25 de out. de 2011

RUI BARBOSA – No Palco da História



                por  Pedro Luso de Carvalho

       
       Rui Barbosa nasceu em Salvador, Bahia, a 5 de novembro de 1849 e morreu em Petrópolis em 1923. O período em que Rui viveu foi talvez o mais significativo e decisivo da História contemporânea, como bem observa Gladstone Chaves de Melo, na Introdução que escreveu para o livro Rui Barbosa, Textos escolhidos (Agir, Rio de Janeiro, 1968). No plano histórico, vê-se que na segunda metade do século 19 surgiram, caldearam-se ou contrapuseram-se os fatores de desintegração da sociedade liberal-burguesa. Chaves de Melo dá realce ao fato de que 1848 foi o ano do Manifesto de Marx, tão sem inportância no nascedouro, mas que viria a desencadear um movimento revolucionário expansionista, pan-elavista e ameaçador do mundo inteiro.

        Por outro lado, o princípio das Nacionalidades, consagrado no Congresso de Viena, engendera o novo sistema de forças do equilíbrio europeu, dando como consequência a unificação alemã e a unificação italiana, obra de Bismark e de Cavour, respectivamente. A guerra franco-prussiana firmou a hegemonia da Prússia e determinou a fundação do império alemão. Quando Rui concluiu seus estudos superiores já encontrou esse quadro na Europa e suas ressonâncias no Brasil, bem como o início, aqui, de agitações políticas e sociais, a que ele estará profundamente ligado: abolição, República, ditadura, afirmação do poder civil, enfatiza Chaves de Melo.
       
        Na Europa e no mundo sucedem-se acontecimentos que representam a tomada-de-posição para a grande partida de 1914-1918. Além da obra política e unitária de Cavour e de Bismark, ocorreu a expansão colonial inglesa e francesa, a guerra hispano-americana, com a independência de Cuba e a vitória dos Estados Unidos (1898), a guerra dos boers (1900), a vitória de Porto Arthur (1904-1905), a Trípice Aliança, entre a Alemanha, Áustria e Itália, o entendimento franco-russo. Por mais alheada que estivesse a sociedade por mais engolfada que andasse na belle époque, os políticos mais responsáveis sentiam a gravidade da situação e apontavam para as nuvens de borrasca no horizonte.
       
        Ainda um pouco mais desse período em que Rui viveu. A Conferência de Paz em Haia, na qual Rui tomou parte e teve papel destacado e original - como preleciona Chaves de Melo -, foi um esforço inútil, para afastar a catástrofe. Sobreveio a guerra, primeiro ato trágico da liquidação da civilização burguesa. Ainda no caso do conflito aparece a primeira consequência social da tomada-de-consciência das classes oprimidas, a Revolução Russa, logo disvirtuada e transformada em ditadura de grupo. Cinco anos depois, às vésperas da morte de Rui, assumia o poder na Itália Mussolini, marco primeiro da reação totalitária nacionalista e prólogo da guerra de 39.

        Nesse período em que viveu Rui, vê-se que, no plano estético, surgiu a renovação simbolista por volta de 70 e, depois, os primeiros sinais da renovação modernista. Tanto de uma como de outra coisa ficou isento Rui, conservando-se fiel ao classicismo, ao parnasianismo e ao purismo, que lhe orientaram o gosto e a obra literária – diz Gladstone Chaves de Melo; e acrecenta: 

        Viveu, pois, Rui no período crítico do fim de uma civilização, mas não se deviou de seus ideais, reagiu às inovações e lutou bravamente pela preservação das liberdades conseguidas e contra os avanços do absolutismo, que não chegou a ver triunfante, aqui e alhures, sob formas e ideologias novas. Guardou o que de bom teve a Revolução Francesa e a Declaração de 1776, contentando-se em ser um soldado da democracia e um lidador da pureza republicana. Não foi um homem de platéia; esteve no palco da História.



         In Rui Barbosa. Textos Escolhidos. 2ª ed. Agir Editora, Rio de Janeiro, 1968.



1 de out. de 2011

EDGAR ALLAN POE – Para Helena



               


                   por  Pedro Luso de Carvalho


       
       Edgar Allan Poe descende de uma família pobre. Seus pais eram artistas ambulantes. Quando eles morreram o menino ainda não tinha completado três anos. Um casal escocês supriu a sua falta de filhos adotando-o. No registro civil seu nome passou a ser o mesmo de seus adotantes: Allan. Os pais adotivos matricularam o filho num colégio em Glasgow, Escócia. Depois, também no regime de internato, passou a estudar em Londres. Com a mudança da família para os EUA, em 1820, o menino (de volta ao seu país), ingressou numa escola particular de Richmond, Virginia. 

        Em 1823 ingressou na Universidade de Virginia, em Charlotteville, onde permaneu por apenas um ano. Motivo de ter deixado os estudos: seu pai decidiu que ele não voltaria a estudar nessa universidade em razão de seu comportamento com relação ao vício do álcool e do jogo. A sua situação junto à família tornou-se insustentável. Poe então muda-se para Boston e ingressa no exército (West Point), deixando-o três anos mais tarde.

       No ano de 1829 morreu sua mãe adotiva. Nesse mesmo ano Poe lançou a primeira edição de “Tarmelane and other poems”. Após o rompimento com seu pai passou a viver sob a proteção de Maria Clemm, sua tia. Com esta e sua prima, mudou-se para Baltimore. Em 1835 casou com a prima Virgínia, que contava com apenas treze anos de idade.

       
        Após o casamento, Poe tentou distanciar-se do álcool, mas não obteve êxito. Em 1841 sua jovem esposa é acometida de uma grave doença, que, em 1847, a levaria à morte. A partir daí a saúde de Poe passou a debilitar-se ainda mais. E morre em 1849 , com apenas quarenta anos, num triste final que contrasta com a riqueza da obra do escritor, do crítico literário e do poeta: foi recolhido das ruas bêbado e levado a um hospital da cidade.

         Poe legou-nos uma obra nesses gêneros de inestimável valor. Seu gênio ultrapassou as fronteiras norte-americanas; na França foi acolhido com grande entusiasmo por Baudelaire, Mallarmé e por fechado grupo de escritores e poetas eruditos de Paris, que se encarregaram de fazer a divulgação de sua poesias e contos na Europa.

        Edgar Allan Poe nasceu em Boston a 19 de janeiro de 1809 e morreu em Baltimore a 7 de outubro de 1849. Hoje vemos que o seu gênio foi reconhecido em seu país, na Europa, e, mais tarde, em praticamente em todo o mundo Ocidental. Seu poema mais conhecido: The Raven (O Corvo). Abaixo, transcrevo o poema “Para Helena”, de Poe: 




                         PARA HELENA



        Vi-te uma vez, só uma, há vários anos, 
        já não sei dizer QUANTOS, mas NÃO MUITOS.
        Era em junho; passava a meia-noite
        e a lua, em ascensão, como tua alma,
        nos céus abria um rápido caminho.
        O luar caía, um véu de seda e prata,
        calma, tépida, embaladoramente,
        em cheio, sobre as faces de mil rosas,
        que floreciam num jardim de fadas,
        onde até o vento andava de mansinho.
        Caía o luar nas faces dessas rosas,
        que morriam, sorrindo, no jardim
        pela tua presença enfeitiçado.


        Toda de branco, vi-te reclinada
        sobre violetas; e o luar caía
        sobre as faces das rosas, sobre a tua,
        voltada para os céus, ai! de tristeza!


        Não foi o Destino, nessa meia-noite,
        não foi o Destino (que é também Tristeza)
        que me levou a esse jardim, detendo-me
        com o incenso das rosas que dormiam?
        Nenhum rumor. O mundo silenciava.
        Só tu e eu (meu Deus! Como palpita
        o coração, juntando estas palavras!) ...
        Só tu e eu... Parei... Olhei...
        E logo todas as coisas se desvaneceram.
        (Lembra-te: era um jardim enfeitiçado.)


        Fugiu a luz de pérola da lua.
        Os canteiros, os meandros sinuosos,
        flores felizes, árvores aflitas,
        tudo se foi; o próprio odor das rosas
        morreu nos braços do ar que as adorava.


        Tudo expirara... Tu ficaste... Menos
        que tu: a luz divina nos teus olhos,
        a alma nos olhos para os céus voltados.
        Só isso eu vi durante horas inteiras,
        até que a lua fosse declinando.
        Ah! que histórias de amor se não gravavam
        nas celestes esferas cristalinas!
        que mágoas! Que sublimes esperanças!
        que mar de orgulho, calmo e silencioso!
        e que insondável aptidão de amar!


        Mas, afinal, Diana se sepulta
        num túmulo de nuvens tormentosas.
        Tu, como um elfo, entre árvores funéreas,
        deslizas, Só TEUS OLHOS PERMANECEM.
        NÃO QUISERAM fugir e não fugiram
        Iluminando a estrada solitária 
        de meu regresso, não me abandonaram
        como fizeram minhas esperanças.


        E ainda hoje me seguem, dia a dia.
        São meus servos – mas eu sou seu escravo.
        Seu dever é luzir em meu caminho; 
        meu dever é SALVAR-ME por seu brilho,
        purificar-me em sua flama elétrica,
        santificar-me no seu fogo elíseo.
        Dão-me à alma Beleza (que é Esperança).
        Astros do céu, ante eles me prosterno
        nas noites de vigília silenciosa;
        e ainda os fito em pleno meio-dia,
        duas Estrelas-d'Alva, cintilantes,
        que sol algum jamais extinguirá.



                                   (Edgar Allan Poe)



REFERÊNCIAS:
Poemas e Ensaios. Edgar Allan Poe. Tradução de Osmar Mendes e Milton Amado. Revisão e notas de Carmen vera Cirne Lima. 3ª ed. revista. São Paulo: Globo, 1999.