– PEDRO LUSO DE CARVALHO
ANTON TCHEKHOV escreveu o conto A
dama do cachorrinho, uma de suas obras-primas, no final de 1899, quando se
encontrava em Ialta, época em que sua saúde estava seriamente abalada. Maximo
Gorki, amigo de Tchekhov, escreveu-lhe, após ter lido esse conto:
Li sua Dama. Sabe você o que está fazendo? Está matando o realismo. E
acabará de matá-lo. Em breve há de liquidá-lo por muito tempo. Essa forma já
viveu o que tinha de viver – é um fato! Ninguém pode ir mais longe que você por
esta senda, ninguém pode escrever com tamanha simplicidade sobre coisas tão
simples, como você sabe. Depois do mais insignificante de seus contos, tudo o
mais parece grosseiro e escrito não com a pena, mas com um pedaço de pau. E,
principalmente, tudo parece não simples, isto é, inverídico. É verdade (...) E
quanto ao realismo, você vai exterminá-lo mesmo. Estou contente ao extremo.
Chega! Diabo que o carregue!
Gorki prossegue com sua carta para o amigo Tchekhov: “Com efeito, chegou o tempo de se necessitar
de algo heroico: todos desejam algo excitante, colorido, que não seja parecido
com a vida, mas sim mais elevado que ela, melhor, mais belo. É absolutamente
indispensável que a literatura atual comece a enfeitar um pouco a vida e, logo
que ela o comece, a vida se embelezará, isto é, os homens viverão de modo mais
veloz e vibrante. E, agora, veja que olhos ordinários eles têm: enfastiados,
turvos, congelados”.
Sobre essa almejada transformação da literatura, realizada por Tchekhov,
continua Gorki:
Você realiza uma obra
colossal, com seus pequenos contos, despertando nas pessoas uma repulsa por
esta vida sonolenta, meio morta – diabo que a carregue! A sua dama causou-me
tamanha impressão que, apenas a conheci, quis trair minha mulher, sofrer,
brigar etc. Mas não traí a mulher, pois não havia com quem, apenas briguei com
ela decididamente e fiz o mesmo com o marido da irmã dela, meu amigo do peito.
Vai ver que você não esperava tamanho resultado? Mas não estou brincando:
aconteceu isso mesmo. E não é comigo apenas que acontecem coisas assim, não
ria. Seus contos são frascos elegantemente facetados, contendo todos os
perfumes da vida, creia-me! Um olfato sensível sempre encontrará neles o
perfume fino, penetrante e sadio do “real” verdadeiramente necessário e
precioso que sempre existe em cada um de seus frascos. Bem, vou parar, senão
vai pensar que estou lhe fazendo cumprimentos.
Ainda, sobre a repercussão do conto de Tchekhov, A dama do cachorrinho, agora com a manifestação de Tolstoi, como
foi anotado no seu diário, em 16 de janeiro de 1900: “Li A dama do cachorrinho, de Tchekhov. Sempre Nietsche. Pessoas que não
elaboraram em si uma clara visão do mundo, que separe o bem e o mal. Antes se
intimidavam, ficavam à procura, mas agora, acreditando encontrar-se além do bem
e do mal, permanecem aquém, isto é, quase uns animais”.
T.L. Chechépkina-Kupérnik afirma, em suas reminiscências: “Seus pequenos contos valem as obras em
muitos volumes de outros. Tome-se, por exemplo, A dama do cachorrinho:
Turgueniev teria aí tema para um romance inteiro. Tchekhov acomodou-o em
algumas dezenas de páginas, mas nessas páginas se vê e se sente não só o drama
pessoal de duas ou três pessoas, mas todo o quotidiano da ‘intelienguêntzia’ de
então, que se sufocava sob os pesos dos preconceitos, das noções falsas sobre
decência etc, que muitas vezes destruíam a vida e o íntimo das pessoas”.
Em A dama do cachorrinho,
Tchekhov criou o personagem Gurov, homem casado, que, na estação de veraneio de
Ialta, conheceu a dama do cachorrinho, Ana Sierguieivna, mulher também casada,
que, uma semana após o primeiro encontro, levou-o ao seu quarto. O que se passa
na mente de Ana e Gurov, nesse primeiro encontro, é contado com sutileza e
maestria por Tchekhov. Passado algum tempo, Ana regressa para sua casa, numa
província perto de Moscou, e Gurov regressa a Moscou e reassume o seu trabalho
no banco. Gurov não conseguindo esquecer Ana, procurou-a mais tarde em sua
casa; com medo de ser descoberta pelo marido, prometeu encontra-se com ele em
Moscou. A partir daí passaram a encontrar-se a cada dois ou três meses; os
amantes convencem-se de que foram feitos um para o outro; mas não há uma
solução definitiva para o caso; Tchekhov deixa o desfecho por conta do leitor.
Essa falta de conclusão no conto A
dama do cachorrinho espantou os críticos de Tchekhov, como V. Burênin, que
escreveu no Nórvíe Vrênia, em 25 de janeiro de 1900: “O final nas obras deste literato de talento surge no ponto em que,
segundo parece, deveríamos esperar o verdadeiro trabalho do criador”. Além
do caráter fragmentário do conto, outros críticos fizeram restrições ao conto
sob o aspecto moral. Hoje, evidentemente, tais críticas não seriam feitas por
críticos sérios, quer quanto à forma, quer quanto ao seu conteúdo.
A dama e o cachorrinho e outros contos, obra
publicada no Brasil pela editora 34, em 1999, com tradução do conceituado Boris
Schnaiderman, que também foi o responsável por um excelente Posfácio, do qual
extraí os trechos que se relacionam com Tchekhov e Gorki, além de Tolstói, T.L.
Chechépkina-Kupérnik e V. Burênin. As publicações anteriores foram feitas em
1959 pela Civilização Brasileira, e pela Max Limonad, em 1985 e 1986.
REFERÊNCIAS:
TCHEKHOV, Anton
Pavlovitch. A dama do cachorrinho e
Outros Contos. Trad. de Boris Schnaiderman. São Paulo: Editora 34, 1999.
MASON, Jayme. Mestres da Literatura Russa. Rio de
Janeiro: Editora Objetiva, 1995.
LAFFITTE, Sophie. Tchekhov. Tradução de Hélio Pólvora.
Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1993.
* * *
"A dama do cachorrinho", do Anton Tchekhov, não li. Junto-o à "Moby Dick" do Herman Melville, às obras obrigatórias que ainda não li, mas farei em logo.
ResponderExcluirAbraço e bom domingo.
Caro,
ResponderExcluirMotivado por uma referência ao conto feita ontem por Tom Zé em seu blog voltei ao conto, que acabo de ler. É fantástico. Fui em busca de referências e encontrei este óitimo texto do seu blog. Grato pela pesquisa.
Marcus.
Pedro,
ResponderExcluirVoltei a estes seus ótimos posts sobre Tchekhov, com ânimo redobrado após comprar A Dama e o cachorrinho, da Ed.34. Já havia lido os contos do homem, inclusive já tive uma antologia de contos seus em minhas mãos, uma versão antiga, anos 60, que desgraçadamente sumiu...
Agora, mais maduro como leitor e como escritor, pude enxergar uma "graça" em Tchekhov que confesso que anos atrás eu não havia visto, me faltou justamente essa sensibilidade que reconhece beleza e arte na simplicidade e no prosaicaismo (chame-mos assim) de suas histórias. A dama e o cachorrinho é um livro delicioso e comovente, para quem souber apreciá-lo.
abraço a vc
Cesar