– PEDRO LUSO DE CARVALHO
Carlos Drummond de Andrade disse a Homero
Senna, em entrevista a ele concedida, para a Revista do O Jornal, em
19.11.1944 (In Revista das Letras, Rio de Janeiro, Gráfica Olímpica, 1968):
– Minha vida não tem interesse algum e o
que nela pode haver de importante já contei em duas autobiografias que escrevi
para a Revista Acadêmica e para Leitura. (...) nasci em Itabira, no ano
de 1902, de pais burgueses que me criaram no temor de Deus. Meu pai era
fazendeiro e embora fosse pessoa que nem sequer o curso primário possuía
completo, tomava conta muito bem dos seus negócios e escrevia suas cartas com correção.
Em Itabira passei minha meninice e ali fiz meus primeiros estudos. Depois
estive em Belo Horizonte, no Colégio Arnaldo, e em Friburgo, com os Jesuítas.
Primeiro aluno da classe, é verdade que mais velho que a maioria dos colegas,
comportava-se como um anjo, tinha saudades da família e todos os outros bons
sentimentos, mas expulsaram-me por “insubordinação mental”. A saída brusca do
colégio teve influência enorme no desenvolvimento dos meus estudos e de toda
minha vida. Casado, fui lecionar geografia no interior. Depois voltei para Belo
Horizonte, onde passei a fazer jornalismo, tendo sido mais tarde levado para a
burocracia por Mário Casassanta. Meu lugar efetivo é, mesmo, de redator do Minas Gerais, que é o jornal oficial do
Estado. Desejando diplomar-me em alguma coisa (não fosse a interrupção dos meus
estudos em Friburgo, eu seria bacharel em direito, como todo brasileiro)
resolvi estudar farmácia. Não por qualquer inclinação especial, mas porque era
o curso mais rápido, três anos apenas. E de fato sou farmacêutico, diplomado
pela Escola de Belo Horizonte. Mas por que insistir nessas coisas?
Carlos Drummond de Andrade nasceu em 31 de
outubro de 1902; foi o nono filho do casal Carlos de Paula Andrade e Julieta
Drummond de Andrade–, que teve quatorze filhos – dos quais apenas seis
sobreviveram; a mãe era dotada de a aguda sensibilidade; o pai, ao contrário,
era homem prático e afeito ao trabalho do campo; embora fosse apaixonado pelo
campo, também tinha a preocupação em dar conforto material à família; certa
feita adquiriu no Rio uma banheira de esmalte, uma demasia para a cidadezinha; foi
um dos vereadores que decidiram pela instalação de luz elétrica em Itabira.
O padrão de vida da família Andrade
propiciaria avanços nos estudos do futuro poeta, que não esse sentia atraído
pela vida do campo, o que desgostava seu pai, que tinha planos para que seus
filhos mantivessem a propriedade com a família; e, na medida em que deixava de
apreciar a vida no campo, distanciava-se do pai, o que levaria a criar uma
barreira entre eles, que somente se atenuaria com o tempo e a distância.
No Grupo Escolar José Batista, onde começou
a estudar, pode dar vasão as suas tendências literárias, chamando a atenção de
seus professores com suas descrições; seu irmão, que estudava Direito no Rio,
remetia-lhe livros; assim foi conhecendo autores, mesmo que de forma irregular,
entre eles os poetas portugueses Fialho de Almeida e Antônio Patrício, os
nossos simbolistas e os franceses, entre eles Flaubert; lia também romances de
capa e espada que lhes emprestava o santeiro Alfredo Duval; mais tarde, entrou
em contato com a obra de Machado de Assis, que passou a ser para ele, no Brasil,
a sua maior admiração literária; achava que não teríamos significação literária
se Machado não existisse; leu Euclides da Cunha apenas por obrigação, não o
comovendo “sua pompa nem sua bravura estilística”.
Ingressou no Grêmio Literário e Dramático
Arthur de Azevedo aos treze anos – como a idade mínima para ingressar era de
quinze anos, os estatutos foram mudados para permitir seu ingresso; teve a
oportunidade de pronunciar uma conferência sobre a Descoberta da Américas, na qual contou com a presença de seu pai;
embora se sentisse decepcionado pelo fato de não vê-lo seguindo os seus passos,
sentiu-se envaidecido com os triunfos literários do filho; em 1916, foi
matriculado no Colégio Arnaldo, de Belo Horizonte; estava então com quatorze
anos de idade; foi nesse colégio que conheceu Gustavo Capanema e Afonso Arinos;
continuaria amigo de ambos ao longo da vida; aí não ficou mais que seis meses,
já que, por motivo de saúde, retornaria para casa, onde permaneceria inativo
por algum tempo; depois, com o consentimento do pai, passou a trabalhar como
caixeiro numa loja de Itabira, onde permaneceu por oito meses.
Dois anos depois (1918), o pai fez a
matrícula do filho no Colégio Anchieta, dos padres jesuítas, em Friburgo; os
fatos ocorridos aí foram narrados pelo poeta na entrevista que concedeu a
Homero Senna, cujo trecho encontra-se transcrito acima; mais tarde, passou a
viver em Belo Horizonte; os novos amigos que fez Emílio Moura, Milton Campos,
Abgar Renault, Gustavo Capanema, João Alphonsus, Aníbal Machado, ajudaram-lhe a
adquirir confiança; talvez sua memória tenha guardado mais essas amizades que seus
primeiros sucessos literários.
Anos depois, recordará com ternura o tempo
em que a literatura aos poucos passou a tomar parte de seu tempo e dos
primeiros trabalhos publicados, como ocorreu com José do telhado, conto que foi premiado na Novela Mineira, pelo qual recebeu cinquenta mil-réis; o terreno
estava preparado para colaborar em jornais e revistas, com artigos de crítica,
contos, poemas em prosa; os amigos, no entanto, não acolheram bem o único
soneto que tentou fazer; em entrevista que concedeu mais tarde, disse: “Por
preguiça ou por qualquer outro motivo obscuro derivei para o modernismo”.
Quando seus poemas já formavam um pequeno
volume, procurou publicá-lo por intermédio de Ronald de Carvalho na livraria
Leite Ribeiro, no Rio; tratava-se de uma coletânea de poemas em prosa com o
título de Teia de aranha, que, para
sorte do poeta, como afirmou mais tarde, o original foi extraviado pela
livraria; o segundo livro, com o título de 25
Poemas da triste alegria, obra inédita, que teve o mesmo destino que o
primeiro, passou a integrar o arquivo de Rodrigo M. F. de Andrade.
Quando o poeta foi ao Rio, pela primeira
vez, em 1923, encontrou-se com Álvaro Moreyra, que não o conhecia, na redação
de Para Todos, onde também se
encontravam os pintores Oswaldo Teixeira e Di Cavalcanti; de volta a Belo
Horizonte, somente voltaria a visitar o Rio no ano de 1933.
Casou-se quando era ainda estudante, em
1925, com Dolores Morais Drummond de Andrade, de quem teve um filho em 1927,
que morreu logo depois de hidrocefalia; no ano seguinte, nasceu Maria Julieta –
Drummond passaria a canalizar o melhor de sua afeição para a filha, que anos
depois se casaria e iria morar na Argentina; teria dois filhos e morreria de
câncer um mês antes da morte do poeta.
Para satisfazer o pai, que o queria ver
formado, graduou-se em Farmácia, profissão que nunca chegaria a exercer; em 1926,
já casado, voltou a Itabira, onde passou a lecionar por pequeno espaço de tempo;
logo deixou Itabira com destino a Belo Horizonte, atendendo o convite para
trabalhar no Diário de Minas; no Diário
de Minas foi redator-chefe; o jornal tinha a orientação governista, que com
sua orientação acabaria se transformando, com João Alphonsus, Emílio Moura,
Martins Almeida e, posteriormente, Cyro do Anjos, em reduto do modernismo
mineiro.
Sua vida tomaria novo curso em 1929,
exercendo cargo na Secretaria de Educação; em 1930 foi para Secretaria do
Interior, inicialmente com Cristiano Machado (três meses) posteriormente,
Gustavo Capanema (três anos); à noite, trabalhava no Diário de Minas, e depois no Minas
Gerais (órgão oficial do Governo); trabalhou também em jornais dos Diários Associados.
Drummond acompanhou Gustavo Capanema quando
este foi para o Rio, trabalhando com ele até 1945, quando se demitiu da
Secretaria do Interior por questões políticas; nesse mesmo ano foi diretor da Tribuna Popular com Álvaro Moreyra e
outros, aí permanecendo apenas por três meses; pouco tempo depois, graças a
intervenção de Rodrigo M. F. de Andrade e de Gustavo Capanema, foi trabalhar na
Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, onde chefiará a Seção
de História, na Divisão de Estudos e Tombamentos, do Ministério da Educação;
ficará no cargo até 1962, e será aposentado após completar 35 anos de serviço
público.
A sua estreia em livro foi com Alguma Poesia, em 1930; livros
posteriores: Brejo das Almas (1934), Sentimento do Mundo (1940), A Rosa do povo (1945), Claro enigma (1951), Fazendeiro do ar e Poesia até agora – edição de 1959, que abrange A Vida passada a limpo, livro inédito, que depois reaparece sob o
título de Poemas– Antologia poética e Lição de coisas (1962), Boi-tempo
(1968), Reunião (1969) – toda sua
obra poética reunida, sem incluir Boi-tempo
–, com apresentação de Antônio Houaiss; Impurezas
do tempo (1973), entre outros.
Seus livros em prosa: Confissões de Minas (1944), Contos
de aprendiz (1951), Passeios na ilha (1952),
Versiprosa (1967) Amendoeira (1957), A bolsa & a vida (1962), Cadeira
de balanço (1966), Caminhos de João
Brandão (1970), O poder ultrajovem
(1972); Menino antigo (1973), De notícias & não notícia faz-se a
crônica (1974), Boca de luar
(1984), entre outros.
No rio de Janeiro, Carlos Drummond de
Andrade tornou-se tradutor e cronista; escreveu suas crônicas para o Correio da Manhã e depois para o Jornal do Brasil, onde permaneceu por
quinze anos.
O poeta era caseiro, viajava pouco (exceção
feita quando viajou para Buenos Aires, Argentina, para visitar a filha), não
fazia vida social (dizia que por não ser conversador, sua presença aborreceria
os outros, o que preferia evitar).
No que dizia respeito aos seus livros, não
tinha preferências por nenhum deles (não considerava que tinha uma obra – pelo
menos a obra que desejava). Dizia que seus livros são um ajuntamento de poemas,
estudos poéticos que passa para o papel; não o resultado de uma vida literária.
É possível que seus livros o satisfizessem por sentir que às vezes consolavam
os outros, possivelmente pelo desencanto ou pela autenticidade, o que o
confortava.
Carlos Drummond de Andrade, que ao lado de
João Cabral de Melo Neto e Manoel Bandeira formava, segundo a crítica, o grande
trio da poesia brasileira contemporânea, faleceu na cidade do Rio de Janeiro no
dia 17 de agosto de 1987, aos 85 anos incompletos, de problemas cardíacos – doze
dias depois que sua querida filha Maria Julieta morreu de câncer, em Buenos
Aires.
Sobre a morte do poeta, destacamos o que disse
Ziraldo, em documentário para vídeo:
– No velório ninguém
entrou na sala, não sei por que; os meninos... Todo mundo fora, e só a família
lá dentro. Os netos ficaram na porta e não deixaram ninguém entrar. Aí eu tive com
Dolores, sentado com ela, a noite inteira. Aí, ela caladinha, muito tímida (ela
era muito bonitinha, quando moça; pelas fotos dava pra ver que era bonitinha);
aí se virou e disse: “Ziraldo, o Drummond tinha razão em ter morrido, né?” Aí
perguntei por que, e ela disse: “Morreu a única razão que ele tinha pra viver.”
[Ante essa resposta de Dolores, exclamou Ziraldo: “Tadinha...”].
Escolhemos, para encerrar este trabalho, um
trecho de “Fragmento sobre Carlos Drummond de Andrade”, escrito pelo renomado
crítico literário Otto Maria Carpeaux (In,
O Jornal, Rio de Janeiro, 10 out.
1941):
Quero dizê-lo, com toda franqueza, que o
encontro com a poesia de Carlos Drummond de Andrade me foi um conforto nas
trevas, e que eu, que conhecia todas as poesias do mundo e experimentava todas
as desgraças do mundo, compreendo agora melhor o sentido de uma longa viagem.
Muito pereceu e muito mais perecerá. Mas “o presente é tão grande, não nos
afastemos”; acompanhados de certas palavras, certos versos que não se vão
esquecer, como bons companheiros. Não olhemos para trás. Vamos de mãos dadas. O
esforço poético de Carlos Drummond de Andrade continua.
REFERÊNCIAS:
PEREZ,
Renard. Escritores Brasileiros
Contemporâneos. Escritores
Brasileiros Contemporâneos. I série, 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1960.
SENNA, Homero. PEREZ, Renard. Carlos Drummond de Andrade. Coletânea
organizada por Sônia Brayner. Direção de Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2ª ed., 1977.
JCV. Jornalismo,
Cinema Vídeo. Mondale Filmes, s/d.
CARPEAUX, Otto Maria. Fragmento sobre Carlos Drummond de Andrade. Coletânea organizada
por Sônia Brayner. Direção de Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2ª ed., 1977.
* * *
Venho aqui, leio, fico satisfeito e nem me dou ao trabalho de pagar portagem deixando comentário. Hoje, pelo contrário, passo a comentar.
ResponderExcluirNão se trata de acrescentar nada à leitura, a escrita sobre o que se leu é uma outra coisa, pode ser uma outra leitura. Não é o caso, apenas agradecimento, de quem gosta de por aqui ler matérias tão diferentes quanto diferentes podem ser os autores escolhidos.
O autor (do blog) tem um gosto apurado, gosto. Parabéns!
Obrigado, Francisco. Acho que não preciso dizer que você é sempre bem vindo neste blog.
ExcluirGrande abraço.
Ficou excelente essa tua postagem sobre a vida de um dos nossos maiores poetas. A história de Drummond com a filha Maria Julieta, vindo a falecer alguns dias após o falecimento dela é triste! E muito triste também foi o diálogo da esposa de Drummond, a Dolores, com Ziraldo...
ResponderExcluirBeijinho, Pedro - da sala do lado, rss
É Taisinha, Drummonnd não resistiu a perda da filha, que, como disse sua mulher Dolores, era a razão de sua vida. Comovente a conversa de Dolores com Ziraldo.
ExcluirBeijinhos.
Aqui, aprende-se sempre muita coisa!!
ResponderExcluirVotos de 2015 feliz e repleto de coisas boas. Abraço
Graça
Obrigado, Graça.
ExcluirÉ sempre muito bom receber sua visita.
Também desejo a você um ano de 2015 com saúde, alegria e paz.
Um abraço.
"Perder tempo em aprender coisas que não interessam, priva-nos de descobrir coisas interessantes." É sempre um prazer visitar seu blog.
ResponderExcluirDesejo a você e seus familiares um 2015 repleto de paz e felicidade.
Obrigado, Adriana; é sem um prazer receber sua visita.
ExcluirDesejo, igualmente, a você e seus familiares. um ano de 2015 com muita paz e saúde e harmonia.
Abraço.
Bom dia, Pedro.
ResponderExcluirSabe-se tanto sobre Drummond, penso que sabia um pouco mais até,mas quando li com avidez cada linha aqui registrada por você, percebi que tenho muito a aprender. Fico feliz por existirem pessoas como você que dividem de bom coração o saber. Vou lhe contar que sou professora de Literatura, digo sou,mas já estou aposentada, o que sinto muito, mas voltando ao assunto fiz pós graduação e fui fazer Mestrado na federal em Curitiba, pensei comigo ah! de literatura sei muito. Meu amigo, sofri muito quando percebi que sabia um pouquinho apenas, pois os professores eram simplesmente sábios, cultos e humildes. Hoje, quando li sua postagem me veio à lembrança o ensino dos professores, aqueles que sabem mais e não nos deixam sem saber. Obrigada por tanta riqueza que nos passou. Grande abraço!Ah! Diz para a Tais, que está aí, ao lado que apareça rssssssssssssss
Boa Tarde, Marli.
ExcluirÉ muito bom saber de uma professora de Literatura, com mestrado e doutorado na conceituada Universidade Federal de Curitiba, PR, que é o seu caso, que o que escrevi sobre Drummond foi de alguma valia, pelo que agradeço. Você sempre será bem-vinda neste espaço.
Já transmiti o seu recado para a Taís, e ela manda dizer que logo aparecerá.
Grande abraço.
Não sei se seguiu o meu comentário. Pedia desculpa de com muito atraso vir
ResponderExcluiragradecer o seu registo no meu blogue http://intemporal-pippas.blogspot.pt
Dizia que este blogue é muito bom a nível cultural e que este post sobre
Carlos Drummoud que é muito bom.
Um abraço
Irene Alves
Obrigado, Irene.
ExcluirEspero que você volte a este espaço outras vezes.
Um abraço.