[ PEDRO LUSO DE CARVALHO ]
A
correspondência havida entre os escritores e amigos foi de grande importância
para Mário de Andrade, como diz Moacir Werneck de Castro, na apresentação que
faz do livro Mário de Andrade, Cartas a
Murilo Miranda, publicado pela Editora Nova Fronteira em 1981:
A correspondência é
parte essencial da obra de Mário de Andrade. Não apenas porque a explique e
ilumine com revelações biográficas, mas pela riqueza que encerra de ideias,
elaborações estéticas, projetos participantes, lampejos e intimidades do
pensamento em transe de um homem que foi uma das expressões mais altas e
completas da cultura brasileira. As cartas a Manoel Bandeira, Paulo Duarte,
Rubens Borba de Moraes, Rodrigo M.F. de Andrade e Fernando Sabino, já
publicadas, além de outras que saíram esparsas, dão a medida da importância
desse acervo. Só isso bastaria para justificar a publicação das cartas a Murilo
Miranda reunidas neste volume.
Não será
desta vez, no entanto, que farei menção e transcrição de uma dessas cartas
trocadas entre Mário e Murilo. Hoje me ocuparei de uma das cartas escrita por
Mario de Andrade a Fernando sabino, que integra o livro Cartas a um Jovem Escritor. Remetente: Mário de Andrade. Destinatário:
Fernando Sabino, publicado em 1993 pela Record, 3ª ed., que traz a seguinte
nota: “As cartas de Mário de Andrade foram transcritas na íntegra, respeitadas
a pontuação e a grafia característica de certas palavras. Apenas a acentuação
foi atualizada”.
Na época
em que se iniciou essa correspondência entre Mário de Andrade, escritor de
grande prestígio, e Fernando Sabino, que era ainda muito jovem (18 anos), morava
Belo Horizonte e estava no início de sua carreira literária. E foi justamente
pela diferença de idade existente entre eles, e pela diferença de experiência
literária havida entre os dois escritores – Sabino iniciando-se na literatura e
Mário com grande prestígio literário –, que me vi motivado a fazer esta
abordagem, esperando que os conselhos de Mário de Andrade a Fernando Sabino
possam ser de alguma utilidade para os jovens escritores de hoje.
Então,
passo a transcrever a carta de Mário (a segunda carta endereçada a Sabido), escrita
em 25.01.1942 – a primeira foi enviada a Sabino quinze dias antes desta – e,
por ser uma carta extensa, transcrevo apenas os trechos que considero mais importantes (in Andrade, Mário. Cartas a
um Jovem Escritor. Remetente: Mário de Andrade. Destinatário: Fernando Sabino.
3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1993):
S. Paulo,
25-1-42
Fernando
Sabino:
Recebi
sua carta e refleti sobre ela. A conclusão mais séria pra mim é a seguinte:
Vejo que estamos os dois na iminência de iniciar uma correspondência longa e
nutrida. Pra você, moço, cheio de vida e ainda “não consagrado”, ansioso de
saber, isso não vai ser difícil. Pra mim vai. Seria estúpido eu não saber que
sou “consagrado”. Só os esforços, os esperneios, os papelões que faço pra não
virar medalhão duma vez, você nem imagina. Sucede pois, é natural, que tenho
muitíssimo trabalho e também uma correspondência enorme .
(...)
Mas antes exijo que você pense muito seriamente sobre você. Tanto mais que,
pelo que seu livro indica como tendências pessoais, o seu caminho na arte é
pesado, muito árduo e sem brilho. Você não irá estourar por aí, ganhando a
batalha de um golpe só, como um Lins do Rego, uma Raquel de Queiroz. (...) Você
irá escrevendo, irá escrevendo, se aperfeiçoando, progredindo aos poucos: um
belo dia (si você aguentar o tranco) os outros percebem que existe um grande escritor.
(...)
Ora, Fernando, pra aguentar com um destino desses, antes de mais nada, é
preciso ter uma ambição enorme, uma paciência enraivecida, um desejo de se
“vingar” da vida, e uma ensolarada saúde mental. Você tem isso? Não seja tímido
nem humilde não, que então é fracasso na certa. Não tenha vergonha de se
confessar a si mesmo (não a mim) que você tem ótimas qualidades, é muito
inteligente, é orgulhoso de si, tem desprezo pela frouxidão alheia e quer
chegar e há-de chegar.
(...) O
prosador lida com a inteligência lógica, está no plano do consciente, das
relações de causa e efeito. O seu discurso tem cabeça, tronco e membros,
princípio-meio-e-fim, embora pouco importe que muitas vezes o assunto exija que
o fim esteja no princípio, e o princípio no meio. Não tem disposição? Não se
trata de ter disposição: você é um operário como qualquer outro: se trata de
ter horas de trabalho. Então, vá escrevendo, vá trabalhando sem disposição
mesmo. A coisa principia difícil, você hesita, escreve besteira, não faz mal.
De repente você percebe que, correntemente ou penosamente (isto depende da
pessoa) você está dizendo coisas acertadas, inventando belezas, forças, etc.
Depois, então, no trabalho de polimento, você cortará o que não presta,
descobrirá coisas pra encher os vazios, etc. etc.
(...)
Sei que sou o animador mais... desanimador que existe. Mas é que sempre a
convicção (e exemplos) que os bons aguentam o tranco, dão por paus e por
pedras, mas vão pra diante de qualquer maneira. Com um abraço do
Mário de
Andrade.
A
amizade desses dois escritores (e correspondência) durou por muitos anos, até a
morte de Mário de Andrade, no ano de 1945. E, pelo excepcional escritor que se tornou
tudo nos leva a crer que Fernando Sabino seguiu à risca os conselhos do mestre.
* * *
Meus parabéns pelo blog, pelos textos destacados. Eu o convido a conhecer o blog que inicio agora com uma amiga, chamado "Cinco Espinhos", no qual nos propusemos a expor críticas em forma de literatura. Confira!
ResponderExcluirSensacional, Pedro! Desconhecia esta amizade entre eles. Inclusive achava, em minha vã filosofia, que nem foram contemporâneos...
ResponderExcluirVou atrás do livro neste feriado, aqui em São Paulo.
Abraços e obrigado pela dica
Cesar Cruz