– PEDRO
LUSO DE CARVALHO
Nenhum escritor brasileiro contribuiu mais
para a nossa literatura que Machado de Assis. Ele escreveu romances, contos,
crônicas, poemas. Passados tantos anos de sua morte, o seu texto enxuto,
direto, ainda é atual. Prova disso é a crônica intitulada 10 de novembro, escrita no ano de 1884, na qual o mestre desenvolve
um tema relacionado com a política, mais precisamente de candidato a deputado
que pede o voto a um conhecido.
A crônica de Machado desenvolve-se até
culminar com um questionário que ao conhecido candidato. Vê-se aí um escritor
de espírito elevado e moderno até mesmo para os dias atuais. Vale a pena fazer
a leitura dessa crônica (10 de novembro),
escrita no ano de 1884, que integra o livro Crônicas
de Lélio, de Machado de Assis, que teve a organização, prefácio e notas de
R. Magalhães Júnior, e foi editado pela Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,
1958, p. 163-165). Segue, pois, a crônica:
10 DE
NOVEMBRO
–
MACHADO DE ASSIS
Venho pedir o seu voto na próxima eleição
para deputado.
– Mas, com o senhor, fazem setenta e nove
candidatos, que...
– Perdão: oitenta. Que tem isto? A reforma
eleitoral deu a cada eleitor toda a independência, e até fez com que
adiantássemos um passo. Em rigor, e pelo antigo sistema, há dois modos de fazer
eleição – ou por designação de um chefe ou por acordo dos eleitores em reuniões
públicas. Não contesto que o primeiro modo dá a unidade e o segundo a liberdade
do voto. Nós, porém, inventamos um terceiro meio mais próprio de família, mais
adequado aos sentimentos bons e sossegados: – a candidatura de paróquia, de
distrito, de rua, de meia rua, de casa e de meia casa... Quem é que não tem um
ou dois companheiros de escritório ou de passeio?
– Bem; pede-me o voto.
– Sim, senhor.
– Responda-me primeiro. Que é que fazia até
agora?
– Eu...?
– Sim, trabalhou com a palavra ou com a
pena, esclareceu os seus candidatos sobre as questões que lhe interessam,
opôs-se aos desmandos, louvou os acertos...
– Perdão, eu...
– Diga.
– Eu não fiz nada disso. Não tenho que
louvar nada, não sou louva-deus. Opor-me! é boa ! Opor-me a quê ? Nunca fiz
oposição.
–
mas esclareceu...
– Nunca, senhor! Os lacaios é que
esclarecem os patrões ou as visitas: não sou lacaio. Esclarecer! Olhe bem para
mim.
–Mas, então, o que é que o senhor quer?
– Eu quero ser deputado.
– Para quê?
– Para ir à câmara falar contra o
ministério.
– Ah! é contra o Dantas?
– Nem contra nem pró. Quem é o Dantas? eu
sou contra o ministério... Digo-lhe mesmo que a minha ideia é ser ministro. Não
imagina as cócegas com que fico em vendo um dos outros de ordenanças atrás...
Só Deus sabe como fico!
– Mas já calculou, já pesou bem as
dificuldades a que...
– O meu compadre Z... diz que não gasta
muito.
– Não me refiro a isso; falo do diploma, o
uso do diploma. Já pesou...
– Se já pesei? Eu não sou balança.
– Bem, já calculou...
– Calculista? Veja lá como fala. Não sou
calculista, não quero tirar vantagens disto; graças a Deus para ir matando a
fome ainda tenho, e possuo braços. Calculista!
– Homem, custa-me dizer o que quero. O que
eu lhe pergunto é se, ao apresentar-se candidato, refletiu no que o diploma
obriga ao eleito.
– Obriga a falar.
– Só falar?
– Falar e votar.
– Nada mais?
– Obriga também a passear, e depois se
torna a falar e votar. Para isto é que eu vinha pedir-lhe o voto, e espero que
não me falte.
– Estou pronto, se o senhor me tirar de uma
dificuldade.
– Diga, diga.
– O X. pediu-me ontem a mesma coisa, depois
de ouvir as mesmas perguntas que lhe fiz, às quais respondeu do mesmo modo. São
do mesmo partido, suponho!
– Nunca: o X. é um peralta.
– Diabo! ele diz a mesma coisa do senhor.
*
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Pedro