-- PEDRO
LUSO DE CARVALHO
O último
livro de André Maurois foi De
Aragon a Montherlant.
Estava escrito quando ele morreu, em outubro de 1967. Foi editado em
Paris, após sua morte. A obra, que teve grande êxito nas livrarias,
completa a trilogia dos dois primeiros volumes De Proust
a Camus
e De
Gide a Sartre.
A trilogia foi publicada no Brasil pela editora Nova Fronteira. De
Aragon a Montherlant
foi traduzido por Paulo Hecker Filho. Nesse terceiro volume, André
Maurois estruturou o livro com ensaios curtos abrangendo temas
variados, não mais se limitando a escrever sobre vida e obra dos
maiores escritores franceses do século XX, como fizera nos dois
primeiros tomos.
Nesse
terceiro volume, André Maurois publicou ensaios da melhor qualidade
sobre importantes escritores – não apenas franceses - , dentre
eles, Borges, com o título Jorge Luis Borges - Labirintos. Aí,
Maurois diz que Borges é um grande escritor, que se restringiu a
pequenos ensaios. E acrescenta: "esses
ensaios bastam para afirmá-lo “grande”; justificando o por quê
dessa qualidade: “pelo brilho duma inteligência impressionante, a
riqueza de invenção e o estilo cerrado, quase matemático”.
Prossegue
Maurois:
Argentino
de nascença e temperamento, mas nutrido de literatura universal.
Borges não tem pátria espiritual. Cria, fora do espaço e do tempo,
mundos imaginários e simbólicos. É um sinal da sua importância
que só possa evocar a seu propósito obras estranhas e belas.
Aparenta-se com Kafka, Poe, às vezes Wells, sempre Valéry pela
brusca projeção de seus paradoxos dentro do que chamaram 'sua
metafísica privada.
Adiante,
André
Maurois
diz que são inumeráveis e inesperadas as fontes de Borges. E mais:
“Borges
leu tudo, e especialmente o que ninguém lê mais: os cabalistas, os
gregos alexandrinos, os filósofos da Idade Média. Sua erudição
não é profunda; ele não lhe pede senão clarões e idéias; mas é
vasta. Um exemplo: Pascal escreveu: A natureza é uma esfera infinita
em que o centro está em toda parte, a circunferência em nenhuma.
Borges parte à caça dessa metáfora através dos séculos. Acha em
Giordano Bruno (1584): Podemos afirmar com certeza que o universo é
todo centro, ou que o centro do universo está em toda parte e sua
circunferência em nenhuma parte. Mas Giordano Bruno podia ter lido
num teólogo francês do século XII, Alain de Lille, uma fórmula
extraída do Corpus Hermeticum (século III): Deus é uma esfera
inteligível cujo centro está em toda parte a circunferência em
nenhuma parte. Tais pesquisas, levadas a efeito entre os chineses
como entre os árabes ou os egípcios, encantam Borges e lhe oferecem
seguidos assuntos de contos”.
Muitos dos
mestres dos
quais Borges sofreu alguma influência em
são ingleses. Nutre profunda admiração por Wells, que escreveu um
romance que representa simbolicamente traços inerentes a todos os
destinos humanos.
Diz, André Maurois:
. Cada obra
grande e duradoura deve ser ambígua, diz Borges, pois é um espelho
que faz conhecer os traços do leitor, embora o autor deva parecer
ignorar o significado da sua obra – o que constitui uma descrição
excelente da arte do próprio Borges. E é Borges quem diz: Deus não
deve fazer teologia; o escritor não deve anular com raciocínios
humanos a fé que a arte exige de nós.
Borges,
como a Wells admira Poe e Chesterton,
prossegue
André
Maurois:
Poe
escreveu contos perfeitos de horror fantástico e inventou a narração
policial, mas nunca combinou os dois gêneros.
Se
Chesterton soube se defender de Poe ou Kafka havia na matéria de que
seu eu estava feito algo que tendia ao pesadelo. Kafka, a seu turno é
um precursor direto de Borges. Castelo podia pertencer a Borges,
embora esse dele tivesse feito um conto de dez páginas, tanto por
altaneira preguiça quanto pelo cuidado da perfeição”. Quando aos
precursores de Kafka, a erudição de Borges – ressalta Maurois -
se compraz em achá-los em Zenão de Eléia, em Kierkegaard, em
Robert Browning. “Em cada um desses autores há algo de Kafka, mas
se esse não tivesse escrito, ninguém se aperceberia disso. De onde
este paradoxo bem borgesiano?
Cada
escritor cria seus precursores.
André
Maurois
faz referência a ao inglês Dunne como sendo outro dos escritores
que inspiraram Borges:
Donne
escreveu um curioso livro sobre o Tempo, onde sustenta que o passado,
o presente e o futuro existem simultaneamente,
como o provam nossos sonhos, (Schopenhauer, nota Borges, já escreveu
que a vida e os sonhos são páginas dum mesmo livro: lê-las em
ordem é viver, folheá-las é sonhar.
Na morte reencontraremos todos os instantes de nossa vida e os
combinaremos livremente como num sonho. Deus, nossos amigos e
Shakespeare colaborarão conosco. Nada mais agrada a Borges que jogar
assim com o espírito, o sonho, o espaço e o tempo.
È mais
extenso esse ensaio de André
Maurois
sobre a obra de Jorge
Luis Borges.
Do ensaio, recolhi as partes mais interessantes, acredito. Mas, antes
do ponto final, acho importante abordar a forma de Borges, que
segundo Maurois lembra a de Swift:
“A mesma
gravidade no absurdo, a mesma precisão no detalhe. Para expor uma
descoberta impossível, empregará o tom do erudito minucioso e
pedante, mesclará escritos imaginários com fontes autorizadas e
reais. Antes do que escrever um livro inteiro, o que o entediaria,
analisa um livro que nunca existiu. “Porque desenvolver em
quinhentas - páginas, pergunta Borges -, uma ideia cuja perfeita
exposição oral demoraria alguns minutos?”
André
Maurois
agora
dá realce a outros contos de Jorge
Luis Borges,
dizendo:
São
parábolas misteriosas e nunca explícitas; outros ainda, relatos
policiais à maneira de Chesterton. A trama persiste toda
intelectual. O criminoso emprega o seu conhecimento de detetive. É
Dupin contra Dupin, ou Maigret contra Maigret . Uma das 'ficções'
de Borges é a insaciável procura dum ser através dos reflexos,
apenas perceptíveis, que deixou em outras pessoas. Ou então, por
ter o condenado notado que as previsões nunca coincidem com as
realidades, imagina as circunstâncias da sua morte. Transformadas
assim em previsões, deixarão de ser realidades.
Maurois
diz,
no que respeita às invenções de Borges,
que essas invenções de Borges são mais extraordinárias que as de
Poe, escritas num estilo hábil e puro que aliás cumpre relacionar
com o de Poe, “que gerou Budelaire, que gerou Mallarmé, que gerou
Valéry, que gerou Borges".
Já no
final do seu ensaio, Maurois lembra do parentesco do estilo de Borges
com o de Valéry, pelo rigor; às vezes, com Flaubert, pelo acúmulo
de passados imperfeitos; com Saint-John Perse, pela estranheza de
adjetivos. Mas, não deixa de ressalvar que é altamente original o
estilo de Borges, o mesmo ocorrendo com seu pensamento. Termina o
ensaio com o que diz Borges sobre os metafísicos de Tlön: “Não
buscam a verdade, nem mesmo a verossimilhança. Pensam que a
metafísica é um ramo da literatura fantástica”.
O que define bem a grandeza e a arte de Borges – conclui Maurois.
* * *
Olá, Pedro! Tudo bem!
ResponderExcluirComo eu cursei Letras, imagine o quanto eu tive que ler e entender os diferentes pensamentos, estilos etc.
Que texto exemplar, hein? Ler os teus textos é se alimentar de muita cultura.
Abraços!
Em tempo: bjkas na Taís que é um amor de amiga virtual.
Bom dia,
ResponderExcluirAvho muito joia compartilharmos cultura com todos.
Sei que aqui enfovamos mais na literatura, mas gostaria de dividir com vc sobre um atyista plastico que eu adoro. Fukuda.
http://nossomundo2008.blogspot.com/search?q=Fukuda
Abraço
Mariza :-)
Today is virtuous weather, isn't it?
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