[ESPAÇO
DO CONTO]
O OFICIAL DE JUSTIÇA
– PEDRO LUSO DE CARVALHO
O circunspeto Romualdo foi um bom oficial de justiça. Trabalhou por muitos
anos sem um único deslize. Pessoa íntegra, no forum conquistou o respeito dos juízes e dos servidores da Justiça.
Certo dia saiu de casa para fazer uma citação a três quadras dali. Quando
chegou, procurou pela campainha. Acionou-a uma única vez. A mulher que o
atendeu era magra, cabelos em desalinho, e devia ter menos de trinta anos.
– Procuro pela senhora Mafalda.
– Pois não, senhor! Sou eu mesma.
O seu vestido vermelho, com ousado decote, fez com que Romualdo
desviasse o olhar no momento em que lhe entregou o mandado de citação. Depois
apanhou a contrafé, por ela assinada, e retirou-se, fazendo-lhe um tímido aceno
com a cabeça,
Passados dois dias, Romualdo
recebeu um bilhete da mulher de vestido vermelho, convidando-o para um
aperitivo em sua casa. Tornou a ler o bilhete para certificar-se se era a mesma
mulher que citara dias atrás. Não havia dúvida, a letra era a mesma.
Uma semana depois, Romualdo recebeu um telefonema de Mafalda, que lhe
disse, com voz rouca: “Ainda estou aguardando a sua resposta”. E renovou o seu convite.
– Eu sou um homem casado...
– Venha no final da tarde – disse, com firmeza.
Romualdo foi ao encontro de Mafalda, depois de concluir a última citação
daquele dia. Os encontros nos finais de tarde tornaram-se rotineiros. Aos
domingos, saia a passeio com a esposa e a filha.
Passados pouco mais de dois anos, Romualdo começava a sentir o peso da
culpa. Não deixava de pensar na boa qualidade de vida que levava, antes de
conhecer Mafalda.
Decidido a romper com o relacionamento, pediu à amante que o esperasse,
no final da tarde. Quando chegou, foi direto ao assunto:
– Vamos ter que terminar com este caso – disse, sem olhar nos seus
olhos.
Como não ouviu dela nenhuma resposta, saiu às pressas. Depois de ter
permanecido sentada por algum tempo, o olhar fixo na porta, por onde Romualdo saiu,
falou com voz embargada, no vazio da sala: “Se ele pensa que vai me abandonar
engana-se”.
Mafalda passou a telefonar todas as noites para a casa de Romualdo, por
várias semanas. A esposa preocupava-se com esses telefonemas, e com o estado de
prostração do marido, que no momento separava alguns mandados de citação, para
o seu dia de trabalho.
– Um menino me entregou isto – disse a esposa, preocupada.
Romualdo esperou que ela saísse da sala para abrir o envelope.
Reconheceu a letra de Mafalda. Um sentimento de desgraça deixou-o abatido. No
bilhete, a amante dizia: “Vou contar tudo o que existiu entre nós à sua
mulher”.
O oficial de justiça voltou a sentar-se, extenuado. Afastou os
documentos que estavam sobre a mesa, e aí deixou o bilhete, com os rabiscos
ameaçadores de Mafalda.
De repente, tomado de fúria, Romualdo saiu em direção à casa de Mafalda.
Enquanto caminhava, segurava o revólver no bolso do paletó até deparar-se com a
amante, momento em que sentiu a mão enrijecida e os contínuos repuxos da arma.
O tempo parecia ter parado para o oficial de justiça. Refazendo-se,
Romualdo esfregou os olhos, como se estivesse acordando, e logo ouviu o seco
estalido das algemas, apertando-lhe os punhos.
* * *