9 de jun. de 2013

MILAN KUNDERA – Fuentes, Cortázar e Márquez



    [ PEDRO LUSO DE CARVALHO ]


O último romance que li de Milan Kundera foi A identidade; antes, li A insustentável leveza do ser e Risíveis amores. A leitura de outras obras do escritor, como A brincadeira, A valsa dos adeuses, A imortalidade, dentre outros, sempre esteve nos meus planos, mas, com as exigências de minha profissão e com tantos autores por ler, fui deixando essas leituras de Kundera para mais tarde.

Agora, depois de ter lido o excelente ensaio de Carlos Fuentes, com o título de "Milan Kundera: O Idílio Secreto", que compõe o seu livro Geografia do Romance, fiquei entusiasmado com a ideia de ler outros romances do escritor tcheco. Fuentes inicia esse ensaio contando a aventura dos três escritores latino-americanos que, em 1968, desembarcaram em Praga: ele, Carlos Fuentes, Julio Cortázar e Gabriel García Márquez.

Fuentes demonstra nesse ensaio todo o seu fascínio por Praga: “Não há cidade mais bonita na Europa. Entre o alto gótico e o século barroco, sua opulência e sua tristeza se consumaram nas bodas da pedra com o rio. Como o personagem de Proust, Praga ganhou o rosto que merece. É difícil voltar a Praga; é impossível esquecê-la. É certo: habitam-na demasiados fantasmas”. A descrição de Praga, cidade de Kundera e de Kafka, por Fuentes, vai mais longe, e é feita com a maestria que é própria desse importante romancista e ensaísta mexicano, que, não faz muito tempo, nos deixou.

Esse ensaio de Fuentes tem como centro o escritor Milan Kundera e sua obra, começando por A brincadeira, publicada em Paris em 1968. Fuentes diz que nesse mesmo ano que conheceu Kundera, foi à capital francesa, por ocasião de sua publicação, para prestigiar o amigo. Conta que esse livro foi elogiado por Claude Gallimard e pelo poeta Aragon; este, que foi o responsável pelo seu prólogo, disse que o romance ”explica o inexplicável”, acrescentando: “É preciso ler este romance. É preciso crer nele”.

Voltando a Praga, onde Fuentes, Cortázar e García Márquez travam amizade com Kundera, fica-se sabendo por esse ensaio do que conversaram na ocasião, como, por exemplo, de como os tchecos viam os russos, que em 1945 os libertaram de Hitler, pelo que diz Kundera: “Como entender que agora entrassem com seus tanques em Praga, para esmagar os comunistas em nome do comunismo, quando deviam estar comemorando o triunfo do comunismo tcheco em nome do internacionalismo socialista?”

No seu ensaio, Fuentes conta que foram a Praga a convite da União de Escritores Tchecos, nesse período estranhíssimo – como diz –, que vai do outono de 1968 a primavera de 1969. E que, nessa época, também tinham ido a Praga: Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, além de Nathalie Serraute e outros romancistas franceses, além dos escritores alemães Heinrich Böll e Günter Grass (vencedores do Prêmio Nobel de Literatura de 1972 e 1999, respectivamente).

O tema romance, como não poderia deixar de ser, foi motivo de muita conversa entre esses quatro escritores. Numa dessas conversas, conta Fuentes que Kundera brincou com os três romancistas latino-americanos, dizendo que ele (Kundera) teve o privilégio de ler Kafka no original. Fuentes diz que compartilhava com Kundera de “certa visão do romance como um elemento indispensável, não sacrificável, da civilização (...). O romance, gênero supostamente em agonia, tem tanta vida que deve ser assassinado”.

Com isso, Fuentes faz alusão à severa proibição quanto à publicação e divulgação da obra de Milan Kundera, pelos comunistas, na sua terra natal, a então Tchecoslováquia, como de resto, em todos os países que integravam a extinta URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), fato esse que o forçava a publicar os seus livros em países não comunistas, de modo especial na França. Daí a declaração de Aragon, no prefácio da edição francesa do romance de Kundera, A brincadeira: “O romance é indispensável ao homem, como o pão”.

“Por que” – pergunta Fuentes a si próprio, sobre essa afirmação de Aragon, e logo tem a resposta: “Porque nele se encontrará a chave que o historiador – o mitógrafo vencedor – ignora ou dissimula”. E, a seguir, Fuentes diz qual o ponto de vista de Kundera: “O romance não está ameaçado pelo esgotamento, mas pelo estado ideológico do mundo contemporâneo”. Kundera conclui: “Nada há de mais oposto ao espírito do romance, profundamente ligado à descoberta da relatividade do mundo, do que a mentalidade totalitária, dedicada à implantação de uma verdade única”.

Como que disseram Fuentes e Kundera, nesse último parágrafo, não se pode ter dúvida de que o romance é temido por todos os regimes totalitários, de esquerda ou de direita, porque o romancista conta a verdadeira História da Humanidade, por estar ele (o romancista) imune à pressão totalitária, e por não aceitar que exista uma verdade única. Por isso pode-se ter a certeza de que o romance sobreviverá às ideologias.



REFERÊNCIA:
FUENTES, Carlos. Geografia do Romance. Tradução de Carlos Nougué. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1993.


                                                *  *  *

2 comentários:

  1. Estava ensaiando comprar um livro de Fuentes no Estante Virtual e depois do seu post decidi começar por este que vc indica, Geografia do Romance.
    Além do que Praga é minha cidade favorita na Europa, apesar de não conhecer muitas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Mila, por sua visita.

      Acho que você vai gostar de "Geografia do Romance". Nesse livro, Fuentes escreve sobre Borges, Cortázar, Kudera, Calvino, entre outros.

      Outro livro excelente de Carlos Fuentes é "Este é meu credo" - A/Z. Aí Fuentes discorre sobre América Ibérica, amor, amizade, educação, escritores, morte, mulheres, sexo, tempo,Zurique, entre outros temas.

      Abraços

      Excluir


Obrigado a todos os amigos leitores.
Pedro