– Pedro Luso de Carvalho
ANTÔNIO MARIA (Antônio
Maria Araújo de Morais) nasceu em Recife a 17 de março de 1921 e morreu no dia
15 de outubro de 1964, aos 43 anos. Esse que foi um dos nossos melhores
cronistas mantinha colunas diárias no O
Jornal, onde permaneceu por 15 anos; no O
Globo, em 1959 e na Última Hora, todos
do Rio de Janeiro.
Antônio Maria foi muito
mais que excelente cronista, foi homem de televisão (TV Tupi e TV Rio), foi
radialista (rádio Mayrink), foi
compositor (escreveu a letra de Manhã de
Carnaval e muitas outras). A música
Manhã de Carnaval serviu de temas musicais para o filme
franco-ítalo-brasileiro, Orfeu Negro,
ganhador da Palma de Ouro em Cannes e
do Oscar de melhor filme estrangeiro.
Maria, como era como era
conhecido, fez muitos amigos: Di Cavalcanti, Dorival Caymmi, Jorge Amado,
Vinícius de Moraes, Carlos Heitor Cony, Aracy de Almeida, Luiz Bonfá, dentre
tantos outros.
Passemos agora à crônica
de Antônio Maria, intitulada A noite
é uma lembrança, escrita 18/5/1957, no Rio de Janeiro (in Morais, Antônio de Araújo de.
Crônicas
de Antônio Maria. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1996, p. 31-33):
A NOITE
É UMA LEMBRANÇA
– Antônio Maria
BOA VIAGEM, FEVEREIRO. É de principiante
isto de o cronista escrever que está numa janela de hotel, vendo a noite e
fumando um cigarro. Mesmo havendo mar e sendo Boa Viagem um encontro muito
desejado, não gosto da sem-cerimônia com que me faço personagem de mais uma
crônica, como se eu, a noite e o cigarro ainda fôssemos novidade.
Entretanto, alguns acontecimentos
espirituais do homem podem ser contados e explicados, desde que esse homem seja
capaz de transmitir a alguém a beleza de sua solidão. Que ninguém se queixe de
falta de ocorrências para escrever melhor. E sim de incapacidade para gritar o
seu grande mundo interior.
Eu vim à janela porque conheci uma moça e
estou preocupado em como a venho pensando, há um enorme tempo. O cabelo, os
olhos, a boca, as mãos e o silêncio. Também a palavra vagarosa, que perguntava
de vez em quando sobre uma verdade já velha ou sobre uma mentira mais em moda.
Se confiasse em cada um de nós, explicaria à sua maneira o Homem, o Amor, o rio
Capibaribe e o compositor João Sebastião Bach. Mas para isso, além de ser
preciso confiar, teria que pedir a palavra e se imponentizar de tal maneira que
nos assustaria à sua volta, após assustar-se consigo mesma. O que dizia eram
curtas perguntas. O que fazia era pouco e casual. Mesmo assim eu a adivinhava
sábia e corajosa.
Mais das vezes se escreve assim de uma
mulher quando por ela se sente uma dessas súbitas emoções, muito parecidas com
o chamado amor à primeira vista. Mas, em meu caso, essas impressões já não me
confundem. Uma mulher me empolga assim que a sinto gente; e nela me perco, de
descoberta em descoberta, sem me consentir a mínima desconfiança de estar amando-a, em qualquer das maneiras antigas ou atuais de amar alguém. Uma
mulher-gente nos atrai aos seus mistérios e, no tempo em que procuramos
desvendá-los, só acrescentamos dúvidas à nossa ignorância inicial.
Apesar disso, é dever do homem-gente deixar
que o seu pensamento se demore nas lembranças de sua conhecida recente. Amor é
outra coisa. Amor a gente espera, como o pescador espera o seu peixe, ou o
devoto espera o seu milagre: em silêncio, sem se impacientar com a demora. E o
amor a gente não conta pelo jornal a não ser quando quando o sentimento trai a
frase, juntando palavras que deviam estar sempre separadas.
Cá estou, porém, nesta janela que não me
deixa mentir, em frente à noite de que sou uma espécie de filho de criação, a
repassar lembranças de uma moça que, de mim, se muito recordar, recordará meu
nome. Eu também a esquecerei, mas daqui a duas ou três mulheres importantes.
Agora, faz-me bem, inclusive, sofrê-la um pouco. É tarde. Deveria ir para a
cama. Todavia, não seria direito. Numa moça, a gente pensa na janela.
* * *
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Pedro