por Pedro Luso de Carvalho
Entre uma pilha petições e outra de processos findos, que pretendia encaminhá-los à lixeira, encontrei dois recortes da revista Manchete, amassados, amarelecidos e sem data, que reproduzia uma entrevista concedida pelo filho de Clarice Lispector, o economista Paulo Gurgel Valente, a Jorge de Aquino Filho.
Acho que um de meus filhos, no afã de ajudar-me no emaranhado de papéis, misturou uma coisa com outra. Nas fotos de Paulo Marcos, o filho de Clarice posa para a foto principal da entrevista. Na parede da sala, um quadro da escritora pintado por De Chirico. Na primeira página da entrevista, acima dessa foto, aparece a manchete: “Minha mãe Clarice Lispector”.
Como a entrevista é longa, farei menção apenas a alguns trechos do que Paulo falou sobre sua mãe Clarice, deixando de reproduzir a pergunta do entrevistador, e passando diretamente à resposta. Pois bem, o texto da entrevista tem uma espécie de ementa (própria de acórdão de tribunais): “Mamãe era extremamente vaidosa. Jamais escreveu trancada num quarto com cachimbo na boca, como diziam”.
No camarote da Gávea – diz o entrevistador, nesse intróito – a presença de Clarice Lispector está viva nos pequenos baús de prata e no potinho que enfeitam a grande arca de madeira. E prossegue descrevendo a sala em que se encontram: “Na parede, ela revive em seus retratos feitos por Scliar e De Chirico, mostrando fases da escritora nascida na Ucrânia, União Soviética (na época), a 10 de dezembro de 1925, mas desde um ano de idade tornada brasileira pelos pais que escolheram o Brasil como pátria”.
No início dessa conversa, Paulo dizia-se emocionado ao falar de sua mãe, e contente por saber da importância de sua obra. Disse do agradável convívio que Clarice tinha com ele, Paulo, e com seu irmão Pedro: “Mamãe se preocupava muito com seus filhos. Nossos deveres escolares, nossas amizades, nossa alimentação tinham sempre sua supervisão. Ao mesmo tempo criou-nos com muita liberdade. A característica principal foi inspirar sempre muita criatividade. Jamais nos cerceou”.
Quando o entrevistador perguntou-lhe se sua mãe reclamava quando era interrompida pelos filhos, respondeu-lhe que não, e que ela gostava de escrever rodeada de seus dois filhos. Lembrava-se dela com a máquina de escrever no colo. Foi assim – disse - que escreveu todos os seu romances. E mais: sua mãe, não gostava de escritório, e mesmo enquanto escrevia, não deixava de ser uma dona-de-casa. “Ora falava de empregada, ora fazia a relação de compras. Muitas vezes fomos juntos à feira. Escrever, para ela, era como fazer compras ou concluir qualquer tarefa doméstica – algo muito natural”.
Mais adiante, na entrevista, ante a pergunta do que marcou mais no contato entre mãe e filho, Paulo respondeu que “foi quando ainda garoto, vendo-a a escrever sempre sentada no seu sofá preferido, um dia lhe perguntei: ‘Já que a senhora tanto escreve, por que não faz uma história só para mim?' Mamãe parou o romance que estava escrevendo e iniciou a história. Depois, guardou-a na gaveta. Passados quinze anos a história foi editada como seu primeiro livro infantil chamado O Mistério do Coelhinho Pensante. Paulo diz que esse livro foi o início da incursão de sua mãe na literatura infantil.
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Por que será que Clarice Lispector exerce tanto fascínio em tantos leitores - e até em não leitores?
ResponderExcluirNem sei explicar por que exerce fascínio em mim. Mulher misteriosa? A sua obra deixa essa impressão. Muito mulher, muito feminina? Também, também. Nem precisou fazer esforço para isso.
Não é por ser grande escritora. Há outras. Nem por ser feminina ou misteriosa. Também há outras. A sua linguagem aparentemente simples deixa uma impressão de interrogar escaninhos do íntimo humano como nenhuma outra. Será mais que as outras mesmo? Até para quem nem a lê?
Clarice é amada, isso é essencial. Que escritor conseguiu glória maior?
Abraços.
A Clarice realmente sabe fascinar as pessoas, gosto demais das obras dela, e fiquei super feliz em saber mais da vida dessa mulher que agora é pintada como uma mãe zelosa.
ResponderExcluirGostei muito querido amigo, Gostei demais de sua visita também.
Venha sempre que puder.
\Beijos em seu coração :) :)
Grande Clarice Lispector, meu querido Pedro e que bonita a história.
ResponderExcluirObrigada pela passagem por lá, apesar da "galhofa", mas que é verdadeira.
Bjus
CON Duarte
Oi, Pedro! Ao ler teu post fiquei pensando "onde" eu havia lido este recorte da revista...Acabei lembrando agora, vindo de um engarrafamento na Ipiranga: foi em outubro do ano passado, em um Seminário sobre "1968" na Unisinos: um dos painelistas falou sobre a mídia impressa deste período e trouxe justamente esta entrevista com o filho da Clarice Lispector! O mundo é mesmo feito de pequenas e grandes coincidências!!!
ResponderExcluirMeu livro preferida dela é "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres" onde há descrições deliciosas, aromáticas e coloridas das frutas na feira em dias ensolarados...
Abraços
Kátia
Caro Pedro,
ResponderExcluirMuito obrigado por sua atenção.
Clarice é a prova de que um escritor é feito por seus leitores. Certo que ela era uma criadora de gênio, mas precisou dos leitores, que foram arrebatados por seu fascínio.
Abraços,
José Carlos.
Caro Pedro Luso:
ResponderExcluirCheguei pela primeira vez e gostei e por isso o felicito.
Reparei, surpreendido, que colabora no "A Garganta da Serpente". Eu também.
Abraços
Obrigada pela visita. Carice também falava muito da morte, porque amava muito a vida.
ResponderExcluirUm abraço.
Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.
ResponderExcluirClarice Lispector.
Instigante... uma sábia mulher eternizada em suas obras.
Obrigada pela visita e volte sempre!
Beijos.
Cuántos idiomas, cuántas maneras diferentes de comunicación, el universo de internet es fabuloso.
ResponderExcluirCaro Pedro Luso!
ResponderExcluirExcelente apontamento sobre Clarice Lispector, essa grande senhora das letras lusas
que também é reconhecida em Portugal
Abraço
josé
Amo, Clarice! É uma das minhas preferidas!
ResponderExcluirCaro Pedro.
ResponderExcluirOnde posso encontrar esta entrevista completa? Estou conhecendo Lispector e já tenho verdadeiro fascínio por tudo que a cerca.
Abraços,
Fernanda.
A Clarice Lispector, soube em seus escritos, cativar o leitor, por que tratava com amor, aquilo que predispunha a escrever. Acredito, que ela passava a mesma emoção nas suas criações, como criou os seus filhos...mais livres, sem podar a criatividade que brotava da sua alma. As suas criações literárias, são filhos que ela depositava todo amor, ternura e paciência.
ResponderExcluirPor isso acho que ela passa essa emoção, pois o próprio filho descreve a forma calma, em que ela conduzia a relação entre eles, e assim imagino que também ela conduzia seus textos.
Nos textos literários da Clarice , se respira emoção, é carisma impregnado em cada página, nos dopando de emoção.
Adoro a Clarice e achei super interessante ler o texto escrito aqui em seu blog, onde somente agora, consegui entender, a razão do seu sucesso.
Obrigada pela publicação sobre a autora, e por nos deixar saber um pouco mais sobre ela.
Um lindo dia.
Um grande abraço.
Caro Pedro,
ResponderExcluirSou uma fanática leitora e admiradora de Clarice, e fico fascinada a cada leitura e descoberta sobre essa escritora espetacular.
Pretendo estudar a sua obra cada vez mais, e seu texto já foi de grande ajuda.
Obrigada!
Géssica Oliveira
O universo literário de Clarice é algo que inquieta, pois ela nos convida sempre a mergulhar profundamente naquilo que o humano tem de mais humano. Escritura feminina? O que importa? A palavra não tem sexo. A palavra é o seu grande enigma. Seu (Nosso)constante "Decifra-me". Assim, Clarice se faz instrumento da palavra que atrai, encanta, provoca e enfeitiça. Descobri a sua literatura num momento difícil de transição entre a dor e a sobrevida. Fui salvo. Hoje, sem nenhum exagero, ler Clarice me arraiga ao solo de mim mesmo.
ResponderExcluirApaixonada por Clarisse... Quanto mais eu leio, mas amo-a!
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