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PEDRO LUSO DE CARVALHO
FRANZ KAFKA nasceu em 3 de julho de 1882,
em Praga, então uma cidade provinciana do Império Austro-Húngaro. Morreu em 3
de junho de 1924, acometido por tuberculose pulmonar.
Praga produziu, além de Kafka, outros
escritores de grande importância, como o poeta Rainer Maria Rilke, o dramaturgo
Franz Werfel e de Hasek. Isso provavelmente se deveu ao fato de que em Praga
havia uma minoria da população de língua alemã, em grande parte da classe
média, que se mantinha isolada da população tcheca nativa. Dentro dessa
comunidade germanófoba, Kafka era ainda mais marginalizado por ser judeu.
No livro Kafka, escrito por Paul Strathen, e publicado pela Zahar Editora,
em 2009, com tradução de Maria Luíza X. de A. Borges, lê-se a p. 17-18: “O
antissemitismo grassava por todo o Império Austro-Húngaro, especialmente entre
a população que falava alemão, e uma forte sugestão de alienação quase-racial
seria uma característica persistente na vida e na obra de Kafka”.
Segue o conto Um incidente trivial, de Franz
Kafka ( in KAFKA, Franz. Contos. Tradução de Isabel Castro Silva.
Seleção e prólogo de Jorge Luis Borges Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2005
(Coleção Clássicos), p. 43-44:
UM
INCIDENTE TRIVIAL
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Franz Kafka
Um incidente trivial; vivê-lo, um heroísmo
trivial. A. tem um importante negócio a concluir com B. da aldeia vizinha H.
Vai até H. para combinar o encontro, faz o caminho de ida e volta em dez
minutos para cada lado e em casa ufana-se da sua grande rapidez. No dia
seguinte volta a H., desta vez para fechar definitivamente o negócio; uma vez
que este previsivelmente demorará várias horas, A. parte de casa manhãzinha
cedo; apesar de todas as circunstâncias, pelo menos na opinião de A., serem
exatamente as mesmas do dia anterior, desta vez precisa de dez horas para
chegar a H. Quando aí chega, à noite e já sem forças, dizem-lhe que B., zangado
com a demora de A., partira há mais de meia hora para a aldeia de A.; na
verdade, ter-se-ão certamente cruzado um com o outro. Aconselham A. a esperar,
B. já deve estar de volta. Mas A., receando pelo negócio, põe-se logo a caminho
e apressa-se a voltar para casa. Desta vez, e sem sequer dar conta disso, faz o
caminho de regresso num abrir e fechar de olhos. Já em casa dizem-lhe que B.
tinha chegado muito cedo, ainda antes de A. partir, sim, tinha até encontrado
A. junto ao portão da casa, tinha-lhe lembrado o negócio, mas A. tinha
respondido que agora não tinha tempo, que tinha de se apressar. Apesar deste
comportamento incompreensível de A., B. tinha ainda assim ficado para esperar
por A. Perguntava até várias vezes se A. tinha já voltado, mas estava ainda lá
em cima no quarto de A. Contente por ainda poder falar com B. e esclarecer
tudo, A. sobe as escadas a correr. Já está quase lá em cima quando tropeça,
torce o pé e, quase a desmaiar de dor, incapaz até de gritar, gemendo apenas no
escuro, ouve e vê B., sem perceber se estaria muito longe ou mesmo ao lado, que
desce as escadas furioso e desaparece para sempre.
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