– PEDRO LUSO DE CARVALHO
Nelson Rodrigues foi o mais importante
dramaturgo brasileiro do século 20. O seu talento deu-lhe a possibilidade de desvendar
o mundo pequeno-burguês. Deixou homens e mulheres frente à crua realidade da
vida. Deles, soube explorar, como poucos escritores o fizeram, o seu mundo de
ilusão e de hipocrisia.
Suas principais peças são: Vestido de noiva (1943), Álbum de família (1945), A falecida (1953), Beijo no asfalto (1960), Toda
nudez será castigada (1965).
Escolhemos, para esta postagem, o conto Calamidade, de Nelson Rodrigues, um dos
contos que compõem o livro A vida como
ela é... (in: A vida como ela é... /
Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Agir, 2006, p. 32), que segue:
CALAMIDADE
– NELSON RODRIGUES
Então, a mulher o arrastou para o gabinete.
Conta-lhe o ocorrido; concluiu: “Eu admito que um marido possa ter suas
fraquezas. Mas com a irmã da mulher, não! Nunca!” Repetia: “Com a irmã da
mulher é muito desaforo!” O velho ergueu-se fremente: “Cadê esse patife?”
Trincava as sílabas nos dentes: “Cachorro!” No seu desvario, procurava alguma
coisa nos bolsos, nas gavetas próximas:
– Dou-lhe um tiro na boca!
E a mulher, chorando, só dizia: “Foi escolher
justamente a caçula, uma menina, quase criança, meu Deus do Céu!” Mas já o
velho abria a porta e irrompia na sala, dando patadas no assoalho: “Tragam esse
canalha!” Houve um silêncio atônito. Flávia cutucou o marido: “Vai, meu filho,
vai!” Arremessou-se Maneco. Foi encontrar o outro no fundo da garagem, de
cócoras, como um bicho. Bateu-lhe, cordialmente, no ombro: “O homem te chama.”
Foi avisando: “O negócio está preto. Ele quer dar tiros, diabo a quatro!”
Bezerra estancou, exultante: “Se ele me der um tiro, é até um favor que me faz.
Ótimo!” Numa súbita necessidade de confidência, apertou o braço de Maneco: “Eu
sei que Sandra é uma vigarista, mas se, neste momento, ela me desse outra bola,
eu ia, te juro, com casca e tudo!...”
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Pedro