por Pedro Luso de Carvalho
FRANZ KAFKA nasceu em
Praga no dia 3 de julho de 1883; vítima de tuberculose, morreu em 3 de junho de
1924, no Sanatório de Keerling, perto de Viena; foi enterrado em Praga, no
Cemitério de Straschinitz. Nessa época Kafka era conhecido apenas por um
círculo de amigos; sua obra somente seria conhecida 20 anos após sua morte,
quando seu talento criativo foi reconhecido por nomes importantes, dentre eles
o poeta inglês W.H. Auden, que assim manifestou sua admiração pelo escritor
tcheco: “se eu tivesse que escolher o autor que tem para com nossa época
aproximadamente a mesma relação que Dante e Schakespeare para com a sua, Kafka
é o primeiro nome em que eu pensaria”.
Parte da obra de Kafka foi
traduzida do idioma alemão, no qual se expressava, para o espanhol; o célebre
escritor argentino Jorge Luis Borges traduziu O processo, que foi publicado
pela Editora Losada, de Buenos Aires, em 1939; uma nova edição dessa obra
deu-se somente no ano de 1962. Antes dessa edição, a Editora Losada publicou A metamorfose,
em 1943.
Jorge Luis Borges, admirador de
Kafka, disse que “Duas ideias, ou melhor, duas obsessões regem a obra de Franz
Kafka: a subordinação é a primeira, e o infinito a segunda. A mais indiscutível
virtude de Kafka é a invenção de situações intoleráveis. Para registrá-las de
maneira definitiva bastavam-lhe algumas frases (...) O argumento e o ambiente
são o essencial, não as evoluções da fábula nem a penetração psicológica. Daí a
primazia de seus contos sobre as novelas longas”.
Segue o conto de Franz Kafka intitulado
O Escudo da cidade (In Franz Kafka. Contos. Seleção e
prólogo de Jorge Luis Borges. Tradução de Isabel Castro Silva. Lisboa: Relógio
D’Água Editores, 2005, p. 39-40):
O ESCUDO DA CIDADE
(Franz Kafka)
No início da construção da torre
de Babel tudo estava razoavelmente em ordem, sim, talvez a ordem fosse até
grande demais, pensava-se muito em tabuletas com direções, intérpretes,
alojamento para os trabalhadores e caminhos de ligação, como se estivessem
ainda por vir séculos e séculos para trabalhar à vontade. De acordo com a
opinião então reinante, nem sequer se podia trabalhar suficientemente devagar; não
era preciso exagerar muito esta opinião para que logo surgisse também o medo de
lançar as fundações. A argumentação era a seguinte: o essencial em toda essa
empresa é a ideia de construir uma torre que chegue ao céu. Comparado com essa
ideia, tudo o mais é irrelevante. É uma ideia que, uma vez apreendida na sua
grandeza, já não pode desaparecer; enquanto viverem os homens, viverá também o
forte desejo de construir a torre até ao fim. Nesta perspectiva, assim, não há
que ter preocupações pelo futuro, pelo contrário, o conhecimento é cada vez
maior, a arte da construção fez progresso e continuará a progredir, um trabalho
que agora leva um ano, daqui a um século será talvez concluído em seis meses, além
disso, com maior qualidade e solidez. Assim sendo, por que chegar já hoje ao
limite das forças. Apenas teria sentido caso pudesse esperar concluir a torre
no tempo de uma geração. Mas isso é impossível. Mais fácil seria pensar que a
geração seguinte, com um conhecimento mais aperfeiçoado, achasse mal o trabalho
da anterior e deitasse abaixo a construção para começar tudo de novo.
Pensamentos como estes paralisavam as forças e, mais do que a construção da
torre, a preocupação passou a ser a construção de uma cidade para os
trabalhadores. Cada contingente nacional queria ter o bairro mais bonito, daqui
resultavam escaramuças que logo passavam a lutas sangrentas. Estas lutas não
tinham fim; os líderes tinham assim um novo argumento para que a torre,
faltando a concentração necessária, fosse construída muito lentamente ou de
preferência só depois de acordadas as tréguas. Mas o tempo não era apenas
passado em lutas, pelo meio também se alinhava a cidade, o que apenas fazia
nascer novas invejas e novas lutas. Assim passou o tempo da primeira geração,
mas nenhuma das seguintes foi diferente, só a perícia era cada vez maior e com
ela a vontade de lutar.
Foi assim que logo na segunda ou terceira geração se reconheceu o
absurdo de construir uma torre que chegasse até ao céu, mas nessa altura já
todos se sentiam demasiados unidos entre si para abandonarem a cidade. Todas as
lendas e canções que nasceram na cidade estão cheias de nostalgias pelo
profetizado em que a cidade será esmagada por um punho gigante com cinco golpes
secos um a seguir ao outro. É por esta razão que a cidade tem também o punho no
seu escudo.
*
REFERÊNCIAS:
CARVALHAL, Tânea Franco.
A Realidade em Kafka. Porto Alegre: ed. Movimento, 1973.
IZQUIERDO, Luis. Conhecer
Kafka e a sua obra. Tradução de Manuel Mota. São Paulo: ed.Ulisseia, [198-?].
* * *
Caro dr. Pedro, o que dizer senão, maravilhoso...e assim passaram-se os anos e continuamos nesta cidade, quem sabe tentando construir uma torre, quem sabe tentando viver em paz. Uma história bíblica escrita de uma forma tão magistral, atemporal. Adoro a obra kafkiana, o sobre tudo Jorge Luis Borges. Obrigado por este momento muito prazeroso.
ResponderExcluirMeu carinho meu respeito meu grande abraço.
Caro Jair,
ResponderExcluirAgradeço por mais esta visita e pelo seu comentário sobre "O escudo da cidade", conto de Franz Kafka. (Também era grande admirador da obra do escritor tchecoeslovaco, o saudoso romancista e contista gaúcho, Moacyr Scliar.)
Grande abraço,
Pedro.
Qualquer texto de Kafka, por mais fragmentado e incompleto que possa parecer (como é o caso deste conto) é sempre desafiador e tem a marca do gênio. Esta característica de obra "incompleta" está presente em outros trabalhos de Kafka. Muito boa a postagem como sempre.
ResponderExcluirCaro Kovacs,
ResponderExcluirUma boa síntese a sua, sobre a narrativa de Kafka.
Obrigado por sua contribuição a esta postagem de "O escudo da cidade", desse escritor genial.
Um abraço,
Pedro.