[ PEDRO LUSO DE
CARVALHO ]
O último romance que li
de Milan Kundera foi A identidade;
antes, li A insustentável leveza do ser e
Risíveis amores. A leitura de outras
obras do escritor, como A brincadeira,
A valsa dos adeuses, A imortalidade, dentre outros, sempre
esteve nos meus planos, mas, com as exigências de minha profissão e com tantos
autores por ler, fui deixando essas leituras de Kundera para mais tarde.
Agora, depois de ter lido
o excelente ensaio de Carlos Fuentes, com o título de "Milan Kundera: O
Idílio Secreto", que compõe o seu livro Geografia do Romance, fiquei entusiasmado com a ideia de ler outros
romances do escritor tcheco. Fuentes inicia esse ensaio contando a aventura dos
três escritores latino-americanos que, em 1968, desembarcaram em Praga: ele,
Carlos Fuentes, Julio Cortázar e Gabriel García Márquez.
Fuentes demonstra nesse
ensaio todo o seu fascínio por Praga: “Não há cidade mais bonita na Europa.
Entre o alto gótico e o século barroco, sua opulência e sua tristeza se
consumaram nas bodas da pedra com o rio. Como o personagem de Proust, Praga
ganhou o rosto que merece. É difícil voltar a Praga; é impossível esquecê-la. É
certo: habitam-na demasiados fantasmas”. A descrição de Praga, cidade de
Kundera e de Kafka, por Fuentes, vai mais longe, e é feita com a maestria que é
própria desse importante romancista e ensaísta mexicano, que, não faz muito tempo,
nos deixou.
Esse ensaio de Fuentes
tem como centro o escritor Milan Kundera e sua obra, começando por A brincadeira, publicada em Paris em
1968. Fuentes diz que nesse mesmo ano que conheceu Kundera, foi à capital
francesa, por ocasião de sua publicação, para prestigiar o amigo. Conta que
esse livro foi elogiado por Claude Gallimard e pelo poeta Aragon; este, que foi
o responsável pelo seu prólogo, disse que o romance ”explica o inexplicável”,
acrescentando: “É preciso ler este romance. É preciso crer nele”.
Voltando a Praga, onde
Fuentes, Cortázar e García Márquez travam amizade com Kundera, fica-se sabendo
por esse ensaio do que conversaram na ocasião, como, por exemplo, de como os
tchecos viam os russos, que em 1945 os libertaram de Hitler, pelo que diz
Kundera: “Como entender que agora entrassem com seus tanques em Praga, para
esmagar os comunistas em nome do comunismo, quando deviam estar comemorando o
triunfo do comunismo tcheco em nome do internacionalismo socialista?”
No seu ensaio, Fuentes
conta que foram a Praga a convite da União de Escritores Tchecos, nesse período
estranhíssimo – como diz –, que vai do outono de 1968 a primavera de 1969. E
que, nessa época, também tinham ido a Praga: Jean-Paul Sartre e Simone de
Beauvoir, além de Nathalie Serraute e outros romancistas franceses, além dos
escritores alemães Heinrich Böll e Günter Grass (vencedores do Prêmio Nobel de
Literatura de 1972 e 1999, respectivamente).
O tema romance, como não
poderia deixar de ser, foi motivo de muita conversa entre esses quatro
escritores. Numa dessas conversas, conta Fuentes que Kundera brincou com os
três romancistas latino-americanos, dizendo que ele (Kundera) teve o privilégio
de ler Kafka no original. Fuentes diz que compartilhava com Kundera de “certa
visão do romance como um elemento indispensável, não sacrificável, da
civilização (...). O romance, gênero supostamente em agonia, tem tanta vida que
deve ser assassinado”.
Com isso, Fuentes faz
alusão à severa proibição quanto à publicação e divulgação da obra de Milan
Kundera, pelos comunistas, na sua terra natal, a então Tchecoslováquia, como de
resto, em todos os países que integravam a extinta URSS (União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas), fato esse que o forçava a publicar os seus livros em
países não comunistas, de modo especial na França. Daí a declaração de Aragon,
no prefácio da edição francesa do romance de Kundera, A brincadeira: “O romance é indispensável ao homem, como o pão”.
“Por que” – pergunta
Fuentes a si próprio, sobre essa afirmação de Aragon, e logo tem a resposta:
“Porque nele se encontrará a chave que o historiador – o mitógrafo vencedor –
ignora ou dissimula”. E, a seguir, Fuentes diz qual o ponto de vista de
Kundera: “O romance não está ameaçado pelo esgotamento, mas pelo estado ideológico
do mundo contemporâneo”. Kundera conclui: “Nada há de mais oposto ao espírito
do romance, profundamente ligado à descoberta da relatividade do mundo, do que
a mentalidade totalitária, dedicada à implantação de uma verdade única”.
Como que disseram Fuentes
e Kundera, nesse último parágrafo, não se pode ter dúvida de que o romance é
temido por todos os regimes totalitários, de esquerda ou de direita, porque o
romancista conta a verdadeira História da Humanidade, por estar ele (o
romancista) imune à pressão totalitária, e por não aceitar que exista uma
verdade única. Por isso pode-se ter a certeza de que o romance sobreviverá às
ideologias.
REFERÊNCIA:
FUENTES, Carlos. Geografia do Romance. Tradução de Carlos
Nougué. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1993.
* * *
Estava ensaiando comprar um livro de Fuentes no Estante Virtual e depois do seu post decidi começar por este que vc indica, Geografia do Romance.
ResponderExcluirAlém do que Praga é minha cidade favorita na Europa, apesar de não conhecer muitas.
Obrigado, Mila, por sua visita.
ExcluirAcho que você vai gostar de "Geografia do Romance". Nesse livro, Fuentes escreve sobre Borges, Cortázar, Kudera, Calvino, entre outros.
Outro livro excelente de Carlos Fuentes é "Este é meu credo" - A/Z. Aí Fuentes discorre sobre América Ibérica, amor, amizade, educação, escritores, morte, mulheres, sexo, tempo,Zurique, entre outros temas.
Abraços