por Pedro Luso de Carvalho
No final da primeira parte de Fiódor Dostoiévski, vida e obra, dissemos: o escritor retorna a São Petersburgo no mês de dezembro de 1859, juntamente com a esposa Maria Dmitrievna e com o filho, que adotara na Sibéria; dez anos antes, quando o escritor é detido juntamente com outros membros do chamado Círculo de Petrashevski, havia muita gente na enorme Praça Senovski, para se despedir dele e de seus companheiros, quando deixam a cidade com destino à prisão da Sibéria; agora, Dostoiévski é aguardado apenas por seu irmão mais velho Mikhail e por seu amigo Alexander Milukov.
Sobre esse encontro, Milukov viria dizer, mais tarde, que “Fiódor Mikhailovitch, segundo minha observação, não havia mudado fisicamente, até parecia mais saudável que antes, e não havia perdido nada de sua habitual energia. Recordo que, naquela primeira ocasião, apenas trocamos algumas idéias e impressões, recordamos os velhos tempos, bem como nossos amigos comuns”. Foi neste ponto que encerramos o texto FIÓDOR DOSTOIÉVSKI, VIDA OBRA – PRIMEIRA PARTE. Portanto, no presente texto - nesta segunda parte -, abordaremos uma outra etapa da vida desse mestre da literatura. Vejamos, pois.
Nesse seu retorno a São Petersburo, Dostoiévski edita, com a parceria de seu irmão Mikhail, o jornal literário O Tempo (Vremia) , que mais tarde seria sucedido pelo A Época (Epokha). Nessa quadra, Dostoiévski tem sucessivas convulsões em conseqüência da epilepsia que o acomete. Embora de saúde precária, consegue completar o seu primeiro romance importante, Humilhados e Ofendidos, cujos capítulos são publicados em sua revista (Vremia); o livro é recebido com entusiasmo pelo grande público, o mesmo não ocorrendo com a crítica; Humilhados e Ofendidos não tem a mesma sorte que seu livro Recordações da Casa dos Mortos, que faz grande sucesso junto a leitores e crítica.
O seu livro Recordações da Casa dos Mortos, constitui-se em importante relato do que Dostoiévski passou no presídio de Omsk, na Sibéria. Essa narrativa de suas amargas lembranças no cativeiro resulta no livro que foi publicado em 1860, depois de ter enfrentado inúmeros obstáculos criados pela censura até a sua publicação, que deu fama ao escritor. Dostoiévski cria um personagem, Alexander Petrovich Gorianchikov, para ser o narrador, visando desviar a atenção da censura. Gorianchikov, da nobreza russa, fora condenado a dez anos de trabalhos forçados pelo homicídio de sua esposa. Esse é o personagem, que, no entanto, não esconde tratar-se do próprio Dostoiévski .
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No final da primeira parte de Fiódor Dostoiévski, vida e obra, dissemos: o escritor retorna a São Petersburgo no mês de dezembro de 1859, juntamente com a esposa Maria Dmitrievna e com o filho, que adotara na Sibéria; dez anos antes, quando o escritor é detido juntamente com outros membros do chamado Círculo de Petrashevski, havia muita gente na enorme Praça Senovski, para se despedir dele e de seus companheiros, quando deixam a cidade com destino à prisão da Sibéria; agora, Dostoiévski é aguardado apenas por seu irmão mais velho Mikhail e por seu amigo Alexander Milukov.
Sobre esse encontro, Milukov viria dizer, mais tarde, que “Fiódor Mikhailovitch, segundo minha observação, não havia mudado fisicamente, até parecia mais saudável que antes, e não havia perdido nada de sua habitual energia. Recordo que, naquela primeira ocasião, apenas trocamos algumas idéias e impressões, recordamos os velhos tempos, bem como nossos amigos comuns”. Foi neste ponto que encerramos o texto FIÓDOR DOSTOIÉVSKI, VIDA OBRA – PRIMEIRA PARTE. Portanto, no presente texto - nesta segunda parte -, abordaremos uma outra etapa da vida desse mestre da literatura. Vejamos, pois.
Nesse seu retorno a São Petersburo, Dostoiévski edita, com a parceria de seu irmão Mikhail, o jornal literário O Tempo (Vremia) , que mais tarde seria sucedido pelo A Época (Epokha). Nessa quadra, Dostoiévski tem sucessivas convulsões em conseqüência da epilepsia que o acomete. Embora de saúde precária, consegue completar o seu primeiro romance importante, Humilhados e Ofendidos, cujos capítulos são publicados em sua revista (Vremia); o livro é recebido com entusiasmo pelo grande público, o mesmo não ocorrendo com a crítica; Humilhados e Ofendidos não tem a mesma sorte que seu livro Recordações da Casa dos Mortos, que faz grande sucesso junto a leitores e crítica.
O seu livro Recordações da Casa dos Mortos, constitui-se em importante relato do que Dostoiévski passou no presídio de Omsk, na Sibéria. Essa narrativa de suas amargas lembranças no cativeiro resulta no livro que foi publicado em 1860, depois de ter enfrentado inúmeros obstáculos criados pela censura até a sua publicação, que deu fama ao escritor. Dostoiévski cria um personagem, Alexander Petrovich Gorianchikov, para ser o narrador, visando desviar a atenção da censura. Gorianchikov, da nobreza russa, fora condenado a dez anos de trabalhos forçados pelo homicídio de sua esposa. Esse é o personagem, que, no entanto, não esconde tratar-se do próprio Dostoiévski .
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Na realidade, Recordações da Casa dos Mortos é o resultado da vivência do autor, na condição de presidiário em Omosk, no convívio com criminosos condenados pelos mais diversos crimes, além dos presos políticos. Dostoiévski é o primeiro escritor a escrever sobre os campos de trabalhos forçados da Rússia czarista. Choca a muitos pelo realismo de seus relatos: homens presos pelos pés por correntes, imundícies, promiscuidades, castigos corporais - os presos eram surrados com chicote ou vara, que só cessavam com a ordem do médico da prisão, para daí serem levados aos hospital, até retornarem para o cumprimento do castigo a que foram condenados.
O que se passava no inferno de Omosk não poderia escapar à sensibilidade do escritor: o homicida que mata premido pelas circunstâncias ou o que mata como meio de vida; do ladrão ao astuto chefe de quadrilha, tudo o que via e ouvia seria a matéria-prima para o seu livro 'Recordações da Casa dos Mortos, como para futuras obras, que viria dar conhecimento ao povo russo das atrocidades pelas quais passavam os apenados.
Dostoiévski soube aprender o que a poderosa escola, que é o presídio, tinha para ensinar-lhe; soube interpretar os sentimentos daqueles que com ele compartilham do mesmo infortúnio, das horas de sofrimentos com terríveis espancamentos, torturas desumanas, que acabam desaguando nas suas Recordações da Casa dos Mortos. Nessa obra, escreve Dostoiévski :
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O que se passava no inferno de Omosk não poderia escapar à sensibilidade do escritor: o homicida que mata premido pelas circunstâncias ou o que mata como meio de vida; do ladrão ao astuto chefe de quadrilha, tudo o que via e ouvia seria a matéria-prima para o seu livro 'Recordações da Casa dos Mortos, como para futuras obras, que viria dar conhecimento ao povo russo das atrocidades pelas quais passavam os apenados.
Dostoiévski soube aprender o que a poderosa escola, que é o presídio, tinha para ensinar-lhe; soube interpretar os sentimentos daqueles que com ele compartilham do mesmo infortúnio, das horas de sofrimentos com terríveis espancamentos, torturas desumanas, que acabam desaguando nas suas Recordações da Casa dos Mortos. Nessa obra, escreve Dostoiévski :
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“Aquele que, ao menos uma vez exerceu poder ilimitado sobre o corpo, o sangue, a alma do seu semelhante, sobre o corpo do seu irmão, segundo a lei de Cristo, aquele que desfrutou a faculdade de vilipendiar enormemente outro outro ser feito à imagem de Deus, esse torna-se incapaz de dominar as suas sensações. A tirania é um hábito dotado de extensão, pode desenvolver-se, tornar-se com o tempo uma doença. Afirmo que o melhor dos homens é suscetível de se insensibilizar até ser uma fera. (...) O homem e o cidadão eclipsam-se sempre no tirano. (...) Acrescentemos que o poder ilimitado da fruição seduz perniciosamente, e isso atua por contágio sobre a sociedade inteira. A sociedade que contempla tais atividades com indiferença está já contaminada até ao íntimo. Em suma, o direito de punir corporalmente, que um homem exerce sobre outro, é uma das pragas da sociedade: um processo seguro de sufocar em si mesma qualquer germe de civismo, de provocar a sua decomposição.”
É no final da obra que Dostoiévski acusa o sistema prisional czarista: “Quanta juventude foi desperdiçada dentro desses muros! Quantas energias pereceram, sem serem usadas, pois, a bem da verdade, estes homens eram fora do comum! Todavia, esta poderosa força foi desperdiçada irrevogavelmente! Pergunta-se: "a quem cabe a culpa?" Obviamente, a reposta não precisa ser dada, pois todos a conhecem.”
Jayme Mason escreveu: “A crítica não poupou elogios às Recordações da Casa dos Mortos. Alexander Herzen comparou a pena de Dostoiévski ao pincel de Michelangelo, e Lenin considerou o livro como inigualável na literatura russa e mundial. Não faltou quem comparasse os quadros de Dostoiévski , nesta obra, aos versos do Inferno de Dante. O nome de Dostoiévski atravessava as fronteiras da Rússia e sua obra ganhava a atenção dos países da Europa.”
Georg Lukács diz nos seus Ensaios Sobre Literatura, a respeito da transitoriedade do homem: “Um personagem secundário de Dostoiévski ilustra muito bem a atmosfera desses romances, afirmando sobre os homens em geral, transcrevendo trecho do livro de Dostoiévski: “Todos, como se nos encontrássemos numa estação ferroviária”.
“Essas poucas palavras - diz Lukács - exprime algo extraordinariamente importante. Em primeiro lugar, para essas pessoas toda situação tem caráter transitório. Estamos parados numa estação esperando a saída do trem. Naturalmente a estação não é a nossa casa, assim como o trem é apenas a passagem de um ponto para outro. Essa imagem exprime apenas a passagem de uma forma genérica o sentido da própria vida dos personagens de Dostoiévski. Memórias da Casa dos Mortos, escrita no cárcere ele observa que até mesmo os condenados a 20 anos consideram a permanência na prisão como um estado transitório.”
Em breve voltaremos com mais um texto sobre a vida e a obra do escritor. Leia também, FIÓDOR DOSTOIÉVSKI, VIDA OBRA – PRIMEIRA PARTE.
REFERÊNCIAS:
É no final da obra que Dostoiévski acusa o sistema prisional czarista: “Quanta juventude foi desperdiçada dentro desses muros! Quantas energias pereceram, sem serem usadas, pois, a bem da verdade, estes homens eram fora do comum! Todavia, esta poderosa força foi desperdiçada irrevogavelmente! Pergunta-se: "a quem cabe a culpa?" Obviamente, a reposta não precisa ser dada, pois todos a conhecem.”
Jayme Mason escreveu: “A crítica não poupou elogios às Recordações da Casa dos Mortos. Alexander Herzen comparou a pena de Dostoiévski ao pincel de Michelangelo, e Lenin considerou o livro como inigualável na literatura russa e mundial. Não faltou quem comparasse os quadros de Dostoiévski , nesta obra, aos versos do Inferno de Dante. O nome de Dostoiévski atravessava as fronteiras da Rússia e sua obra ganhava a atenção dos países da Europa.”
Georg Lukács diz nos seus Ensaios Sobre Literatura, a respeito da transitoriedade do homem: “Um personagem secundário de Dostoiévski ilustra muito bem a atmosfera desses romances, afirmando sobre os homens em geral, transcrevendo trecho do livro de Dostoiévski: “Todos, como se nos encontrássemos numa estação ferroviária”.
“Essas poucas palavras - diz Lukács - exprime algo extraordinariamente importante. Em primeiro lugar, para essas pessoas toda situação tem caráter transitório. Estamos parados numa estação esperando a saída do trem. Naturalmente a estação não é a nossa casa, assim como o trem é apenas a passagem de um ponto para outro. Essa imagem exprime apenas a passagem de uma forma genérica o sentido da própria vida dos personagens de Dostoiévski. Memórias da Casa dos Mortos, escrita no cárcere ele observa que até mesmo os condenados a 20 anos consideram a permanência na prisão como um estado transitório.”
Em breve voltaremos com mais um texto sobre a vida e a obra do escritor. Leia também, FIÓDOR DOSTOIÉVSKI, VIDA OBRA – PRIMEIRA PARTE.
REFERÊNCIAS:
GROSSMAN, Leonid. Dostoiévski Artista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
MASON, Jayme. Mestres da Literatura Russa. Rio de Janeiro: Obejtiva, 1995.
MORAIS, Regis de. Fédor M. Dostoievski. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 19982.
LUKÁCS, Georg. Ensaios Sobre Literatura. Tradução de Leandro Konder. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
FRANK, Joseph. Dostoievski. La secuela de la liberación 1860-1865. México: Fondo de Cultura Económica”, 1993.
O Dosta (como diz o cronista Mario Prata) é um desafio para leitores covardes, como eu me flagro, algumas vezes. Difícil encarar os Irmãos Russos, as Obras Completas e outros calhamaços do velho Dosta. Haja coragem!
ResponderExcluirNeste ano resolvi comer o Dosta pelas beiradas. Afinal, como chegar aos 40 sem ler Fiódor Dostoiévski? Sendo assim, garrei prá ler um romancesinho muito bacana, chamado “Noites Brancas”. Li e pensei: bom, já posso sair falando por ai que leio Dostoiévski! Ahaha!
Pois bem, Pedro, agora que li esta tua provocante resenha, fiquei com vontade de ler esse “Recordações da Casa dos Mortos”. Vou procurá-lo nos meus sebos prediletas aqui em Sampa!
Forte abraço!
Cesar
Este é, realmente, um destacado espaço de cultura. Poderia usar "Parabéns" e "Cumprimentos" como palavras de abertura para todos os comentários que aqui faço.
ResponderExcluirDostoiévski é um autor que me acompanha desde a minha adolescência. No princípio deste ano reli "Os Contos do Subterrâneo", "Coração Débil" e "Sonho de um Homem Ridículo", em pequenas edições de bolso que, habitualmente, me acompanham nas minhas deslocações, dando aproveitamento ao tempo das pausas para café ou nas filas de atendimento.
Um olhar enorme e profundo sobre o humano e o desumano, a alma e tudo o que a veste e a despe.
Excelente esta enorme presença por cá. Mais ainda a promessa de continuidade. Mais importante: A recordação que tenho da leitura da "Recordações da Casa dos Mortos" está comprometida pela passagem do tempo. Talvez porque se bem me recordo foi feita num período conturbado da minha vida. Óptima razão para uma releitura. Devo-te o facto de me colocares esta obra no meu caminho, hoje.
Um grande abraço.
P.S. - Como de costume, respondi aos comentários do post “Amarelo – O Pequeno Tigre” na mesma página em que foram feitos
Fantástico! Os melhores livros que li em minha vida foram "Os Irmãos Karamázov" e "Os Demônios"... Estou louco para comprar esse lançamento da Editora 34 que é traduzido diretamente do russo.
ResponderExcluirTambém quero muito os volumes dessa biografia escrita por Joseph Frank.
Bem, Dostoiévski completa minha vida, é muito além da literatura, é um mergulho nos nossos sentimentos mais íntimos e, por vzs, assustadores.
Abraços!
http://tempo-horario.blogspot.com/
http://twitter.com/brunobaxter
Maravilhoso. Um autor essencial. Quem nunca o leu não está completo.
ResponderExcluirAlém do meu livro favorito, "Crime e Castigo", "O Idiota", "Os Irmãos Kararamázov", "Recordações da Casa dos Mortos" e "O jogador" ( que terminei semans atrás) trazem um prazer especial ao leitor.
Como disse o Cezar Cruz aí em cima, não são livros fáceis, para serem lidos a qualquer tempo e ocasião, mas depois que se acostuma, vicia.
parabéns pelo blog que continua muito bom.
Sandro
http://minervapop.blogspot.com
Muy buen escrito!!! gracias por esa exposicion. besitos mery
ResponderExcluirPedrão
ResponderExcluirTenho o Dostoievski todo, todinho. E, sempre que me dá na real gana, vou-me a ele. Ler faz muito bem. Mas, reler também faz.
As tuas iniciativas neste campo da Literatura são sempre de louvar. Tens um dedo especial para escolher temas e autores. E não precisas que to diga. Mas, dá-me prazer fazê-lo.
A Cultura Lusíada tem em ti uma figura assinalável - de tão excelente que és. Poderia brincar com o trocadilho. Hesito. Mas, desbocado como sou e malandro de militância, tenho de aqui escrever que sendo Luso de apelido, és Lusíssimo de intenção, de convicção - e de acção.
E, alem disso, este teu blogue é um mimo. Repositório cultural e magistral (és um Mestre na arte de bem escrever e na de difundir os conhecimentos por quem mais deles precisa) o teu dixit não é imperativo - é fraternal. Bem hajas, Pedrão.
Voltando ao nosso Fiodor, e ao seu espantoso «Recordações da Casa dos Mortos» tive felizmente a oportunidade de ter ido a Omsk, ainda a Rússia estava travestida de URSS. Ossos do ofício de jornalista aventureiro...
Ali encontrei-me com um Senhor (assim mesmo com caixa alta) de seu nome Pavel Lubinvski, director da biblioteca estatal Fiodor Dostoievski. Em tempo de comunismo, e das diversas vezes que fui à falecida União Soviética, foi uma das conversas mais interessantes que tive. Senão mesmo, A mais.
Guardo uma edição em cirílico do livro, oferecida por ele. Que não sei ler, mas que é uma recordação incontornável. Só tu, Pedrão, me levarias a ir busca-la à prateleira da estante de minha casa onde está (há várias...) - só para a mirar e remirar. Spassiba, querido Amigo.
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Já recebeste o segundo exemplar do «Morte na Picada» para efeitos de possível edição? Enviei-o há mais de um mês... Diz algo, sil us plau.
Qjs à Tais e abs para tu (ou será?...)
Aqui passo e vou ficando menos miserável...
ResponderExcluirAbraços
Meu caro,
ResponderExcluirDesejo que a ausência de novidades seja um bom sinal. Que pleno de actividades, estejas a cultivar as saudades que temos de novas publicações...
Um grande abraço