas que inimigo algum jamais alcançará a altura de um amigo. Que a amizade é uma forma de discrição: não admite a maledicência que maldiz àquela que a diz, nem a fofoca que transforma tudo em lixo. Amizade é confiança. (É mais vergonhoso desconfiar dos amigos do que enganá-los, escreveu La Rochefoucauld.) Que a amizade, para ser próxima, mostra-nos o caminho do respeito e da distância, embora a amizade permita amar e detestar as mesmas coisas.
Vejamos a lição que Carlos Fuentes aprendeu com seu dileto amigo, um dos gênios do cinema, o mexicano Luis Buñuel:
Digo ‘naturalidade passiva’ e me ocorre que, sendo o diálogo uma das celebrações da amizade, o silêncio também pode sê-lo. É um ensinamento de minha amizade com Luis Buñuel. A princípio, pensei que suas lacunas durante uma conversa geralmente muito animada fossem falha minha, e uma censura da parte dele. Aprendi que saber estar juntos sem dizer nada era uma forma superior de amizade. Era respeito. Era reverência. Era reflexão, oposta ao simples tagarelar. Não somos, instantaneamente, conversadores. Seremos, instantaneamente, filósofos... Não eram estoicos Sêneca e Manolete, ambos de Córdoba?
Embora alguns pais, orgulhosos de seus filhos, afirmem que eles são seus amigos, as lições de Fuentes e de Montaigne dizem o contrário: amigos se fazem fora do lar – os pais não serão amigos dos filhos. As amizades formam-se na escola, nos clubes, nas festas, sem a presença de quaisquer sentimentos de autoridade – autoridade que os pais usam para formar seus filhos para o mundo. O certo é que filhos criados com esmero e responsabilidade, provavelmente farão bons amigos ao longo de suas vidas.


REFERÊNCIAS:
FUENTES, Carlos. Este é meu credo. Tradução de Ebréia de Castro Alves. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2002.
MONTAIGNE, Michel. Ensaios. Tradução de Sérgio Milliet. Porto Alegre: Editora Globo, 1961.



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Um comentário:

  1. Lindo artigo, Pedro. Todo fundamentado em reflexões filosóficas de pensadores sensíveis. Muito bom, parabéns!

    abraços
    Cesar

    ps. Sugestão: Oswald de Andrade e sua contribuição para a literatura contemporânea, com a quebra de tabus, com a quebra de regras que trouxe, libertando a criação. Abço

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Obrigado a todos os amigos leitores.
Pedro