[ PEDRO LUSO DE
CARVALHO ]
CARLOS CARVALHO (Carlos
José Gomes de Carvalho) nasceu em Porto Alegre, RS, no ano de 1939, onde
faleceu, no ano de 1985, aos 46 anos. Nas décadas de 1970 e 1980, destacou-se
na dramaturgia. Versátil, não se limitou a escrever para o teatro, também foi
poeta e contista.
Ao Teatro deu sua
contribuição não apenas com as peças que escreveu. Carlos Carvalho também foi
ator e diretor. Por isso, foi homenageado pela Secretaria de Cultura de Porto
Alegre, que deu o seu nome a uma das salas de espetáculos, na Casa de Cultura Mario Quintana – “Teatro
Carlos Carvalho”.
Em 1971, conquistou o 1º prêmio do Salão de Porto Alegre, com o objeto
poema Amortecedor; em 1974, foi o
ganhador do 2º prêmio no Concurso Nacional
de Contos do Estado do Paraná – Fundepar. Livro publicado: Calendário do medo, conto, 1975.
Participou das antologias Roda de fogo,
1970, e Os melhores contos brasileiros
de 1974 – em 1975.
O conto que segue, De
corpo presente, integra o livro de Carlos
Carvalho, Calendário do medo, 3ª ed. Porto Alegre, Editora Movimento,
1975, p.11-12:
DE CORPO PRESENTE
( CARLOS CARVALHO )
Foi quando se apercebeu
de que vivia nas trevas não sabia desde quando. Com a descoberta, a compreensão
exata e desagradável da ausência.
No desejo intenso de se
tornar presente, tratou de utilizar-se: lançou um membro, arremeteu outro, em
marradas sucessivas. À força de vibrar, tentou romper os muros que o rodeavam,
mas a desconexão e a noite impediam-lhe o movimento. A sólida construção a tudo
resistia. Exausto, abandonou-se ao tépido torpor que o massageava. E adormeceu
por séculos e séculos.
Foi arrancado do sono
pela convulsão noturna. As paredes infladas tremiam em espasmos contínuos; um
mar negro e viscoso elevou-se do abismo; ondas fermentaram ao seu redor,
engoliram-no e trouxeram-no de novo quando já se julgava perdido; corpos
estranhos grudaram-se ao seu, aumentando a noção de limites. Debateu-se.
Fugindo às barreiras que o aprisionavam e que agora ruíam, rastejou, escapando,
lenta e exaustivamente dos tentáculos e escamas que insistiam em retê-lo na
escuridão. Lutou e perdeu a consciência.
Acordou com a luz doendo
nos olhos. O corpo pesava numa superfície fria e drapeada. Demorou a
acostumar-se com a luz. Mas a alegria de se sentir presente, de ocupar o lugar
que sempre lhe estivera reservado, deu-lhe forças e obstinou-o a educar-se.
Luz primeiro, conforme o constatado.
Depois, manchas indecisas, flutuantes, que ao poucos se fixavam e tomavam formas
onde ele se refletia e se via futuro. E sons que batiam dolorosamente nos
tímpanos, tentando acomodar-se, e que eram rechaçados, estrangeiros.
Pacientemente aprendeu a selecioná-los, a catalogá-los, a entender o significado
de cada um.
E quando distinguiu
claramente as formas, quando percebeu o sentido dos sons, foi tomado por uma
grande saudade do lugar antigo. Um pânico maior abateu-se. Gritou.
Logo acorreram mãos que
tentaram acalmá-lo e contra as quais se rebelou. Através das mãos que dele se
apossavam, que dispunham dele, evidenciando a propriedade, compreendeu o real
sentido de um mundo grosseiro e pesado que ameaçava esmagá-lo. Gritou mais.
Preocupados os pais, o
médico os afastou do berçário, dizendo tratar-se de uma simples cólica
intestinal.
Inútil qualquer esforço,
bebeu, resignado, o chá de erva-doce que o forçavam a engolir. E gostou.
* * *
Querido dr Pedro, conhecia Carlos Carvalho mais pelo teatro, mesmo assim, pouco, mas fiquei encantado com este conto (é a minha cara), vou querer ler este livro...um literatura densa, angustiante, sombria, mas de um colorido nas palavras, um emaranhado que precisa ser desfeito, e ele entrega no final do conto, como se o cordão umbilical provocasse o emaranhado, sendo desenrolado e lançado uma luz sobre a sombra, então nos encontramos, e respiramos aliviados. Ótima leitura. Adorei.
ResponderExcluirps. Meu carinho meu resperito meu abraço
Obrigado, caro Jair, pela sua prestigiosa visita e pelo seu inteligente comentário.
ExcluirUm grande abraço.