Capa de Elifas Andreato |
por Pedro Luso de Carvalho
Eu passeava com meu cão por ruas do bairro onde moro, quando encontrei um amigo que não via há anos. Nossa amizade vem do tempo em que nos preparávamos para prestar vestibular; minha meta era o Direito e a dele a Economia. Naqueles anos de chumbo, falávamos sobre tudo: na música, discorríamos sobre os melhores cantores e compositores da bossa-nova e da tropicália; na política, elegíamos os salvadores do Brasil, como, entre outros, alguns dos nomes que integravam a revista Argumento, que foram: Barbosa Lima Sobrinho, Alceu Amoroso Lima, Érico Veríssimo, Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso. (Ainda guardo três exemplares da Argumento.)
Nesse encontro, sequer tocamos nesses nomes, como de resto não mencionamos o nome de um único político. Tampouco a Argumento foi lembrada por nós; esta época está muito distante daqueles tempos difíceis da Ditadura Militar. Mas o fato é que a revista foi muito importante para nós, jovens estudantes idealistas; reacionários, para os militares e para muitos de seus admiradores, que fingiam desconhecer as seções de torturas a que eram submetidos estudantes, jornalistas e políticos, dentre eles a jovem Dilma Rousseff, hoje presidente da República – muitos desses torturados foram levados à morte, como foi o caso do jornalista e professor da USP e teatrólogo, Vladimir Herzog.
Hoje, um dia depois desse encontro casual, lembrei-me dos fatos que envolveram o meu amigo e sua família; das sérias dificuldades que ele está passando: da sua separação da mulher, há alguns anos; da sua filha solteira, mãe e desempregada; do filho viciado em drogas, que há mais de uma década abandonou a mulher e dois filhos pequenos; das agressões físicas que meu amigo e sua filha sofrem do filho drogado.
Vejo que esse amigo não é o mesmo que conheci naquele tempo do vestibular e do golpe Militar. Então tive vontade de contar-lhe o que havia acontecido com esses homens que haviam lutado pela democracia com essa poderosa arma que era a revista Argumento, mas desisti da ideia. Inobstante isso, enquanto ele falava do seu desencanto com a vida, do caos que se transformou sua família, das agressões do filho viciado em drogas, voltei minha imaginação, nesse momento, para esses nomes que haviam dado vida a Argumento no início dos anos 70.
E, assim, passei a imaginar que estava narrando ao meu amigo os fatos que estavam relacionados com a revista Argumento, editada pela Paz e Terra, bem como do que, nesse tempo, fizeram seus ilustres colaboradores:
Barbosa Lima Sobrinho foi o primeiro signatário do pedido de impeachment do presidente Fernando Collor, em 1992; Florestan Fernandes foi o orientador nos trabalhos acadêmicos de Fernando Henrique Cardoso, de quem se tornou amigo, amizade que durou até a morte de Florestan; Sérgio Buarque de Holanda foi co-fundador do Partido dos Trabalhadores (PT), com Lula, entre outros, em 1970; Fernando Henrique Cardoso assumiu o Ministério da Fazenda no Governo de Itamar Franco, em 1993, após o impeachment do presidente Fernando Collor, permanecendo até março de 1994; FHC então deu início a implantação do Plano Real, e foi eleito Presidente da República em outubro de 1994, e reeleito em 1998, graças à sua política de estabilidade e de continuidade do Plano Real.
Pensei em continuar falando desses homens extraordinários da Argumento, em minha imaginação, claro, já que o viés da nossa conversa real era a desventura de sua familia, para dizer-lhe alguma coisa mais sobre estes outros colaboladores da revista: Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde), Érico Veríssimo, Celso Furtado, Hélio Jaguaribe, Elifas Andreato (editor de Arte), Octávio Paz (o poeta mais importante do México), mas percebi a intenção de meu amigo em retirar-se, até por que deveria estar estranhando minha apatia.
O amigo então estendeu o braço para um aperto de mão de despedida, e disse, como se estivesse completando suas queixas sobre sua família infeliz: “É isso, amigo, essa minha desgraça toda é fruto desses malditos tempos modernos”. Dito isso, deu-me as costas e retomou a caminhada rumo à sua casa. Eu fiquei ali na rua com meu cão, por algum tempo, até ver aquele homem precocemente envelhecido afastar-se no seu caminhar arrastado; caminhar que representava bem o arremedo do que ele foi no passado.
Caro Pedro,
ResponderExcluiressa crônica é pesada. Dela se pode extrair que, focar em sua própria infelicidade causa desinteresse pelas demais facetas da vida. Soluções e problemas estão em polos opostos. Viajar é preciso, olhar pela janela do mundo, descobrir novas terras, novos modos, nova vida!
Os tempos modernos exigem atitudes modernas.
Um grande abraço.
Pedro,
ResponderExcluirUm boa crônica. Vivi a minha infância no regime militar. Meu pai, que era jornalista, vivia dizendo em casa: "Filho, não repete nada do que a gente diz aqui em casa, senão eles levam seu pai embora e vc nunca mais vê!".
Me espanta quando vejo gente que tem mais do que 40, 50, que viveu de fato aquela época, afirmar coisas como "naquela época é que tínhamos progresso, não tinha essa bandalheira toda!"...
Detalhe: gente estudada, gente culta! Quem explica tamanho contrasenso?
abço a vc
Cesar
Olá Pedro!
ResponderExcluirBem vindo ao meu blog.
Vou conhecendo o seu aos poucos...
Boa tarde!
Carla
Nossa...nem consigo palavras para um comentário coerente...senti um imensa tristeza....por tudo....
ResponderExcluirCada tempo de nossa VIDA nos faz agir de uma maneira diferente, aida que a essência seja a mesma, as formas de ação e reação tomam novos rumos...
ResponderExcluirNão diria malditos tempos modernos... diria que as facetas do tempo levaram os amigos a outras paragens e diferenciaram um poucos os interesses, pois o tempo acarreta mudanças - boas ou não tão boas assim - aqui mostrou-nos a distância.
Muito intenso este teu contar, meu amigo!
Abraços e bom domingo
Gostei de ler esta crónica, apesar de triste!
ResponderExcluirTive uma juventude e infância felicissimas e tive a sorte de viver num (e nascido) país que estava à frente mais de 20 anos do Portugal daquela época!
O meu pai costumava dizer-nos: " Meninos, o máximo de liberdade, o máximo de responsabilidade"
E foi por aqui que sempre nos pautamos. Os tempos modernos de hoje são diferentes, mais agressivos e é preciso encontrar respostas para eles.
Beijo
Graça
NOSSA VIDA
ResponderExcluirnossa vida chega para dar
matéria suficiente a pensar
Dito isto, escrito um dístico, é um prazer ler neste blog. Abraço luso!!
Meu caro dr. Pedro, quase ia deixando passar esta bela crônica, mas como sempre dou uma espiada por aqui...não estava entendo os tempos modernos, já encontrou um amigo do passado, e o passado estava ali, o tempo todo (felizes os que tem um passado), embora difícil, mas com possibiidades de solução...então chegamos ao final, aí entendo os tempos modernos, estes, infelizmente, não temos nomes a citar, nada a esperar de solução, senão esperança, pura e simples. Gostei.
ResponderExcluirps. Um imenso abraço caro amigo.
Pedramigo
ResponderExcluirDesisti de desistir. E esta crónica ajuda-me a confirmar que fiz bem. Os tempos modernos também dão para isso; não é tudo maldito
Abç
Todos os tempos na vida são vividos de forma diferente. Umas vezes conturbados outras mais pacificos, as metas que se impõem nas diversas situações requerem resposta, luta e persistencia. Os tempos modernos terão que ser pautados por responsabilidade e disciplina, penso que falta um pouco e acabamos por cair no extremo oposto.
ResponderExcluirUm abraço
oa.s