NÃO À FRANQUEZA
[ PEDRO LUSO DE CARVALHO ]
Desde muito cedo as
pessoas aprendem a conviver com a franqueza – melhor dizendo, com a suposta
franqueza. O primeiro estágio dessa experiência dá-se bem cedo, no seio da
família; depois se transfere para a escola, e, mais tarde, para o trabalho. Na
família, todas aquelas palavras ofensivas, que foram ditas pelos pais com o
propósito de educar – escondendo outros sentimentos –, são as mais
significativas; palavras que poderão ecoar bem além da infância, com sérios
prejuízos para a formação do caráter de seus filhos.
Na família, os pais fazem
a revelação aos seus filhos do que seja a suposta franqueza – na prática –, com
a carga ofensiva contida nas palavras que lhes dirigem, para admoestá-los.
Embora procurem justificar essa atitude – depois de passada a tempestade –, com
palavras como, por exemplo, “fiz isso para o bem de vocês”, os filhos não
acreditam no que dizem os pais. Inteligentes e observadoras, as crianças sentem
que ouviram críticas agressivas, que as deixaram intimidadas.
As crianças sabem
distinguir uma palavra agressiva de um gesto de carinho. De nada adianta
tergiversar, as crianças sabem quando uma palavra não transmite sinceridade. O
melhor será, pois, os pais agirem com honestidade ao invés de se esconderem
atrás de palavras que pensam ser de franqueza, quando são, na realidade,
palavras com conteúdo altamente agressivo; nesses casos, quase sempre
transmitem aos seus filhos tratamento semelhante ao que receberam de seus
genitores, sem se aperceberem disso, o que, aliás, é quase regra.
Enquanto esse círculo
vicioso não for cortado pelos pais, que também sofreram esse tipo de tratamento
na infância, as novas gerações seguirão confundindo agressividade e mal trato
com franqueza [qualidade de quem diz o que pensa]. Por isso, as crianças que
aprendem que podem dizer o que pensam, como regra, serão adultos falastrões e
inconvenientes. Eles serão críticos ferrenhos dos atos que julgarem errados, na
presença da pessoa, alvo da critica, que esteja disposta a ouvi-los.
Um exemplo desse ato de
franqueza: um homem e sua mulher são recebidos pelo casal anfitrião. Terminado
o jantar o convidado diz não ter gostado nem da comida nem do vinho. Depois o
homem deixa a mesa e passa a olhar os quadros na sala de visitas, e, igualmente
sem cerimônia, diz, ao casal anfitrião, que nenhuma dessas pinturas é de boa
qualidade. O que dizer dessa inominável grosseria?
Isso me fez lembrar uma
conferência sobre literatura proferida no salão nobre do Senado, por Ariano
Suassuna. A certa altura de sua fala, o mestre diz com a simplicidade própria
das pessoas sábias, que um dos defeitos que não consegue suportar nos seus
semelhantes é a franqueza. Diz não gostar de quem aponta seus defeitos.
Suassuna deixa claro que não se importa que falem mal dele, desde que não o
façam na sua presença.
O que pode acontecer de
mais grave pela ação de adultos – acostumados que são em dizer o que pensam
sobre quem não lhes pediu opinião ou conselho –, é o ataque incontrolável à
honra de quem é reconhecidamente honrado. E mal sabem eles que por trás dessa
capacidade incontida de usar da suposta franqueza para criticar as pessoas – a
que se dão ao direito e com a qual se comprazem –, encontra-se escondido em
algum canto da alma um perverso sentimento de inveja, que tentam dissimular.
Encaixa-se no que foi
dito acima, ou seja, no sentimento de inveja – suposta franqueza –, dissimulado
pelo espírito crítico, um trecho de As Sete Mulheres de Barba Azul, romance de
Anatole France:
O talento é o que menos
se perdoa. O mundo pouco se importa com a vileza da alma e a deslealdade do
coração. Aceita os perversos e os covardes. A própria riqueza desperta pouca
inveja porque é sempre considerada imerecida. Até a glória de um homem comum
não ofende ninguém. Mas há no talento uma soberba que deve ser expiada com
ódios violentos e calúnias pérfidas.
(In: As Sete Mulheres de
Barba Azul/Anatole France,
Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1983.)
* * *
O que me atraiu a ler esta crônica, foi seu título. Esplêndida, Pedro! Uma avaliação perfeita e profunda deste mal disfarçado de virtude, que é a franqueza; ou melhor este tipo de franqueza, que nada mais é do que uma covardia vil e, como colocaste bem, invejosa.
ResponderExcluirforte abraço!
em tempo: achando ste post, esta pérola que escreveste, e que hoje está sob pilhas de outras postagens mais recentes, vejo como as coisas se perdem fácil nessa vida! Como pode tal texto não ter um único comentário? Tenho a resposta: as pessoas, desgraçadamente, não leem. E quando o fazem, fazem superficialmente. Já o BBB... Ah, o BBB!
abç de novo