6 de mai. de 2012

BALZAC & TOLSTÓI – Parte IV (Final)


                 por Pedro Luso de Carvalho
     
    No seu ensaio sobre esses dois gênios da literatura, André Maurois pergunta a si mesmo se Balzac é maior Tolstói. Se Tolstói é mais verdadeiro que Balzac. Adiante, diz que hierarquizar obras de arte parece-lhe um exercício inútil. Lembra que Pai Goriot, de Balzac, não é mais belo que Ana Karênina, de Tolstói. Realça que os dois romances são obras-primas incontestáveis. Pondera apenas que o máximo que se pode pensar é que o pessimismo realista de Balzac é uma doutrina mais sadia que o tolstoísmo.

          Em seguida Maurois faz um exercício no campo das hipóteses para dizer que, no seu entender, se Balzac não tivesse morrido cedo, sua velhice teria sido bem diversa da de Tolstói. Diz gostar de imaginar Balzac livre de preocupações de dinheiro e sendo alvo das honrarias, que não as teve como merecia.

          E, na hipótese de Balzac ter chegado à velhice, pensa na Sra. Balzac, que teria sido para ele uma esposa afetuosa durante tanto tempo que acabaria por satisfazer seu temperamento excessivo. Nesse sentido, não deixa de lembrar que Balzac não teria tido os extravagantes escrúpulos que lançaram Tolstói no mais inútil desespero. Concorda com o que disse Alain, que Balzac mais parece um padre que apressa as confissões, e que desde há muito absolvera a si mesmo.

         Tal absolvição Tolstói jamais dera a si mesmo, como pode ser visto no seu diário íntimo, que escreveu praticamente toda a vida, no qual confessa suas fraquezas, de modo especial em relação ao sexo – prostitutas, servas e outras mulheres de baixa condição social, com as quais se envolvia - e ao jogo. Tolstói viveu esse triste conflito, execrando a tentação da carne - martírio para ele, que procurava dominá-la na fase final de sua vida – e entregando-se aos seus prazeres.

         Em As Confissões, Tolstói desabafa: “Neste estado foi que cheguei ao ponto de não poder mais viver e, pelo medo da morte, fui forçado a usar de artifícios a fim de não me suicidar. Eis como resumia para mim este estado de alma: Minha vida é uma brincadeira estúpida e má que alguém está-me fazendo (...) Isto era pavoroso. Para me livrar desta tortura, queria me matar. Sentia o horror do que me esperava e sabia ser este horror ainda mais terrível do que a própria situação, mas não podia esperar pacientemente o fim. (...) O medo das trevas era demasiadamente grande; queria-me livrar mais depressa com o auxílio de uma corda ou de uma bala. E este sentimento me atraía irrestivelmente para o suicídio.”
       
        Balzac, ao contrário do que ocorreu com Tolstói, como se viu acima, tinha o gosto pela vida. Disse, em carta a Armand Péréné, em 1838, dentre outras coisas: “Só tenho certeza da minha coragem de leão e do meu invensível trabalho”. O autor de A Comédia Humana falou de si próprio com a convicção de quem não ignora as qualidades das quais é dotado, que conhece a si mesmo muito bem, como se verá adiante.

       Segue, pois, trechos da carta de Balzac dirigida à duquesa de Abrantes, escrita em julho de 1826:

         Posso assegurar-lhe – escreve Balzac – que, se tenho alguma qualidade, é, creio, aquela que a senhora me verá mais frequentemente rejeitar, aquela que todos os que pensam me conhecer me negam, é a energia (...)

         (...) Eu lhe diria que a senhora nada pode concluir a meu respeito, contra mim; que tenho a mais a mais singular personalidade que conheço. Eu me analiso como o faria com qualquer outro. Guardo dentro dos meus cinco pés e duas polegadas todas as incoerências, todos os contrastes possíveis, e aqueles que me julgarem frívolo, pródigo, cabeçudo, leviano, sem coerência nas ideias, convencido, negligente, preguiçoso, desleixado, sem reflexão, sem nehuma constância, tagarela, sem tato, mal-educado, descortês, rabugento, de humor instável, terão tanta razão quanto aqueles que poderiam dizer que sou econômico, modesto, corajoso, tenaz, enérgico, que me visto com simplicidade, que sou trabalhador, perseverante, discreto, cheio de delicadeza, polido, sempre alegre.

        Quem disser que sou poltrão – prossegue Balzac – não estará mais errado do que quem disser que sou extremamente corajoso, por fim, sábio ou ignorante, cheio de talento ou inepto; nada a meu respeito me espanta mais. Acabei por acreditar que não passo de um instrumento ao sabor das circunstâncias.

        Esse caledoscópio - acrescenta Balzac – provém do que o acaso (sic) lança na alma daqueles que pretendem querer pintar todas as afeições e o coração humano, todas as suas próprias afeições, a fim de que possam, pela força de sua imaginação, sentir o que pintam, e não seria a observação nada mais do que uma espécie de memória própria para ajudar essa móbil imaginação? Começo a acreditar nisso (...).

        Transcrita a carta supra, de Balzac à duquesa de Abrantes, voltemos ao ensaio de André Maurois, que o encerra com estas palavras: “Lastima-se que Balzac não tenha tido o lazer para compor o romance de seus romances; e também se desejaria que Tolstói, que era capaz de fazê-lo, não tivesse tido o desejo. Mas o temível Tchekhov estava vigilante...”

         Com isso, Maurois não se contradiz, por ter afirmado que Balzac e Tolstói “são os maiores criadores do romance na história literária”. O crítico francês apenas lamenta que Balzac tenha morrido tão cedo, aos 50 anos de idade, e que Tolstói tenha se afastado da literatura quando contava com 50 anos, para dedicar-se ao estudo da Bíblia e da Teologia até o ano de 1910, quando morreu, aos 82 anos.




REFERÊCIAS:
SCHINAIDERMAN, Boris. Tolstói. São Paulo: Brasiliense, 1983.
TAILLANDIER, Francois. Balzac. Tradução de Llana Heineberge. Porto Alegre: L&PM, 2006.
PICON, Gaëtan. Balzac. Tradução de Maria Alice Lúcia Autran Dourado. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993.
ZWEIG, Stefan. Tolstoi. Tradução de Lígia Autran Rodrigues Pereira. São Paulo: Livraria Martins Ediora, 1961.
MAUROIS, André. De Aragon a Montherlant. Tradução de Paulo Hecker Filho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1967.


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